quarta-feira, 29 de janeiro de 2020

A bilha


Tinha por costume deixar a porta da garagem um tanto levantada a fim de que o ar de fora entrasse a arejar o espaço, até porque num cômodo anexo, mas ainda dentro da garagem, fazia compostagem, assim, quando em casa, deixava lá coisa de trinta, quarenta centímetros, meio metro que fosse…

Aquele dia, já final de tarde, início de noite, passou como de costume a família que vinha recolhendo recicláveis. Olhos treinados, pela fresta lá dentro, ao fundo, depois do carro, enxergaram a botija de gás. Tocaram a campainha, e reconhecendo e apontando na calçada a caixa de gás encanado, perguntam-me se tinha recém-colocado o gás de rua, atentos portanto ao que acontecia, já que essa opção do combustível tinha chegado a rua apenas há algumas semanas.
Após minha assertiva perguntam se poderia então dar a eles o botijão, a dizer que tinham conseguido um fogão, mas não a bilha de gás, e cozinhavam a lenha. Em troca ofereciam-me os préstimos do marido para cuidar do jardim ou fazer algum reparo, e da mulher para fazer limpeza na casa ou passar roupa, etc…

Entro pego a bilha de gás e lhes entrego, digo não precisar de nada em troca. As três meninas gritam alvoroçadas fazendo festa. Marido e mulher enchem-me de agradecimentos ofertando uma vez mais os préstimos desnecessários. Pedem a deus, não sei qual deles, que me abençoe e partem felizes, sorrindo contentes as crianças a pular festejando.

Sou contagiado por sua alegria.

Entro e dou a nova a meu companheiro, que alerta para o valor do objeto ofertado. Por instantes passa uma sombra pelo contentamento que trazia, mas logo respondo que não precisávamos daquilo, a alegria deles seja lá qual for o uso que deram àquilo não tinha preço.