segunda-feira, 25 de setembro de 2017

Ocasos e Alvoradas

"De repente a gente vê que perdeu 
Ou está perdendo alguma cois
 Morna e ingênua 
Que vai ficando no caminho  
Que é escuro e frio, mas também bonito 
Porque é iluminado 
Pela beleza do que aconteceu 
Há minutos atrás"




Foto: Djair - Pôr do sol visto do Parque D. Carlos I, Caldas da Rainha.

    Chegando para viver em Portugal, passeio por parques, monumentos, museus, igrejas, antigos casarios, deslumbrantes em seus detalhes de acabamentos suntuosos ou singelos, mas que buscam acima de tudo tornar bela a paisagem; azulejos, jardins bem cuidados, e as pereiras - com seus últimos frutos a brilhar sob a luz do sol de outono - a mais bela - tornando seus variados tons amarelos em ouro 16, aquele mais pálido, cujas frutas vão despedindo-se e, caindo à terra, vão de novo fertilizá-la para tornarem doces os frutos do ano vindouro. Em seus lugares começam a aparecer, nos jardins e pomares, as maçãs, a avermelhar-se e então, em breve, o pomo de ouro em breve rivalizará com o brilho do sol, justamente por receber dele os raios que na casca lustrosa se refletirá.

    Nos parques, as amarílis numa mescla de branco e rosa reinam absolutas, rainhas postas sobre um rei morto, o que existia nos tons lilases e brancos de agapantos, dos quais só vejo que floresceram e que agora estão cheios de sementes. Não os alcancei no esplendor, mas não há problemas, esperarei um ano e eles tornarão ao trono.

    Vindo de período um tanto agridoce,  - no que tange a muitas coisas, mas a maioria delas de particular envolvimento emocional, e mesmo romântico, já que tenho como sina esse modo de achar que as coisas darão certo, que a arte vai nos levar a um lugar melhor, que fazer o mundo mais belo envolverá a todos - tenho ido a museus, ouvido concertos, e pasmem, até a uma missa assisti... Se vissem a igreja de Nossa Senhora do Pópulo, em Caldas da Rainha, entenderiam o que me levou a fazê-lo; não que a cerimônia em si tenha a mim dito qualquer coisa…

    Tenho conversado com pessoas interessantes, e todo mundo o é, cada um é uma experiência, e a cada um desperta uma sensação. Mas alguns mais que outros nos fazem os achar assim.

    E, é assim que tenho passado os dias, inebriado por coisas que queria que houvessem do outro lado do Atlântico e não sei porque é que não acontecem, porque não vingam. Secretários de cultura, prefeitos, governadores, todos viajam, mas porque não cuidam também dessa coisa, que é fazer belo e agradável o lugar onde se vive, e para todos? Não, vou conter-me, e não vou falar de edis que preferem cinza nos muros, e muros... e cinza… Não, não é um texto panfletário.

    Esse, é um texto sobre esse meu momento de deglutição, um texto sobre o processo de percepção de um monte de coisas mal digeridas, e também por um outro lado sobre esse momento de nutrição, pois a nutrição ora se faz presente. Mas o fato de estar a ser nutrido faz também com que eu queira que todos também o sejam. Com a segurança que nos permita andar nas sombras, no escuro, e ver seu contraste com a luz. Com a beleza que torna leve tudo o que engolimos de feio no cotidiano, e venha essa beleza de onde vier, seja como for percebida, pela visão, pela audição, pelo paladar, pelo olfato, pelo tato, quer seja pelo etéreo, pois que só sentimos, e é aquele sentimento de estar bem, alegre, satisfeito e sem saber o porque, sem sequer perceber, apenas a sentir. Às vezes, é essa mesma beleza que traz uma pequena tristeza, fruto de saudades e reflexões diversas, e é mesmo para isso que ela serve, para despertar as emoções. Como digo a respeito dos filmes, um filme é bom se desperta algum sentimento, assim é a arte, assim é a beleza, seja ela manipulada pelo homem, um desenho, um jardim, uma pintura ou um poema, quer seja pela natureza que retorceu um galho, ou pelo sol que fez com que a sombra desse mesmo ramo se projetasse de tal ou qual forma. Que as possamos perceber todas.


