segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

As damas de Araxá


Djair/Fonte D. Beija - Araxá - MG
E fomos recebidos com alegria pela dona da pousada, uma loura de farmácia, como se dizia nas antigas. Magra, escandalosamente risonha e alegre. Tanto que a certa hora ocorreu o maldoso pensamento machista: se prestaria a pousada, digamos... a aluguel de quartos por períodos mais curtos que as diárias? E assim também estaria ela disponível para o frete? Bem, a tal pousada ficava no centro... E afinal os olhos eram vivos, daquele tipo que penetram no outro olhar e fogem rapidamente antes que o outro venha lhe roubar algum segredo... Blusa decotada, calça tão justa que a própria justiça se faz duvidosa.
E o cabelo... Agressivamente louro.
A simpatia extremada era apenas cordialidade, à noite na pousada nenhum entra e sai, nem ruídos, nem suspiro algum vindo de outros quartos, nem barulho de televisão alta se ouvia e o ar condicionado silencioso... Nada de sons como faziam pensar os três envelopes de preservativo sobre o frigobar.
Uma noite e silêncios e sonhos tranquilos e felizes, e pela manhã... O café com leite, pães frescos, bolos, sucos e aquela alegria desconcertante emoldurada por brilhantes olhos perscrutadores debaixo de sobrancelhas finíssimas que têm acima a vasta cabeleira... loura...

***

                A Dama de Araxá está lá, no museu de D. Beija; ela é negra, robusta, e carrega no rosto, sem nenhum esforço, um enorme sorriso, constante, fácil e tão contagiante que em minutos a temos na conta de uma amiga antiga a quem há muito não via. O museu não é extenso, nem as obras profusas, mas a conversa flui solta, de casos locais a lendas da região, e assim, entre a apresentação formal do espaço e das obras que ali habitam, nos pergunta de onde somos, e aí,  conta de coisas que ela mesma viu na cidade da qual viemos quando cá esteve há poucos meses. Os risos fluem fartos com as gafes de viajantes que ela diz ser coisa de caipira.


Djair/Fachada do Museu D.Bbeija - Araxá - MG
                Oferece água e café, imediatamente aceitos mais no intuito de prolongar a prosa que pela própria sede ou necessidade exigida pelo vício em cafeína.
                A visita termina, como se fosse uma visita na casa de amigos, com adeuses e votos de voltem em breve, e de fato o desejo de voltar naquele instante é sincero. E o enorme sorriso e os olhos grandes e brilhantes da Dama de Araxá nos acompanham pelo caminho do Barreiro.

***

                E ali estamos na farmácia a ouvir explicações técnicas e científicas sobre as “poderosas” águas e lamas de Araxá, quando a sisudez formal desaparece junto à entonação estudada quando interrompo:
_Então a lama é boa para clarear essas manchas? – Estendo minhas mãos bordadas por manchas de senilidade e outras tantas pelos respingos comuns de água, azeites e óleos: coisas de quem cozinha, e outras tantas de fagulhas de fogueiras mil e fogões a lenha acendidos apenas para estar perto do fogo, sem que os circulares carimbos das brasas se diferenciem daquelas manchas senis ou aquelas das outras. E então ela afirma que sim, que ajuda bastante.
E então pergunto:
_Sabe como se chama isto?
Ela não diz que são manchas senis, o protocolo não permite, e ela engasga, indaga: _Como?
E eu rapidamente respondo: _ Flores de cemitério! E lhe arranco a primeira gargalhada com o chiste aprendido com Eliana Asche.
Nesse momento adentra o recinto outra cliente, impaciente, com tiques de pressa e nervosismo. Antipática. Não, não estresso, afinal, as águas de Araxá comprovam seus efeitos benéficos. A cidade, a paz do lugar, as calçadas largas, a visão do horizonte, estou envolvido pela calma e beleza do lugar, que nem lembro que breve terei que voltar ao monstro com seu caos de trânsito, gente, concreto e barulho. Tudo em excesso. Digo à vendedora que pode atender a outra, não tenho pressa, enquanto isso, olho outros produtos.
Djair/ Fonte D. Beija ( interiror) - Araxá - MG
A estressada (num lugar daqueles???) pede dois potes grandes da lama para tratamento rejuvenescedor (não vai adiantar, penso eu), e sai apressada quase a tropeçar no próprio nariz de tão empinado. Olho para vendedora com cumplicidade (agora só minha) e dou som ao verbalizar maledicências:
_É, ela está mesmo precisando, devia ter levado mais.
Nova gargalhada; agora a moça séria já consente rir e brincar, e ri quando digo que ela devia fazer plástica de pobre, que ela indaga como seria e eu afirmo: _ É Simples, é só engordar que o rosto fica cheio e estica as rugas. Somem todas!
Os pequenos pacotes de lembranças ficam caprichados, saímos do boticário alegres, com as compras, com os chistes... Dentro dele uma moça, já entrada em anos, fica rir dos mesmos gracejos. Sopra uma brisa fresca, o sol nos abençoa, sorrindo.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Remendo


Como quem une pontinhos
para formar desenhos em jogos infantis
colo teus cacos
costurando teus pedaços;
nas tuas cicatrizes deixo meus vestigios
te refaço
usando como forma meus princípios
e assim tu não tens fim
só inícios.


Foto: Djair - Paisagem além da janela - Pirenópolis