quinta-feira, 12 de março de 2015

Noite de São João


Dão-dão-dão
Bate o sino
É noite de São João
Pula a fogueira o menino
Solta fogos o velho bonachão
Solta balão um traquino
Toca o sino o sacristão

Dão-dão-dão
Faz o badalo
Os fogos fazem chuva
Formam halos
Ilumina o céu o balão
E o sino sem parar
Dão-dão-dão a repicar

Crepita a lenha à fogueira ardente
O sanfoneiro faz repente
Se toma quentão, vinho aguardente...
Ignorar a quermesse? Há quem tente?
Não, não tem não
Pra sorrir basta o badalo
Que em noite de S. João
Repica a noite inteirinha
Dão-dão-dão,
dão-dão-dão.



quinta-feira, 5 de março de 2015

Alamandas


Essa semana me deparei com uma bela foto de alamandas na página da Carol Mazzeo. Dizia ela:

“Alamandas. Leva o segundo lugar nas flores preferidas na minha vida. E acabei de me dar conta do porquê: assim como Hibiscos, elas não precisam ser mortas pra trazer beleza. Vasos e canteiros: o cultivo com zelo. (...)”

A imagem remeteu-me direto à Zuleica; eram também as preferidas dela e foram plantadas na casa de Ubatuba. Através das flores amarelas, ela queria resgatar um pouco daquilo que se perdera, quando as mesmas flores existiram na casa de vovó Lili, na distante Passos de tempos inocentes. Era ali, no Parque Vivamar, que as flores plantadas junto ao muro da frente, numa tentativa de fazê-las cair para o lado de dentro, ou de fora conforme o plantio, tentavam esse resgate.

Com o tempo, ficus plantado à frente da casa – pela associação de moradores do bairro que queria padronizar, além das calçadas de grama, a árvore às portas – o ficus enorme ensombreava toda a frente, e a partir daí o emaranhado de galhos verdes das alamandas tinha cada vez menos flores. Ainda assim trançávamos ramos, amárravamos arames, tentando conduzi-los, e os que subiam acima do telhado do portão, conseguindo raios do astro luminoso, nos brindavam finalmente com as flores que na infância tinha ouvido chamar-se “peido de velha”.

Num daqueles dias, em férias, aproveitando a raridade dos dias sem chuva naquela Ubatuba ainda bucólica e horizontal, resolvi comprar um caminhão de pedras roladas. Quando elas chegaram, Zuleica assustou-se, assim como Jair e eu mesmo, tal a quantidade e tamanho, e lá fui eu, seguido por Jair, e depois por Zuzu, a transportar todas as pedras. Cercamos, fazendo contorno e desenhos, todo o jardim; o canteiro lateral esquerdo que ia dos fundos até o muro da frente, pleno de hibiscos e uma outra arvorezinha de folhas verde-amarelas, a qual não sei o nome, mas era a festa dos beija-flores; depois um círculo, formando um novo canteiro a fazer o contorno da castanheira, chapéu de sol, mariola, sete copas, ou como queiram chamá-la. O canteiro do lado direito, onde os bastões do imperador viriam a florir tanto quanto as marias-sem-vergonha e as alpínias, ou para quem gosta de sobrenome: as Alpinia purpurata Red Ginger Lily.

Na frente, outros dois canteiros, um para a buganvília, que depois de morrer vítima de uma ventania em que foi arrancada deu lugar a um círculo de margaridas, o outro desse arbusto dos beija-flores e umas samambaias, além das onipresentes sem-vergonhas, as Marias. Como pedra não faltava, surgiu mais um e ali plantei um coqueiro anão.

Ainda restavam pedras, e assim as alamandas da frente ganharam também seu “guarda-corpo”, pois tudo precisa de contorno nessa vida. Depois de tudo colocado em seus devidos lugares, os canteiros ao meio do gramado ficaram mais belos, mas... faltava alguma coisa, pois estavam baixos, fundos, e assim, comprei um caminhão de terra de jardim... Mas dessa vez contratei dois rapazotes, que a terra era muita e a chuva viria a qualquer instante. E deu tempo, ficou tudo belo, florido, vívido.

A imagem da Zuleica carregando algumas pedras, dentro de sua força feminina e frágil, jamais me saiu da cabeça. E as alamandas se tornaram a sua lembrança mais física, agora que ela nos deixou; e assim toda vez que as vejo floridas, lembro dela, e penso poder plasmá-las e que ela as receberá onde quer que esteja.