"Que a arte nos aponte uma resposta,
mesmo que ela não saíba, 
e, que ninguém a tente complicar
porque é preciso simplicidade para fazê-la florescer." 
Oswaldo Montenegro

domingo, 17 de setembro de 2017

Segurança

Parque Dom Carlos I
Cá em Caldas da Rainha, Portugal, percebo o quanto nos faltam diversas coisas no Brasil, tolerância, dignidade, respeito, autoestima, segurança. Não que passassem despercebidos antes, ao contrário, sempre foram percebidos, mas o contraste quando se vê é ainda maior, das duas vezes anteriores que vim a Europa foram viagens de turismo e o olhar turístico também nos faz perceber muitas coisas, lembro que a primeira vez na Espanha, em Sevilha, as três da madrugada caminhávamos voltando de uma apresentação de flamenco onde o jantar ainda mais se estendeu, era uma rua semi-deserta, um tanto escura, onde haviam trechos em obras, e me surpreendi com um casal a sacar dinheiro em um caixa eletrônico sem sequer olharem para os lados, vês essa cena aí no Brasil? Outrossim, os caixas eletrônicos aqui são apenas máquinas encaixadas em uma parede qualquer, sem qualquer aparato de vidro ou paredes a cercá-lo, uma máquina na parede á beira da calçada e pronto. Enquanto que no Brasil custam mais caro, ao mais das vezes ergue-se um cômodo de vidro… É como as estações de metrô com pisos de mármore, redomas de vidro, enquanto cá são apenas também acessos, com piso de cimento, entra-se e pega-se o trem. Nada contra as estações da Paulista onde vemos obras de arte, painéis de Tomie Ohtake, reproduções de obras do Masp. Isso é outra coisa, é arte, já tão em falta e vilipendiada. Mas pisos de mármore redomas de vidro na entrada quando se tem uma linha pífia parece um tanto desnecessário.


Uma vez, comentando com um amigo sobre essas coisas, disse-me ele que Anne-Aymone Sauvage de Brantes, esposa do presidente francês (Valéry René Marie Georges) Giscard d'Estaing em sua visita ao Brasil (1978) teria perguntado como um país tão pobre como o Brasil podia usar tanto mármore simplesmente revestindo paredes de prédios. Até já citei isso no texto “Observações esparsas sobre uma cidade sem eixo narrativo”. Aqui no blog, quando falava sobre os prédios (feios) de Macéio, que não tem praticamente recuo (pelo menos em trechos que visitei), mas são revestidos com essa pedra. Bem, quem quiser clique acima e leia o texto, esse é sobre outras coisas…

Mas o que me despertou para esse texto foi um acontecido, por estar a residir próximo ao Parque D. Carlos I, Bem, ontem a noite já começava a escurecer, deviam ser entre 20 h a 20h30, pois bem, muitas pessoas cruzam o parque como um atalho, e eu descia por sua lateral, e fazer o mesmo, por uma das trilhas de terra, ladeada pelos ciprestes, pois bem, segundos antes de entrar por esse portão, entra lá também uma moça com algumas sacolas de compras, em seguida entro eu, vendo-a descer uma rústica escada feita pelas raízes das árvores de ali, pensei: Ela irá se assustar com uma figura masculina a seguir-lhe os passos a essa hora, com o escurecer do crepúsculo, e o deserto com que se torna o parque a essa hora devido ao vento frio que corria. Lembrei-me da insegurança das mulheres nos campus universitários do Brasil, dos ataques e violências de toda espécie. Pois muito bem, a moça continuou seu caminho, e embora eu tenha atrasado o passo em atenção a ela e sua sensação de segurança, a mesma sequer olhou para trás, manteve seu caminhar a mesma velocidade e atravessou o parque num sentido ainda menos movimentado do que o que eu segui.

Vitrine de loja de Cerâmica em Caldas da Rainha - Foto: Djair
Há também aqui as famosas cerâmicas que tradicionalmente trazem a forma de falos, de tamanhos variados, desde a miniatura até os Hercúleos de proporções assombrosas, de todas as cores possíveis, dos mais diversos formatos, inclusive o famoso caralho de asa. Estão às vitrines de todas as lojas, sem que ninguém se choque, sem que nenhum “cidadão de bem” ou fanático religiosos que não fez terapia para tratar seus recalques vá a um juiz igualmente tosco para proibir-lhes a exibição e comércio, ou que lhes quebrem as vitrines… E em seu sossego, sem censura, dizem cá os artesãos que o fazem, após encerrarem seu turno de trabalho: “Hoje já não faço mais caralho nenhum!”


Difícil terminar o texto sem emitir mais algum juízo de valor, então termina aqui, como começou, com reflexões e sentimentos variados. Que possamos todos sentir-nos seguros.