“Aniversário é uma festa pra te lembrar o que te resta.” A
frase de Millôr Fernandes publicada na revista Isto É, àqueles
anos 1970/80, trazia como ilustração uma pessoa que, enquanto
assoprava as velas do bolo, por uma vidraça alcançava com os olhos
a paisagem de um cemitério...
Na verdade é isto o que é... Uma música de Moacyr Franco falava em
versos: “Só se vive mesmo nove meses, pois o resto da vida a gente
morre”. Tem gente que adora fazer aniversário, tem gente que
detesta; a mim, a mais das vezes, é um dia como outro qualquer,
embora sempre prepare um bolo e alguma comidinha caso apareça
alguém: afinal, vai que alguém lembre...
Em tempos de facebook e outras redes, a lembrança vem na forma de
aviso em sua própria página, o que facilita a vida de todos. Uma
vez, de chiste, coloquei o meu aniversário em outra data, surgiram
cumprimentos, e a quem lembrava que a data não era aquela dizia eu
que estava carente e por isso tinha feito o gracejo, vai ver era até
verdade. Outra feita, coloquei a data em primeiro de abril, recebendo
outros tantos cumprimentos.
Além de ser uma festa pra celebrar o que nos resta, celebramos
também a falsidade, gente que passa por você o ano todo sem olhar
na cara e que nessa data vem cumprimentar. Tem coisa mais
falsa do que aquele beijinho dado no ar, sem lhe tocar o rosto?
Prefiro os abraços, os apertos de mão, mas recebo também aquele de
bom grado, como toda e qualquer manifestação de afetos; afinal sou
mal-humorado, não mal-educado.
Coincidentemente, calhou de ouvindo uma seleção aleatória de
músicas me vir aos ouvidos “O tempo não para” de Cazuza.
Agenor vai fundo na questão: o envelhecimento, a elasticidade da
pele que perde colágeno e enruga, os cabelos grisalhos cada vez mais
presentes como prova física e visível de que o tempo não espera
que você esteja maduro. E como a música percebo que “dias sim,
dias não eu vou sobrevivendo sem um aranhão da caridade de quem me
detesta”, enquanto recebo os parabéns de quem veio se certificar
de que vim trabalhar no dia seguinte ao Natal. E percebo que me
encaixo no exato tamanho da frase seguinte: “Eu não tenho data pra
comemorar”. O gênero
me cabe pela pouca importância que aprendi dar à data; o número
pelo dia da data que concorre com a do Cristo, na qual um dia antes
todos já se empanturraram com os quitutes da época e querem mais é
um arroz branco e jiló pra compensar a comilança sem fim; o grau,
pela ausência natural da maioria dos amigos, colegas e conhecidos
que estão fora aproveitando emendas de feriados e não poderiam vir
caso eu resolvesse dar uma festa.
Poucos amigos, porém fiéis, vêm abraçar-me, recebo alguns
presentes, e assim segue, ano a ano. É o que deve acontecer mais
tarde, já que escrevo em hora de almoço, que curti só, na copa,
comendo marmita. Afinal, outras vezes em últimos dias de férias ou
regresso daquelas, esperava ter companhia para almoçar e tive que ir
só aos restaurantes do bairro; então pra que arriscar, trago minha
comida, mais saudável e saborosa, e como em paz sem grandes riscos.
O bom é que vai levar mais um ano pra acontecer de novo. E se desta
vez esqueci o celular, não achei de todo ruim, quem sabe se torne
hábito nesta data querida. Talvez encará-la (a data) assim seja
realmente felicidade, sem enganos de vida.
E aí, o Tempo que não para de Cazuza me lembra de outro tempo que
não para, o de Roberto Carlos: “O tempo não para e no entanto ele
nunca envelhece”... Envelheço, e me enterneço com algumas das
mensagens que recebo: será sinal da idade? O fato é que me alegro
com essas manifestações, tanto que estou a escrever sobre o fato, a
data, a efeméride tão efêmera. E então só me resta dizer:
Obrigado.
Fotos: Marciano Azevedo, que é também o autor dos bolos, verdadeiras obras primas.