quinta-feira, 16 de dezembro de 2010

E como os búfalos seguiremos mansos... Até a manada estourar.




Ontem, quarta-feira 15 de dezembro, a Câmara Federal,  a mesma que vota o salário mínimo no país aprovou a equiparação salarial para parlamentares, ministros de Estado e para o presidente e o vice-presidente da República.    Todos passarão a ganhar R$ 26,7 mil a partir de fevereiro do ano que vem. Os deputados aprovaram um requerimento de urgência permitindo a apreciação do projeto ainda hoje. O placar foi de 279 deputados a favor, 35 contra, e três abstenções. Horas depois, o Senado também aprovou o reajuste. Enquanto isto, prevêem o reajuste do salário mínimo para R$ 580 em 2011 e que concede reajuste de 9,1% aos benefícios de aposentados e pensionistas que recebem mais de um mínimo.

Pela primeira vez me arrependo de ter votado em Paulo Teixeira para deputado federal, a postura de votar a favor do requerimento de urgência não exclui seu trabalho anterior na câmara, ou como vereador por São Paulo por diversas vezes.  Mas me deixa um travo enorme, até porque até o último instante estava indeciso entre o voto nele ou em Luiza Erundina, do PSB, que em perfeita consonância com sua trajetória política votou contra o requerimento.

Política não é dos assuntos que mais me agradam, até porque confesso meu autoritarismo e inabilidade no assunto, mas como divulguei minhas opções de voto, o que não deixa de ser uma forma de campanha, sinto-me na obrigação de manifestar minha frustração. 
Engraçado como não se tem a mesma urgência em votar quando o assunto é interesse do povo, e não é a toa que redes sociais, estejam hoje cheios de revolta e  “pior congresso da história” e “Fogo no congresso” sejam os temas de maior citação no twitter.

Mas só se frustra quem acredita, e continuo acreditando, não em propagandas que tornam qualquer um em salvador da pátria, ou um projeto em estrela cintilante - como o expansão metrô que mostrava um metrô maravilhoso (quase um fura fila),  e foi retirada do ar depois de constatado por usuários do dia-a-dia que este meio de transporte em São Paulo está sucateado.

Charles de Gaule o grande estadista francês já dizia, que o castigo dos que não se interessam por política é ser governado por aqueles que se interessam. Votamos naqueles que acreditamos, seja por discursos, por comportamentos, pela história de vida. E tentamos não errar, apesar de muitos deixarem claro já a que vem e ainda assim terem quem os eleve aos postos públicos de governança. 

É uma postagem de desapontamento e revolta o desta semana, e imagino os comentários que virão (?)... Paciência, sigamos em frente a espera de dias melhores.
  

Foto: Djair - Búfalos do João de Deus - Quebra Cangalha - Oliveira - MG
 

quinta-feira, 9 de dezembro de 2010

É natal? Oh!!!

Então é natal... Oh, que maravilha!...

Então vamos todos comemorar e confraternizar, comer e beber à vontade, distribuir e receber sorrisos, abraços e gentilezas tão sinceras como notas de r$4,35. O chefe escroto, que nunca reconhece o trabalho de ninguém, que assume as idéias dos subalternos e só dá atenção aos que lhes lustram os ovos ou ovários, chamará a todos para a confraternização... Que lindo... 



E como não bastasse, agora tem confraternização da sala, do setor, do prédio, da empresa...

E aqueles “colegas” que passam o ano enrolando, assim como aqueles que lhe puxaram o tapete a mais não poder durante todo o período, virão dar abracinhos rotos e tapinhas nas costas, com um “ai, desculpa qualquer coisa...”

Ah, e a hipocrisia máxima do amigo-secreto? Aquele, onde as pessoas escolhem o que querem ganhar via bilhetinhos colocados em uma caixa de sapato embrulhada em um papel de presente meio amassado... Ora se é para escolher, porque não se vai e compra de uma vez. Não, não se pode realmente arriscar e curtir o sabor de descobrir um presente legal e completamente inusitado. É verdade que sempre corre-se o risco de se ganhar um bloquinho para anotações, como vi em um Natal passado.

Orientadores que escravizaram orientandos no que podiam e co-assinaram trabalhos e publicações que mal, ou sequer, leram, vão ganhar presentinhos e com um sorriso cândido dizer que não precisava, enquanto os desembrulham apressados.
         E os amigos de verdade, aqueles que gostaríamos de ter visto mais amiúde, dos quais sentimos falta,  mas que nunca tiveram tempo para um encontro, telefonema ou e-mail, virão cedo, querendo marcar algo antes do tão fatídico dia do nascimento de nosso senhor Jesus Cristo, mais uma vez transmutado em menino Jesus.

         Ora senhores, que prazeres maiores que visitar a quem se gosta, sem compromisso de datas, natalícios divinos ou mortais; não é um regalo maravilhoso o presente fora de datas comuns, como natal, dias de pais, mães, amantes ou aniversários? Assim, mesmo aquela lembrancinha mequetrefe, como o segurador de bolsas que você ganhou no último congresso e vai dar de presente à sua prima, só pra não dizer que não lhe deu nada, ganhará até um ar de graça, pois significará que realmente lembrou, e quis dar algo a ela. Mande cartões ou e-mails pra dizer: hoje pensei em você, em como é bom quando podemos estar juntos e conversar sobre o que seja, apenas para beber de sua presença. Ao invés de cartão porque é natal e se acostumou a fazê-lo nesta data, como quem reza um pai nosso pensando no último capítulo da novela ou na conta a pagar no dia seguinte.


