domingo, 1 de maio de 2016

Comendo com os olhos

Igreja matriz de Ubatuba. Foto:  Pref. Mun. Ubatuba
Na parede da memória, cada vez mais desbotada, o nome já se apagou, mas ficava na primeira esquina, no sentido de quem se dirige ao centro, logo após o campo de aviação, que muitos, principalmente os nativos, insistem em chamar de aeroporto. Era ali, naquela esquina que ficava meu restaurante predileto em Ubatuba.

Mesas de madeira, comme il faut, luz difusa, nunca lotado, garçom atencioso… Mas não era apenas isso, não era a comida com porções bem servidas, dentro de um preço honesto, e nem pelo sabor digno de agradar palatos mais enjoados; não era pelo vinho, ou pela decoração que me deixava com vontade de levar várias peças para casa, nem pela abundância do verde em vasos; aliás, era por todo esse conjunto sim, mas o que muito me atraia para o charmoso bistrô era que ali aconteciam, enquanto saboreávamos nossos pratos, no meio do saguão, ladeado por nossas mesas…
aulas de tango, às sextas e sábados a noite. No máximo dois pares a cada hora, com direito ao casal de professores de mostrar passos e dançar com os alunos. E ali embevecidos com a dança em seu gestual libidinoso, a música naquele tom que acaricia os ouvidos, comíamos mais devagar e apreciávamos o tinto sem pressa.

Para mim, que nunca aprendi a dançar, nem com as aulas de dança de salão e toda a paciência de Laura, nem com o incentivo de Patricia, aquilo, sim, era uma festa para os sentidos. O melhor programa para as noites chuvosas do balneário.

Por tudo isso, o espaço se cristalizou e eternizou-se em minhas lembranças. O frequentamos todas as vezes que fomos a Ubatuba, várias ao longo do ano, a cada pequena folga obtida ou roubada à labuta. Até que um dia ele fechou. E aí, uma pequena tristeza nublou nossos olhos, como o céu de Ubatuba onde tanto chove, e lamentamos aquela “perda”.

Hoje, me veio à mente o rapazote que víamos sempre a tomar aulas, com a parceira bem maquiada e vestida, assim como ele, a caráter para a dança. E o simpático professor, pouca coisa mais velho que ele, a ensinar um passo. Da mesa, sorrimos ao escutá-lo: “_Mas isso é muito descortês, eu me recuso a fazer isso com uma dama.” No que o professor chama a professora-assistente, e diz: “vou te mostrar, e aí, você vai mudar de ideia”. Toma nos braços a colega, numa volta passa-lhe a perna por trás da sua, como se fosse um golpe a dar-lhe uma rasteira, e ela, levantando a perna, inclina as costas como se fosse cair, amparada por seus braços, enquanto uma das mãos segura a de seu condutor, retorna à posição ereta, enlaça com sua perna de polvo as daquele que a conduz e saem a rodopiar um sobre o outro. Apenas uma coisa nos faltou: coragem para aplaudir!