quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

O jardim

 


O jardim da Biblioteca Central é a metáfora perfeita de meu estado de espírito em

relação à Ufes, a Universidade Federal do Espírito Santo.


Há alguns anos, quando aqui cheguei, era bem cuidado, denso, florido. Cheguei a

organizar saraus sobre o seu gramado… O jardim e suas flores e cores representavam

alegria, diversidade, respeito, esperança, cuidados! Luz e cor espalhados dos dois

lados da calçada. Quando se proibiu que fosse regado, devido à crise hídrica que se

enfrentava no Estado, não tiraram um só posto para lavagem de carros dentro da

Universidade. Uma colega ainda tentou persuadir o prefeito universitário da época,

que lhe concedeu uma audiência, mas foi em vão; segundo ela, não se tinha tempo

para atender funcionários.


A estrutura revela-se vertical, e diferente de Sócrates que dizia ser tolos os homens

que pensam que ter expertise numa coisa o torna sabedor de tudo, a academia respeita

apenas seus pares e como Napoleão se autoconsagra e coroa, numa retroalimentação

presenteada com cargos, comissões e considerações.


Esses funcionários, aos quais o tal prefeito não tinha tempo para atender, tentaram

salvar o jardim, com baldes e galões d’água. Tentou-se. E o que se acreditava

passageiro virou permanente, embora a crise hídrica tenha passado. Talvez quem não

gosta do belo e da natureza, deixa-os morrer, e aproveita qualquer desculpa para

cortar árvores e arbustos, mas enfim… Os afazeres do trabalho cotidiano e o cansaço

e a desesperança impediram o pequeno grupo de prosseguir na luta, afinal, eram

poucos os que se importavam e para a gente chique aquilo era um trabalho menor, a

provocar risadas.


Aposentaram-se uns, mudaram outros de setor, esmoreceram os demais. O jardim foi

murchando e secando morreu. Por falta de água e de respeito. Sequer houve projeto

para aproveitar a água dos aparelhos de ar-condicionado, como na editora

universitária, apesar do prédio da biblioteca ter sofrido grande intervenção. Alunos e

transeuntes fizeram as muretas dos canteiros de banco, cinzeiro, depósito de lixo.

Pouco resistiu, o pouco que restou das ixoras, além dos galhos secos e mortos, foram

teimosas folhas cobertas por pó, o pó preto, tão capixaba, o pó da terra, que o vento

traz, o pó do descaso. Quando posso, passo e esvazio a garrafinha de água mineral na

esperança de manter alguma vida, sofrida vida, sofrida resistência. Aqui e ali, ainda

desabrocha uma flor, como a dizer que a esperança é a última a morrer, embora aqui

ela seja a primeira a entrar em coma. E assim Dante diria: “deixai toda a esperança

vós que entrais.” Sem cuidados, sem cores, sem ilusões.

Era um jardim.


Que bom que o conheci e se me permitem ainda tirar da cartola uma última

referência: “Quem jamais o esquece não pode reconhecer” (Chico Buarque). De flor

em flor, se perdeu a cor, o frescor, o brilho...