         Uma sugestão: o espírito de natal deveria ser diluído no decorrer do ano; com certeza isso faria as pessoas a quem realmente  se quer bem, muito mais alegres, se não felizes de fato, por sentirem-se lembradas e queridas. Pelo menos para mim, mais vale um almoço com amigos num domingo qualquer do ano, do que uma mesa repleta de mais comida do que se pode consumir, que vai fazer diferença no orçamento e com convivas que eu desconheço, até porque, como diz a canção de Rita Lee, no fim tudo vira merda. E ai de nós nos almoços que somos obrigados a ir, por obrigações/convenções sociais. É, às vezes a coisa não é tão má. Mas em outras a comida pode até fazer mal...

         Então é natal, que nossos melhores sentimentos sejam expressados de verdade, para quem de fato merece, para quem se gosta de verdade.  Sem hipocrisia.

         Um feliz natal, muito amor e paz pra você!


Fotos: Djair - Presépio - Cerâmica sergipana - Neópolis (SE)
                   - Araúcaria travestida em àrvore de natal.        

quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Coisinha fofa...


Esta noite estava a lembrar-me de uma conhecida que nunca se importava do que falassem a seu respeito. Do que quer que lhe chamassem, não dava importância... A não ser... “Boazinha”. 
 
“Ah, não dá! Boazinha não! Podem me chamar de qualquer coisa! Menos boazinha.” 
 
Segundo ela, “boazinha” era o fim de tudo, quando você não tem qualidades ou defeitos outros que a tornem minimamente atraente, interessante ou apreciável. Melhor ser mal vista, mal falada, que ser a "boazinha"... Me chama de cadela, de piranha, de qualquer coisa, mas boazinha não, dizia, querendo pertencer mais à fauna do que destratada com o vocábulo qualitativo. 
 
Daí lembrei-me de recente papo, via Facebook, com o Alex, onde falávamos sobre gente que tem mania de terminar os nomes dos outros com “inho” ou “inha”, sem qualquer carinho ou intimidade no ato. E como a noite era de insônia regada a lembranças, o pensamento me trouxe mais uma. Como sempre fui bonzinho (sem aspas), a lembrança era de uma conhecida imensa nas formas, a quem na adolescência chamávamos de “I...zinha”, no pejorativo mesmo, por pura maldade adolescente.
 
Um colega sempre trata a namorada por “coisinha”, e ela não desgosta. Aliás, anos atrás, Elke Maravilha dizia em uma entrevista que li numa destas revistas de passatempos, Contigo ou Ilusão se não me engano, que o namorado atual (daquela época, fique claro) a chamava de "meu traste"... E era uma declaração de amor! Pode ser... Acho mais bonito que “fofinho" e "fofinha”, com os quais um casal conhecido se trata... É de dar engulhos. Se alguém me chamar de fofinho acho logo que está querendo dizer que sou gordo.
 
E, pegando carona nos engulhos do parágrafo acima, um colega, uma vez de saco cheio em ouvir o “querido” de uma terceira pessoa, saiu-se com um “_Para de me chamar de querido, pois esse seu “querido” é a personificação da falsidade.” Silêncio...
 Realmente, “querido” é muito estranho, só uso com pessoas as quais quero bem e realmente quero perto de mim... Mas vejo tanto em bocas tortas por aí, sem querer bem algum à pessoa a que se refere que o “meu querido” vira mesmo como bem disse o outro: “A personificação da falsidade.”
 
Conheci outras pessoas que detestavam a alcunha “bonitinho(a)”, segundo a qual o bonitinho é sempre o feio arrumadinho. Muito embora muitas vezes o diminutivo seja apenas para expressar carinho...
 
O único lugar no Nordeste onde já ouvi falar "bichinho" foi em Alagoas, e, embora o vocábulo seja usado a mão-cheia, em programas humorísticos, acredito esteja praticamente em desuso, da vez que quando o ouvi foi logo retrucado com sisudez: “Bichinho é formiga”!
 
O “siázinha” e o “mulé” nos quais eu achava tanta graça também só se ouve muito quando em vez, e assim perdem-se jocosidades deliciosas, enquanto os “meu querido” predominam por ai afora...

quinta-feira, 25 de novembro de 2010

Dai de comer a quem tem fome.


          A participação no evento era de 95% de mulheres, o que supõe meiguice, calma  e sensatez, mas  com certeza, quem já conhece uma praça povoada por pombos, como a Plaza de S. Marcos em Veneza ou a Biquinha em S. Vicente, e viveu a experiência de jogar milho/ração aos pombos, não iria estranhar o coquetel de abertura.
Várias mesas dispostas em um salão não tão grande, comidinhas e bebidinhas finas dispostas entre arranjos de flores coloridas, sob a luz relaxante de um lustre de século e meio atrás, que pendia do teto branco e refletidas pelos cristais do lustre e de espelhos ao redor da sala, dava amplitude ao um turbilhão de mulheres famélicas se descabelando por um pouco de ração.



            O mesmo se repetirá nos dias seguintes, nas pausas para o café, ou como costumam dizer os adeptos do anglicismo, nos coffee-breaks, onde vi uma moça à minha frente ter a xícara de café derrubada por uma senhora que cortou a fila, empurrando a enorme bolsa sobre quem estivesse à frente, e como resultado ainda do desespero, a coitada que estava na fila educadamente, teve a mão queimada. Como digo as vezes, tem gente que se aproveita da idade para ser mal-educada.

