quinta-feira, 21 de julho de 2011

E que a minha loucura seja perdoada...

Nietzsche enlouqueceu, Camile Claudel, que era louca por Rodin, acabou... louca! Era o meu temor na infância e início da adolescência - perder a razão, ficar completamente louco como alguns que vi na infância: Dadaia, a filha da vizinha que “perdeu o juízo” após febre altíssima, ou “o Gambá”, morador de rua que sofria de convulsões e aterrorizava a nós do bairro, que tínhamos entre sete e nove anos.
 
Tempos mais tarde, outra cidade, outro estado, Rosa, vizinha nossa, moça bonita, inteligente, dedicada à família, chegou a namorar com um primo meu... De uma a outra hora, enlouqueceu...
 
Margarida, personagem de “O seminarista” de Bernardo Cabral, enlouquece... Pronto não precisas mais ler o romance... A não ser que queiras saber, porque, como, quando...
 
O cinema, a televisão, sempre nos trazem personagens loucos, em geral a loucura é o motivo para os maus serem maus, ou o castigo que os maus recebem pelos malefícios que fazem no decorrer da trama.
Jandinha, cunhada de Lúcio, um amigo que morava em uma fazenda, cultuando a simplicidade da roça, era “descompensada”  - como se dizia em tempos que o politicamente correto ainda não era palavra de ordem. Já Lúcio meu amigo não acreditava em sua loucura. Janda não é louca, não rasga dinheiro, só é louca pra engravidar... E com a simplicidade dos puros de coração desacreditava a parca capacidade mental de Jandinha.
 
Outro dia soube por um amigo em comum do surto de um antigo colega de classe, bonito, culto, inteligente. Do nada... “Pirou”! E saiu a quebrar uma loja, a agredir pessoas, foi preso, internado e está em tratamento...
 
Renato, sobrinho de uma grande amiga, também teve um surto há alguns anos, hoje faz teatro, tendo largado a empresa do pai, onde trabalhava sob pressão para sucedê-lo. Aliás os pais não foram à formatura dele, a mãe a acompanhar o o pai em viagem de negócios... 
 
Os Orleans de Bragança... O trono seria passado de Pedro II ao neto, que enlouqueceu, o mesmo mal da bisavó, D. Maria, que carregava a alcunha: “A louca”... Não houve tempo para o treinamento de Isabel... 
 
Segue o medo... E talvez o texto acabe aqui, assim, sem costura, porque a minha loucura esteja mais acentuada hoje...

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Papo de comadres


Com a perna quebrada há alguns dias, devido a um escorregão lavando o banheiro, a mãe de Julio passava a maior parte do tempo na sala, a ver televisão, matinais,  jornais, novelas da tarde, e o que as seguisse... Quando não, folheava revistas, fazia crochê e ali já estava pronta a receber a visita de amigas, comadres e vizinhas.
Julio auxiliava a mãe no que podia, e ajudava a receber as visitas, pois embora fosse de poucas saídas, a mãe tinha muitas amigas e conhecidas, a maioria angariada nas missas que a mãe frequentava domingo após domingo. Sabendo do acidente da amiga, várias “comadres” lhe iam visitar.
E Julio, que nesses dias estava em casa a auxiliar a mãe, foi abrir a porta, recebê-la, sem saber de quem se tratava, afinal eram muitas as amigas da mãe que ele sequer conhecia...
Pode entrar, ela tá aqui no sofá, pode ficar à vontade. E voltou à cozinha onde preparava almoço enquanto lavava o restante das louças do café. Da cozinha, cômodo contíguo à sala, podia monitorar a mãe. Para ser gentil levou café à visita, depois buscou a bandeja com as xícaras, gentil, alegre, sorridente.
Enquanto lavava a louça ouviu o diálogo:
_Pois é, comadre... Eu aaaaadoro esse povo! Porque é ‘um povo’ dedicado, ‘um povo’ limpo. É ‘um povo’ que quando tem amizade é pra tudo! Por isso que eu gosto deles, é um 'povo' que quando dá pra prestar é uma maravilha. Mas onde foi que a senhora arrumou esse mesmo, comadre?
 _Arrumou o que, comadre?
  _ Esse gay, que a senhora colocou pra trabalhar aí, em sua cozinha...
_Comadre... Aí não é gay não! Aí é Julio, filho meu, ele tá assim de avental só porque tá me ajudando por estar com a perna quebrada...
_Ah, tá comadre! Me desculpe...
Hum-hum...

sexta-feira, 1 de julho de 2011

Avareza não põe mesa

D. Coleta era uma velha ranzinza, mal humorada e miserável. Ô velha miserável!!! Dessas que ficam sem comer para guardar o dinheiro, e a custo disto e de outras economias tinha um bom baú, como se dizia antanhos...

A custo de seu humor de doente do fígado, da grosseria que tornou-se hábito e da avareza que lhe dava fama, os vizinhos e parentes se afastavam como se fosse de uma leprosa, os amigos não os cito pois não há registro de que houvesse algum. Era daquele tipo que você diz: “_Bom dia!”  e ela é capaz de responder: “Onde? O que tem de bom num dia destes?” Enfim, era já uma figura folclórica, dessas que fazem sucesso em novelas que trazem personagens de maus bofes, mas com tal comicidade (que ela em verdade não tinha) que acabam agradando e viram logo os reais  protagonistas do drama.



Pois bem, D. Coleta levava sua vida solitária a cuidar de seus pertences, suas galinhas e a contar o dinheiro que tinha.

Ninguém sabe quando desapareceu, ninguém deu por falta... Ninguém lembrava dela, ou da última vez que a viu, só perceberam quando o telhado da casa começou a apinhar-se de urubus. O telhado mais negro que ocre denunciava algo errado. Aproximaram-se para ver o que havia de errado e o putrefato cheiro era insuportável, era de fato o mensageiro da suspeita, ela devia mesmo estar morta. 

Para arrombarem a porta e tirar o que restava do corpo os homens precisaram tomar cachaça em generosas doses. 

Dinheiro foi achado pela casa, muito, em maços, em vários locais, fendas, latas de mantimento, notas de vários valores, mas sobretudo, dinheiro que já não valia mais nada, de outras épocas, e que por já não ter valor, não contrastava com o mobiliário paupérrimo. 

Morreu só, ninguém sentiu sua falta, ninguém chorou por ela, ninguém além das beatas e do padre que fez uma oração por sua alma. E de nada lhe serviu o dinheiro acumulado, que não usufruiu,  não levou... Como diz uma outra velhinha, D. Nair: "Caixão não tem gaveta."

Foto: Djair - Tapete de Corpus Christi - Morro do Ferro - MG.