Foto: Internet.

domingo, 1 de março de 2015

Miss Daisy

Como diz minha mãe, “se o espiríto não me mente e a verdade não me falha”, seu nome era Daisy, miss Daisy. A professora de inglês da oitava série. Lá mesmo na velha “Escola Estadual de Primeiro e Segundo Grau...” Àquele ano, sabe-se lá por que cargas d'àgua, a porta da classe tinha sido cortada ao meio, tornando-se uma cancela, para onde corriamos às horas de toque da campainha que anunciava a troca de matérias, consequentemente dos professores. E por isso éramos apelidados de meninos da porteira.
Miss Daisy foi nossa professora de inglês naquele ano, depois de anos da professora Isamar, a velhinha jocosa, alegre e querida, agora tínhamos ali uma jovem bonita, agradável e de grandes atributos como se verá. Já era quase final do primeiro semestre e, ao contrário do que se pudesse pensar, vivíamos àquela semana, pelo menos, dias quentes.
À “cancela” esperamos a jovem que já povoava imaginários pueris em seus primeiros mênstruos. Morena, magra, estatura mediana, cabelos lisos, olhos grandes e de cintura acentuada, o que na moda da magreza cada vez maior já não se encontra. A voz era gostosa de se ouvir e a simpatia fazia meninos pensar que eram homens e suspirar em seus delírios púberes. Mais eis que ela não tarda, vem pelo corredor sorrindo, com andar sinuoso, e adentra com seu delicioso “good morning darlings!”
O brinde àquele dia à rapaziada boquiaberta; aliás, as bocas além de abertas estavam também a salivar, ou... completamente secas.
Miss Daisy se nos apresentava com uma blusinha de alcinhas, de tecido leve, vaporoso, fresco e completamente transparente. Sem sutiã; em meio a uma horda de barbáros, digo, de alunos adolescentes e em ebulição hormonal. Mas o presente à classe não era apenas a blusa, mas ao fato de ela não usar sutiã naquela ocasião, pelo menos.
Quis o destino que para tomar o ponto ela viesse se sentar em uma carteira à frente, na fileira à minha direita, de onde volta e meia fazia algum pequeno comentário comigo, o mais próximo dela. O exercício no quadro a que colegas iam responder não chamava atenção, mas as duas tenras peras envoltas em seda negra prendia o olhar atento da população masculina. A aula durou pouco, aqueles cinquenta minutos se passaram em não mais que dez.
Nova correria à porteira, mesmo antes dela sair, todos a querer vislumbrar a arte esculpida em carne. E a responder o bye bye com a alegria eufórica de quem tirou um bilhete premiado. Após sua saída, os comentários, em que até as meninas comentavam, atiçando-nos a exacerbarmos o laudo da vistoria.
A alegria estava instalada, ah, a juventude... D. Lenir, a professora de português na aula seguinte, sacou do seu famoso bordão: “Meus filhinhos, ô meus filhinhos, vão se acalmando, vão bebendo água.” Sem entender o que se passava e sem deixar o gerúndio de lado.
Na semana seguinte, na quarta, quinta, ou sexta-feira que o valha, que minha memória não é tão precisa, mas enfim, no dia da nova aula de inglês, todos a postos, olhares atentos, sentidos mais que aguçados, com a disputa pelo lugar à porta já ocorrendo no corredor mesmo, e eis que ela surge. Linda, cabelos soltos, sorrindo abundantes dentes, os lindos olhos famosos pelo tamanho a brilhar e... uma gola cacharel que ia até o pescoço. Não se divisava sequer o formato de seus ombros ou a cor amadeirada de seus braços, as mangas compridas. Havia esfriado. O clima, os ânimos, a paixão.
Logo depois entramos de férias; na volta Miss Daisy havia sido substituída por D. Marisa. Bahiana classuda, morena, cabelos negros, rosto bonito, elegante, cintura finissíma como se desafiasse os glúteos de proporções épicas e formato afrontador, como uma musa de Goya. Sempre de vestido, tailleur, saia comprida... Tínhamos agora, depois da Maga desnuda, a Maga vestida!


Foto: PatCarla - Carol Mazzeo (e seu belo par de seios).