            Pessoas que tem nível superior, trabalham com informação, cultura e pelo visto... Tem fome...

            A Educação, o glamour da ocasião, o bom senso são deixados de lado e... Oba!!! Comida!!!

            O vestuário um show a parte. Imediatamente à minha frente, uma zebra pálida, como a tintura do cabelo, que ornava com o perfume mais doce que já senti. Ao lado, bem próxima, entre  profusos e enormes babados multicores, repousava sobre o colo d’outra uma bolsa preta, enorme, de um material que não sei se era sintético ou pele de algum animal. Quase me atirei em cima da dona pois acreditei piamente estar sob ataque de um guaxinim. Bem, com a fauna e flora estampadas na roupa e o dourado das correntes e outros ornatos, não seria de estranhar. Certamente Clóvis Bornay chamaria o estranho look de “Esplendor da fauna e flora no reino de El-Dorado”.  Em meio a elas, homens de terno, de calça e camisa sociais, um rapaz com bata já um tanto surrada assim como o Jeans chama atenção. Tem gente que também se aproveita da idade pra ser mal-educado.

          Não me admira a colocação de uma amiga: “Não usava uma roupa desta nem pra lavar a casa com muita água sanitária.”
        
           Um outro, antes do coquetel,  ao notar na ponta oposta do salão, onde a orquestra executava uma peça  de Malher, uma notável da área corre pelo salão de piso de madeira, com passos fortes, fazendo barulho semelhante a cascos de jumento. Junta-se a ela, e tome horas de papo fútil.
 
              Ah, a subserviência e o puxa-saquismo... O que seria dos que amam paparicos, sem eles? E tome papo durante a sessão de música clássica... Ai de mim...

Foto: Djair - Tapete de Corpus Christ, feito com alimentos - Morro do Ferro - Oliveira - MG

quarta-feira, 24 de novembro de 2010

Urgente - Utilidade Pública

Uma amiga está com leucemia aguda e precisa de doação de sangue e plaquetas, urgente.
Conto com o apoio de todos vocês.
Abaixo estão todos os dados.
Obrigado, um abraço e fiquem com Deus.

Doação de sangue e plaquetas direcionada a:
Angela Maria Marcondes Machado de Barros - internada no Hospital Santa Cecília.

Postos de doação de sangue:

- Hospital do Câncer, fica na rua Prof. Antonio Prudente, 211, próximo ao Metrô São Joaquim.
Horário: de 2ª a sábado, das 8 às 17 h

- Hospital Edmundo Vasconcelos, fica na rua Borges Lagoa, ao lado da AACD, próximo ao Hospital do Servidor do Estado.
Horário: de 2ª a 6ª, das 8 às 17h

- Hospital do Coração, fica na rua Abilio Soares, 176 - Paraíso.
Horário: de 2ª a 6ª, das 8 às 17h

- Clínica de Hematologia de São Paulo, fica na av. Brigadeiro Luis Antonio, 2533.
Horário: de 2ª a sab, das 8 às 17:30h

segunda-feira, 15 de novembro de 2010

Leopardos, ou gatos pardos?

Hoje pela manhã, jogava um partida de buraco enquanto lá fora o sol tímido em conluio com o vento frio não convidava a fazer nada além disto. Sobre a mesa, coisinhas gostosas para beliscar e nas mãos uma boa jogada.

Assino o jornal apenas de sexta-feira a domingo, pois mais que isso não consigo dar conta no decorrer da semana, de tempo já escasso. Foi, quando de repente, ouço no rádio a notícia do ataque de um grupo de jovens classe média alta a um casal de rapazes que passeavam pela Av. Paulista.

Noticias assim sempre me chocam. Sejam elas sobre universitários (?) do interior perseguindo alunas acima do peso, machos no cio a perseguir moças de vestido curto em universidades, filhos de gente abastada ateando fogo em índios para se divertirem, idiotas a bradar morte a nordestinos, gentinha em altos postos a humilhar funcionários negros ou presidentes de democracias a expulsar ciganos. Ou ainda campos de concentração onde se exterminam pessoas de etnias, religião ou pensamento diferente da que o status quo da sociedade dominante permite.

Em São Paulo, maior cidade da América do Sul, não é a primeira vez que tal fato chega aos jornais. Há alguns anos, um outro rapaz, domador de cães, foi morto em plena praça da República, no centro da cidade. O domador de cães não se livrou das feras bípedes e somou-se às estatísticas policiais. O mesmo ódio, o mesmo tipo de perseguição, vários contra um ou dois.

Lembro que há uma década, quando eu fazia faculdade, um colega, de outra turma, mas com quem mantenho contato até hoje, voltava de uma festa com o namorado e foram também agredidos por uma dessas hordas, em um vagão de metrô da linha verde (ramal que percorre a Av. Paulista). Quando as portas se abriram na estação seguinte à que foram abordados correram e procuraram os guardas da estação, que falaram que isso acontecia mesmo, etc..., sem o menor interesse em apurar nada. Não seria apenas passar um rádio e parar o trem na estação seguinte, para se averiguar? Mas para quê? Afinal, tratavam-se de homossexuais.

