E
desde quando recordar é viver? Quem o disse, foi apenas porque aquilo que
recordava era saudade, era saúde, era saída, era o sal.
E se o que
recordava fosse apenas uma pulsão de morte, de desagrado, de desamparo, de
desgraças cotidianas de ressentimento? E de desagrado em desagrado torna-se
profano o que outrora foi sagrado e nisso não há saudade.
A lembrança da
maldade, a maldade que se faz, ou aquela que se recebe, aquela gafe cometida
mil vezes relembrada. A escolha pela via da direita ou quiçá da esquerda quando
o caminho bifurcou e que foi a escolha mais errada entre todas as que se
tomou... Mas quem há de saber o desenrolar da própria história se o caminho
escolhido tivesse sido outro? Mas a lembrança doura ou escurece, descasca ou
colore os fatos. E quanto mais nefasta ela se torna e mais presente ela é,
quanto mais se quer esquecer.
Recordar
também é morrer... Talvez por isso os velhos vivam tanto de lembranças. Porque
morrem... E por isso tantas e tantas orações, repetidas com fé, com fervor, e como
quem não quer dizer nada... nos terços, nas rezas, nas velas. Nas que iluminam, nas que são acesas sobre
bolos, como ampulhetas que se emprestam o papel de contar o tempo, o que passou
e o que lhes resta.
Um grão de
lembranças, outro de saudades, saudades do tempo em que não esqueciam rostos,
nomes, talhes... Saudades de lembrar os fatos não saudosos, mas os de agora,
que se perdem enquanto a memória só traz
com nitidez lembranças antigas.
Não, recordar
não é viver. Sobretudo quando se quer esquecer.
Foto: Djair - Colunas - adorno - Igreja matriz da cidade de Goiás (Goiás Velho) - GO