Bem, vamos a
mais um texto sobre vinhos, como nos últimos dias tinha trocado comentários e
impressões sobre a bebida extraída das uvas, segundo a Bíblia por Noé ao descer
da Arca no Monte Ararat, algumas dessas impressões vou transpor para este
texto; espero que ele não fique um porre, pois porre de vinho é um horror. Aliás , como deve ter sido o porre e a ressaca
de Noé, que inclusive deveria ter
espremido as uvas bem antes, afinal 40 dias de chuva, sem um vinhozinho, sem
música, deve ter sido literalmente... Um
porre!
Uma vez disse a Pitonisa de Malbec: ‘cada garrafa de vinho
que acaba é como um amor que vai embora.’ E é verdade, mas o vinho, pelo menos
nesse caso sai ganhando em relação aos amores. Substituímos as garrafas com
maior tranquilidade e o vinho nos dá muito menos dor de cabeça.
Citações a pitonisa, frases dignas de oráculos, Noé, o texto está a
ficar um tanto messiânico, e se assim parece vamos chutar o balde de gelo, que
vinho tinto se serve a temperatura ambiente, de Paris no inverno, fique claro.
No Cântico dos Cânticos, livro poético do antigo testamento, a mulher esperava o amado com vinho de romã: “dar-te-ia a beber vinho perfumado, licor
de minhas romãs.”* Escrito
por Salomão, o sábio rei, que reza a lenda, chegou a possuir 900
concubinas; disse dele que tomava o afrodisíaco vinho de romã para
fortalecer-se. Tá aí um vinho que tenho vontade de provar. Não tanto pelo
afrodisíaco, mas mesmo pelo sabor, aroma... Ao que se indica, ainda hoje tomado
em Israel e por famílias judaicas que o fabricam. Creio que deva tratar-se de
algo próximo ao licor, como o vinho do Porto; aliás, caso receba em casa os
reis de Inglaterra, reza o protocolo que a única bebida que deve ser oferecida
a eles é justamente o vinho do Porto. Inclusive, Portugal recentemente ganhou a
batalha pela exclusividade de direito ao nome de “vinho do Porto”, que
estadunidenses teimavam em se apropriar, embora o famoso vinho seja produzido
apenas naquela cidade lusitana que lhe empresta o nome. Aliás, tive
oportunidade de conhecer na casa de Vitor em Lisboa o vinho da ilha da Madeira
é menos conhecido, mas tão delicioso quanto. E olhe que o querido amigo não se atém ao vinho da Madeira, aprecia o tinto de
boa cepa, e compra seus 300 litros por ano, de uma só vez, direto no produtor, garantindo
qualidade. Vez ou outra, conta que na
adega onde os estoca uma ou outra garrafa “estoura” e a sujeira está feita. Mas
que se há de fazer, senão abrir uma garrafa intacta para beber, enquanto se
limpa o estrago feito pela garrafa que se foi: afinal, não adianta chorar pelo vinho
derramado.
No Piauí, produz-se licor de caju, que se assemelha ao do Porto,
licoroso, de intenso vermelho, mas não tão difundido como a cajuína que
encantou Caetano. Mas voltemos ao vinho.
Dia desses, enquanto tomava minha taça junto ao teclado, brindando com
Wania que tomava seu Malbec do outro lado da cidade, comentei com outro amigo, Rafael, que
descrevia o vinho que tinha em casa, mas não bebia... A garrafa estava fechada... e aí, já sob os
efeitos do tinto, argumento que: “dentro de cada
garrafa de vinho mora um espírito angustiado que só é liberado depois que se
abre a garrafa, sente-se o cheiro, aprecia-se o vermelho a cair com suavidade e
sensualidade na taça, aí então ao primeiro toque do líquido na língua o pequeno
ser atordoado desperta, mas só é inteiramente liberto quando a garrafa chega à
metade, a alegria dessa libertação faz com que também transbordemos em
sorrisos, esperanças, e alegrias... Mantê-las fechadas é crueldade.” (Sim, transcrito ipsis litteris, portanto perdoe a viagem de
um espírito embriagado.)
Um
conhecido, certa vez, querendo arvorar-se conhecedor (afinal, é daqueles que
tudo sabe, tudo conhece, e tudo dele é o melhor), falava em tom alto (embora ainda à primeira
taça, o tom era o da arrogância e não do etilismo): “Nossa, esse Proseco está
ótimo!” Olhei para garrafa e confirmei a suspeita: Era um Lambrusco! Branco!
Mas Lambrusco! Ninguém tem que conhecer, aliás, quem no Brasil conhece de fato
sobre vinhos? (e aí me refiro não a sommeliers, que o
fazem por obrigação da profissão, mas nós mortais que apenas apreciamos a
bebida.) O que é um bom vinho? Aquele que me agrada o paladar, o olfato...
ponto!
* Cântico dos Cânticos, Livro 8,
verso 2.