E assim a coisa vai, de seguranças que acham que gays devem apanhar, a juízes que julgam que leis de proteção a mulheres perseguidas, seviciadas, humilhadas e espancadas são descalabros...

Esta semana ainda fez-se estardalhaço sobre o caso de um rapaz de 18 anos que foi preso por beijar um garoto de 13. E tome críticas, acusações de estupro, etc... E se fosse um rapaz e uma garota de 13? Não os vemos aos beijos o tempo todo?

Assim como os padres gays, na nova caça às bruxas, são chantageados e expostos em praça pública por crianças de 17 anos... Ora, e os padres héteros? A questão primordial para igreja não deveria ser a quebra do celibato? Porque, para a lei comum, só é pedofilia se o caso é homossexual? Vende mais jornal?

Um jogador de futebol, que morou em frente a uma amiga, tinha uma postura homofóbica que disseminava para filhos e esposa, e esta última, sempre com comentários travestidos de piadinhas jocosas, falava ai, ainda bem que meu marido não gosta dessas coisas. Deus me livre. Entretanto, grande parte de nós (minha amiga que morava em frente e sua família, mais um grupo extenso de amigos) sabíamos de seus relacionamentos com pelos menos dois outros homens.

Um primo, em primeiro grau, que sempre se valeu  todo tipo de discriminação possível, e fazia questão de bradar aos quatro ventos sua posição, não nos surpreendeu quando soubemos de um “casinho”, com outro rapaz, inclusive, bem folclórico e conhecido na cidade.

Não consigo acreditar que quem realmente está bem resolvido com sua sexualidade vá perder tanto tempo e energia se preocupando com a opção sexual do outro. Mas parece que para resolver esses problema íntimos, os acometidos por essa forma de insegurança pessoal que leva ao ódio ao outro, ao invés do diálogo ou terapia, vão da verborragia estúpida aos ataque físicos chegando a causar mortes. O ódio está onde? De onde vem? De dentro, óbvio, mas porque se manifesta? Porque o outro faz aquilo que se tem vontade? O outro representa sua frustração em não conseguir aceitar-se? Ou em ver que o outro, apesar de diferente da maioria, consegue ser mais feliz?

terça-feira, 9 de novembro de 2010

Não adianta chorar, Leite Derramado ganha Portugal Telecom de Literatura 2010.

 Seguindo uma brilhante trajetória, “Leite derramado”, o livro de Chico Buarque, foi o primeiro colocado no Prêmio Portugal Telecom de Língua Portuguesa que, neste oitavo ano  de existência, teve inscritas 408 obras.

Jô Soares, apresentador da premiação, deu a ela um caráter de talk show, como o faz em seu programa noturno na rede Globo de televisão.



 Perguntado se achava-se um  "escritor amador" por ser mais conhecido como cantor e músico, respondeu:  "Eu não me considero um escritor amador, mas as pessoas consideram. Isso é bom." "Eu acho que se for ver um ator ou apresentador de TV lançar um livro, talvez eu também achasse que não é uma literatura de qualidade”, alfinetou.

 Desde que Chico publicou o seu primeiro romance, "Estorvo", já passaram 20 anos. "Leite Derramado" conta a história de um velho, com mais de 100 anos, preso a um leito de hospital, de onde relata, a quem quiser ouvir, a história de sua vida e, por extensão, a história de um determinado Brasil.
  
“Outra Vida”, de Rodrigo Lacerda, e “Lar”, de Armando Freitas Filho, ficaram com o segundo e terceiro lugares.

 A jornalista espanhola Pilar Del Río, viúva do escritor português José Saramago (1922-2010), recebeu um troféu - a árvore com copa de letras, o mesmo dado aos três vencedores - e falou sobre o marido, ao lado da escritora Nélida Pinon, amiga de Saramago que participou desta edição do prêmio com "Coração Andarilho", que por sinal chegou a ficar  entre os 50 semi-finalistas. 

 Pilar, a Fundação Saramago e Companhia das Letras, editora do escritor no Brasil, retiraram da lista o livro "Caim",  de Saramago, que estava entre os 10 finalistas. Conforme declarou sua mulher, esta é uma atitude que “está mais no espírito de Saramago, que defendia o privilégio da partilha com os seus pares”. Esta decisão foi tomada “de forma a serem reconhecidos outros autores de língua portuguesa” e vai ao encontro do que José Saramago, ainda em vida, já o expressara. Após a entrevista, foram apresentadas cenas do documentário "José e Pilar", de Miguel Gonçalves Mendes, que emocionaram a platéia.

Perguntada por Jô o que tinha achado do filme, Pilar arrancou risos ao dizer que havia gostado muito pois que as interpretações eram ótimas.

Criado em 2003, o prêmio Portugal Telecom agracia obras específicas e não o conjunto delas, nas categorias: romance, conto, poesia, crônica, dramaturgia e autobiografia, escritos originalmente em língua portuguesa, com primeira edição no Brasil, entre 01 de janeiro a 31 de dezembro do ano anterior.


