Quando
criança, colecionava figurinhas nos álbuns, sem jamais ter
completado um. Vieram selos, postais, cartões telefônicos, mas ali,
pela sétima série comecei uma bizarra coleção de... cabelos.
Sim,
fios de cabelos. Colocava-os em um caderno, com um durex, adicionando
data e a quem pertenciam, fios pequenos, longos, louros, escuros,
naturais em sua maioria já que, àquele tempo a tintura, não era
algo tão difundido, entre a mulherada. A grande maioria dos fios
provinha das colegas de colégio, mas também de vizinhas, primas, e
mesmo professoras, Marisa, Bartira, etc. Tinha de várias, às vezes
colhidos nas costas, fios que caíam, às vezes pedidos e dados
gentilmente; outras vezes um puxãozinho inusitado me propiciava o
troféu...
Naqueles
dias, eu justificava a coleção como sendo um pedacinho da pessoa
que ficava comigo. Obviamente, ideia colhida de uma música muito difundida em rádios e programas televisivos da época: “Fio de cabelo”, de João Mineiro e Marciano, onde o verso do refrão diz:
Me deixou mais triste
Um pedacinho dela que exite
Um fio de cabelo no meu paletó..."
Não sei com quantos fios contava, aliás com quantas amostras, já
que de algumas tinha vários fios, formando uma pequenina mecha de
três, cinco cilindros de espessura fina, como diz outra música
“Cabelo”, de Arnaldo Antunes e Jorge Ben. O fato é que já ia longe no caderno de 200 páginas,
e àquele dia, pedi o fio a uma colega, com quem tinha já uma
aproximação e que estudava na sala em frente à minha. Não lhe
lembro o nome, nem o diria se lembrasse; era lourinha, branquinha,
bonitinha, como diz uma conhecida: tudo “inha”. E obtendo o
consentimento, tirei-lhe o fio, da parte de cima da cabeça; foi
dali, daquela região logo acima da testa, que me veio o fio
finíssimo e dourado, acompanhado de um pequeno, pequeníssimo
anopluro. A caminhar sobre aquele fio amarelo, o pediculus capitis
me causou tal desconforto que agradeci, desconversei, e não sei
muito bem como saí dali, provavelmente tendo deixado o fio cair no
corredor.
Foi
o que bastou; todos os pedacinhos das pessoas foram jogados fora e
assim acabou-se a coleção. Como diria uma colega, deu-me um
“nojinho”... Sem revelar o santo, cheguei a contar o milagre a
alguns que me perguntaram pela coleção. Não sei se era crível,
uma vez que eu mesmo a acho inusitada, mas como diria Chicó*: “Só
sei que foi assim”.
*
Personagem de Ariano Suassuna presente em “O auto da compadecida.”
Foto: Internet - "Natasha Moraes de Andrade " disponível aqui.
Clicando nas palavrinhas azuis você pode ouvir as músicas citadas.
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