Fotos: Djair - Pilar Del Río e  Nélida Piñon  são entrevistas por Jô Soares e discorrem a respeito de Saramago.
Chico Buarque e Rodrigo Lacerda posam com os trófeus.
 Pilar del Rio, logo após a premiação.


quinta-feira, 4 de novembro de 2010

A Vaidade, acendendo esta fogueira

Ah, a vaidade...
No filme, “O advogado do diabo” – (The Devil's Advocate)* - John Milton, personagem de Al Pacino repete na cena final: “_Ah, a vaidade... Meu pecado favorito!” E porque não o seria? Conheço pouquíssimas pessoas desprovidas de vaidade. Seja ela física, intelectual, profissional, familiar, ela sempre está presente. Seja na roupagem fashion, da beleza fulgás, no estilo clássico do orgulho ou nos andrajos do desprendimento.
A mais comum nos dias de hoje é a da beleza plástica, onde a aparência física leva ao consumo de grifes, suplementos alimentares, e muita, muita tintura de cabelo. Movimenta salões de beleza, academias e lojas de cosméticos, seja na Oscar Freire (rua de comércio fino em SP) seja no recôncavo baiano. Não importa, se o momento é de boom financeiro as pessoas estarão a consumir grifes e produtos que as deixem mais belas e prontas a se exibirem em vitrines fashion (bares, restaurantes da moda, shoppings, cinema e casas de shows) onde vão às vezes mais para serem vistas, do que para consumir cultura, lazer, comida ou ver amigos. Se o momento é de crise, é necessário estar minimamente bem apresentado para conseguir (ou manter) um emprego.
 Sempre digo que o que acaba com uma mulher é dizer: “Você está acabada!” E o que a enterra de vez é a expressão: “fulana está sofrida!”, aí então não há redenção. É como o “boazinha”, que acaba de vez com qualquer possibilidade de se ser interessante. O mesmo que “bichinho de goiaba”.
Em outros a vaidade é intelectual, e pode ser tão chata quanto a beleza metida à cara dos outros. Até porque como já dizia Machado de Assis: “Existe muita besteira muito bem dita, assim como muito idiota muito bonito.” Às vezes se perde a mão e no intuito de mostrar o quanto se sabe, o quanto se conhece a respeito de tal ou qual assunto, o interlocutor fica chato e a conversa vira um monólogo sem fim.
Sábia, Danuza Leão aconselha no seu Na sala com Danuza: “Se alguém fizer uma viagem e falar sobre um restaurantezinho em uma cidadezinha, que você já conhece há séculos, não fale nada, deixe-a brilhar!” Não sei se são estas exatamente as palavras, mas o sentido, sim. Nunca esqueço que uma vez, voltando de Barcelona, uma colega perguntou como tinha sido a viagem e, antes que eu terminasse a primeira frase, uma terceira pessoa já estava contando como tinha sido a sua, feita alguns anos antes. Calei-me e ouvi, apenas isto...
Tenho uma tia, pobre como Jó, que se achava injustiçada pela sorte e usava sempre a frase: “Pobre com muito orgulho!” Deixou-a de usar quando uma vez lhe perguntei se ela não tinha nada mais do que se orgulhar. Orgulho de ser pobre? Isso é condição e não conquista!
Tem aqueles que viram todos os filmes, leram todos os livros, sabem de cor os nomes dos personagens, diretores, trilha... Mas há diferença entre ser fã e ver para arrotar conhecimento. Conheço uma pessoa que tira férias todos os anos para ver a mostra de cinema e já teve problemas oculares pela maratona de no mínimo três filmes por dia. Não consigo ver isso como prazer, mas como obrigação. E a troco de quê? Para falar: "Vi todos os filmes da mostra”? Tô fora! Equivale a quem se endivida em cartões, cheques especiais e crediários para usar grifes. E o diabo, é que nem sempre vestem Prada!
Outros se vangloriam da família. Porque minha família é ótima, minha família é perfeita, os meus filhos isso, o meu marido aquilo... Bem, em geral essas pessoas comentam podres de outras famílias, geralmente da dos cunhados, sobrinhos, primos... E escondem o da sua. Sempre perfeita, como num comercial de margarina. Tenho amigos aos quais cheguei a invejar o tratamento familiar, mas nunca ouvi deles este “orgulho”. Eles vivem isto. Não precisam proclamar em alto brado retumbante.
Conheço uma pessoa, uma só, mas devem haver muitas outras, que tem uma casa linda, decorada por decoradores profissionais, onde tudo é tão asséptico, tão organizado, lindo e limpo que dá a impressão de um espaço montado para fotografar. E ela se orgulha disso, mas não curte a casa que tem. Apenas a exibe aos outros, encaixando no texto o nome do arquiteto. Não valeria mais curtir o espaço mesmo que não combinasse o puff com o sofá, ou que não estivesse em perfeita harmonia o lustre com o biombo chinês?
Ah, a vaidade... A vaidade é o diabo... Eu que o diga... E fico por aqui, pois preciso ir ao cabeleireiro.

    * O advogado do diabo” – (The Devil's Advocate) 1997 Dir. Taylor Hackford, EUA,  Drama 143min 
    Foto:  Cristiane Camisão - Detalhe da bancada de penteadeira da Casa de Laura Alvin - Casa de Cultura Laura Alvim - Ipanema - RJ

terça-feira, 26 de outubro de 2010

Édipo, complexo...

    Dei-me por gente tendo minha mãe como a mulher mais bonita que conhecia. Pelo menos a meus olhos infantis, era com certeza a mais bonita. Nas reuniões do colégio, nas pequenas festas na rua que morávamos, num tempo que os aniversários eram comemorados em casa e não em bares... Eu pequeno tinha consciência de sua beleza e disso e muito me orgulhava. Lembro de que  D. Lita, mãe do Celso, até pediu-lhe certa feita um vestido emprestado, era um modelo longuete, com aberturas laterais, manga em alça franzida, de um tecido mole e fresco, estampado, muito bonito mesmo. Mas... Não ficou a mesma coisa nela.
   
    Minha mãe, até hoje muito bonita de corpo, com cintura fina bem marcada, fruto, segundo ela, de uma cinta que moldava a cintura e que usou durante anos. Foi moda nos anos 1950/60 usar por cima dos vestidos e, quando a moda caiu, ela continuava a usar por baixo. Rememoro seu tempo de vaidades, quando ia todos os sábado ao salão arrumar o cabelo, e D. Lucinda, a cabeleireira, caprichava. No início dos anos 1970 chegou mesmo a confeccionar-lhe uma peruca, a partir dos próprios cabelos de minha mãe que foram cortados à altura dos ombros, quando antes atingiam cumprimento abaixo da cintura. Lembro que minha mãe tinha um sorriso lindo, que inclusive era invejado pelas irmãs, pois os dentes eram alvos e de belo formato em um tempo em que ainda não se usavam aparelhos ortodônticos. 
 
    A festa mais bonita que tivemos em casa, acho que foi a de 40 anos de minha mãe. Morávamos em MG, em Coronel Fabriciano. Matamos dois cabritos, que eu e meu pai fomos comprar em uma fazendola nos arredores de Ipatinga, matamos frangos que criávamos em casa, coelhos idem e encomendamos o bolo a D. Ritinha. Era um enorme bolo com glacê colorido. Àquele tempo, os glacês eram feitos de açúcar e manteiga e coloridos a base de Q-suco. Meu pai fez vários litros de batida de limão, colocamos a mesa no quintal, debaixo do abacateiro, repleta de porcos-espinho, que nada mais eram que repolhos com palitinhos de queijo e presunto, queijo e mortadela ou queijo e azeitona espetados. Àquele tempo, pelo menos em casa, não se usavam os salgadinhos que hoje fazem sucesso às festas. Minha mãe vestia um vestido rabo-de-peixe, justo, de Jérsei prata e preto, com mangas até os cotovelos e meio bufante nos ombros. Passou a tarde na cabeleireira, estava linda. Acho que foi a única vez que usou esse vestido desse jeito. Depois ele virou “longuete” e perdeu as mangas... E deve por fim ter virado pano de chão.


   Quando meu pai começou a apresentar os primeiros sinais de alcoolismo, ela foi perdendo o gosto. Deixou de ir ao salão, de se arrumar, e até alguns dentes perdeu... O jardim de casa que era o mais bonito da rua feneceu. Tenho a impressão que minha mãe era como aquelas flores, que sem atenção se deixaram murchar.
 
Foto: Desconhecido - Maria Cezídia Rodrigues de Lima e Souza - Minha mãe. 1966.

quarta-feira, 13 de outubro de 2010

Palavras, prajalpas e expressões

Expressões idiomáticas são coisas que me agradam, sejam de uma determinada região, de um gênero, de uma pessoa comum que no falar preguiçoso e moleque, malemolente cria o próprio linguajar.
 
Muitas vezes acabo mesmo por adicionar à minha fala as expressões de outrem, como fiz com a de Chico, marido de Katya, minha grande amiga que mora em Recife. A passeio na cidade, ele foi buscar-nos de carro à saída do metrô e, no percurso até sua casa, ao parar no sinal, foi requisitado por uma pedinte, a quem respondeu simplesmente: “_hoje não!” Perfeito!!! Em geral o que fazemos nessa situação? Mentimos... Dizemos não ter trocado, o que nem sempre é verdade. Já dizer: “hoje não!” entende-se: Hoje não vou dar, quem sabe, em outro momento (por estar com ânimo de espírito diferente), pode ser que eu lhe dê. Não se está a mentir e encerra-se o assunto.
 
A própria Katya me brindou pela primeira vez com a expressão “até uma horas”, que em Recife é sinônimo de “muita coisa”, ao sair com: “Nossa, tem suco até umas horas”, depois de fazer uma jarra imensa de suco. Depois ouvi em várias outras situações e acostumei o ouvido a ela.
 
Uma vez ao trocar a água do motor do carro em um posto de gasolina, onde sempre abastecia, ao indagar o preço do serviço, que pareceu dar certa “mão de obra” ao atendente, ele reponde: “A casa cobra X.” Ou seja: “O preço do serviço é “X” mas se quiser dar uma gorjeta, eu agradeço.”
 
Em Passos, sudoeste de Minas Gerais, bom dia, boa tarde e boa noite, como vai você?, tudo bem?, se resume a "Bãooooo!" Já em Oliveira, ao sul do mesmo estado o mais comum é: “Oiiii Beeeem, CE tá boa/bão?”

E o lanche da tarde é sempre um: "Toma café com quitanda!"


 
E tem, ainda, os ditados, muitos dos quais eu herdei de minha mãe que se saía com alguns como: “Tem pobreza e tem “mundiça.” Ou de outras pessoas, como seu João, um senhor septuagenário que conheci na Bahia, à época que era técnico em piscicultura. Este senhor sempre morou na roça, em fazendas pelo interior e tinha o linguajar que pode soar rude a ouvidos mais delicados, como quando dizia (referindo-se a quem gastava demais ou simplesmente farolava): “É... quem tem tempo, caga longe.”
 
O próprio termo “prajalpa” que nomeia o blog, absorvi quando freqüentava os Hare Krshna do templo de Santos, onde residia  à época, e que freqüentemente usavam a expressão quando os assuntos começavam a ser menos proveitosos a um devoto. “Olha a prajalpa...” Também deliciava-me com eles em situações como quando um devoto chegava cansado da jornada de vendas e divulgações dos livros e falava para o devoto interno (que cuidava do templo): “Faz uma vitamina para Krshna, vai...”, uma vez que todo alimento é oferecido a Krshna para purificação e só depois consumido pelos devotos. Ou quando um que não gostava de salada de pepino com casca dizia: “Mas você vai ter coragem de oferecer casca para Krshna??”
 
No Ceará, a primeira vez que fui a Fortaleza, estranhei o “Macho” anterior a uma indagação a alguém do sexo masculino, tanto quanto o Siá que também podia surgir como “siazinha”(de sinhá), precedendo a pessoa do sexo feminino.
 
E por ai vai... O Leitê quente de manhã do Paraná, o “Tri” e o “Bah!” que é mesmo tri-legal no Rio Grande do Sul!
 
Tive uma empregada cuja filha dançava no "bailé"... Afinal, bailé era coisa de baile, mas quem sou eu para corrigir? Viva o neologismo!
 
Recursos lingüísticos e termos que beiram o dialeto são tão comuns em nossa língua e a fazem mais rica e bela. Basta estar de ouvido atento.

Foto: Djair - Tia Vicência: "Toma café com quitanda!" Casa de Tia Maída - Quebra Cangalha - Oliveira - MG.

quinta-feira, 7 de outubro de 2010

Nobel de Literatura 2010: uma notícia alegre, num dia triste de chuva.

Sem grandes inspirações em dias tristes de chuva, interna e externa, recebo com alegria a notícia da premiação de Mario Vargas Llosa para Nobel de Literatura 2010.
 
O fato de um latino-americano (peruano) ganhar o prêmio não deixa de me ufanar. Sim, afinal, embora sejamos o único país do continente a falar Português, e por isto às vezes visto como não latinos, lembremos que a origem da língua vem sim do latim, o que alcunha os povos da Península Ibérica, Portugal e Espanha...
 
E daí, para a América, a também chamada América Católica, vista como berço de bárbaros, de iletrados, e onde, conforme informação recém divulgada pela imprensa, os estadunidenses fizeram pesquisas médicas infectando centenas de pessoas com vírus da Sífilis e Gonorréia (mais especificamente na Guatemala). É também na América Latina que povos desenvolvidos montam prisões, bordeis e resorts de luxo para seus devaneios e lazer

E porque a notícia do premio me traz alegria? Oras, pela demonstração da capacidade deste povo de produzir literatura de qualidade, da mais alta estirpe, um reconhecimento que vem de fora, divulgando com ele não apenas a literatura, mas costumes, idéias, modo de vida.
 
Atualmente choca-se muito ao saber sobre a extinção de espécimes das faunas e flora mundiais, mas quem se condói com a extinção de línguas, hábitos ancestrais e culturas locais, que cedem lugar  à cultura importada de outras regiões e divulgada através dos grandes meios?
 
            Nos países de língua portuguesa “Última flor do Lácio, inculta e bela”* conforme o conhecido poema de Bilac**, temos na galeria de Nobel como único representante José Saramago, que recebeu o prêmio em 1998. Falecido em 18 de junho último, Saramago é considerado o responsável pelo reconhecimento internacional da prosa em língua portuguesa. Mesmo postumamente ele concorre ao Prêmio Portugal Telecom de Literatura 2010, com a obra “Caim”, sua última briga com Deus em forma de livro. Saramago, ateu confesso, nessa obra acusa ao senhor dos fiéis de ser o culpado por tudo de ruim que acontece, porque afinal ele é Deus.
 
            O Prêmio Portugal Telecom de Literatura é uma premiação internacional, que busca difundir obras de autores de países de língua portuguesa, a quinta língua mais falada no mundo, a saber: Portugal, Brasil, Angola, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Macau, Moçambique, São Tomé e Príncipe, Timor Leste e, desde 13 de julho de 2007, na Guiné Equatorial.

           Mas, voltando à premiação criada pelo inventor da dinamite, seis latino-americanos já ganharam o Oscar, os chilenos  Gabriela Mistral e  Pablo Neruda, o guatemalteco Miguel Angel Asturias, o colombiano Gabriel García Márquez, o mexicano Octavio Paz Losano e, agora, o peruano Mario Vargas Llosa. Saudações!!

* A expressão "Última flor do Lácio, inculta e bela" primeiro verso do poema “Língua Portuguesa”.

** Olavo Bilac, poeta parnasiano, brasileiro 1865-1918. Esse verso é usado para designar o nosso idioma: a última flor é a língua portuguesa, considerada a última das filhas do latim. O termo inculta fica por conta de todos aqueles que a maltratam (falando e escrevendo errado e aí haja gerundismo!!!), mas que continua a ser bela.


LÍNGUA PORTUGUESA
 
Última flor do Lácio, inculta e bela,
És, a um tempo, esplendor e sepultura:
Ouro nativo, que na ganga impura
A bruta mina entre os cascalhos vela...

Amote assim, desconhecida e obscura,
Tuba de alto clangor, lira singela,
Que tens o trom e o silvo da procela
E o arrolo da saudade e da ternura!

Amo o teu viço agreste e o teu aroma
De virgens selvas e de oceano largo!
Amo-te, ó rude e doloroso idioma,

Em que da voz materna ouvi: "meu filho!"
E em que Camões chorou, no exílio amargo,
O gênio sem ventura e o amor sem brilho
!

quinta-feira, 23 de setembro de 2010

A CERTEZA INCERTA


Deus nosso!, que são os discursos que somos obrigados a ouvir? Preconceitos de classe média repetidos como verdade absoluta por pessoas que não têm condição social, financeira ou intelectual (já que se tornam repetidores de um discurso inconsistente), de se fazer irmanar com aqueles. Não que eles estivessem corretos, óbvio. Mas o desvirtuamento do discurso o torna ainda pior e mais arraigado.


Há ainda, os que têm opinião para tudo! Embora em grande parte das vezes sejam meras repetições de discursos de Veja – o novo testamento da classe média, ou da leitura fácil dos cadernos de cultura.


E não percebem que todos notam que este discurso é a repetição de idéias de outrem, sem transparência, sem profundidade, já que a idéia original, que não era dela, foi diluída com a inconsistência de sua retórica. E embora, como me disse uma vez a poeta Katya Carnib, uma grande amiga, o discurso seja fácil, enquanto não se exija a prática, sequer este discurso toma tom de veracidade.


E assim prosseguem a repetir impressões e traços de comportamento alienígenas, que não casam com suas posições, realidades e esperanças. E o pior, têm uma opinião pra tudo. Oswaldo Montenegro, em rico trecho discursivo que abre “A dama do Sucesso”,  propõe um brinde a todos que tiveram dúvida sempre.  E continua provocante: “Nunca vi um imbecil hesitar.” Viva a dúvida!

Foto: Djair - Namoradeira na janela.

quarta-feira, 15 de setembro de 2010

Segure-se...

Esta semana no blog Diário de Myrna*, o tópico fala de segurança. E o tema me trouxe várias elucubrações... Resgatou pensamentos que eu já tinha remoído diversas vezes, talvez sem nunca digerir por completo.

Segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, as três primeiras definições desta palavra são: s.f. (1391) 1  ação ou efeito de tornar(-se) seguro; estabilidade, firmeza 2  estado, qualidade ou condição de quem ou do que está livre de perigos, incertezas, assegurado de danos e riscos eventuais; situação em que nada há a temer 3  condição ou caráter do que é firme, seguro, sólido, ou daquele com quem se pode contar ou em quem se pode confiar.

Segurança? Quem a tem? Quem realmente sente-se seguro?
Recordo que quando criança, quando discordava de meus pais, sempre bradava, ora em voz alta, ora em voz íntima: “_Quando eu fizer 15 anos vou fugir de casa.” Bem, chegaram os quinze anos... E que aconteceu? Nada!

A segurança que eu imaginava obter como um passe de mágica, por ter completado a idade que tinha eleito para tal, não surgiu. Bem, vamos aos dezoito, logo substitui a idade cabalística... Nada de novo... 20...? Tampouco...

Hoje não espero mais, a segurança, o virar adulto, sei bem nunca virá com a idade, é preciso lapidar-se, sofrer, quebrar a cara, uma, duas, duzentas vezes... Óbvio que a independência econômica, o “ter algo de seu”, representado na maioria das vezes com um imóvel e um emprego estável, irão deixar-nos em um estado mais confortável. Mas segurança? Como? Porque? E os nossos medos, fundamentais? Os nossos receios primordiais? Aqueles que começam com o medo do escuro e passam pelo medo da solidão, de morrer, de não conseguir um emprego, de encontrar com a ex, de perder amizades, de frustrar pais e amigos, de ser maltratado, de morrer... E acaba com o medo do escuro, quando fecharmos os olhos pela derradeira vez.

Tem pessoas que realmente tem, ou ao menos,demonstram ter segurança. Em seus atos, na forma como decidem as coisas, com calma e serenidade. Elas existem, não digitando essas palavras, mas existem. Creio que foram as que receberam treinamento desde crianças, aprenderam a comandar, a dissimular sentimentos, a agir firmemente seja qual for a situação. E estas são pouquíssimas.

 Conheço uma delas, a qual eu dizia sempre, parafraseando a citação bíblica, que o lema era:”Caiam mil a minha direita, e dez mil a  minha esquerda, não moverei um músculo do rosto”. Um dia a idade chegou também para ela, com isso a debilidade da saúde, e como não bastasse o emprego sem esforço começou a perigar... O sorriso não se abalou, mas o corpo mirrou, somatizou e num passe de mágica (talvez a mesma mágica que eu esperava aos 15), envelheceu.

Onde estaria então toda a segurança que demonstrou sempre? Ela existia ou era uma máscara externa que ficou folgada e caiu?

Bem, o tema suscita hordas de reflexões que talvez em uma discussão à mesa de bar trouxesse risos frouxos e revoltas que enrugam testas, mas o que acredito é que nunca nos sentiremos realmente seguros, faz parte da nossa “humanidade”, e a pior forma de tentar adquiri-la é buscando-a nos outros. Uma vez ouvi de Marfisía, grande amiga: “Podem te tirar tudo, menos a experiência”. Acho que é por aí. Experimentando, ora a acertar e em outras a errar feio, mas adquirindo conhecimento, experiência a respeito de cada circunstância é que poderemos sentir um pouquinho de conforto.

*http://myrnagioconda.blogspot.com