sexta-feira, 24 de julho de 2020

3X4


Faltando poucos dias para regressar ao Brasil, as meninas de Viana, presentearam-me com uma caixeta/album repleta de fotos nossas naqueles dois anos de Portugal, almoços, jantares, aniversários, ceia de natal antecipado, pequenas viagens e comemorações. Estranhamente, nunca tiramos nenhuma na universidade.
São lembranças de momentos felizes, que não serão apagados da memória, a menos que Alzheimer venha, estão registrados, pela felicidade do momento, e depois impressas nessa demonstração de carinho.
Tempos atrás, através de uma tia, Helena, consegui recuperar um retrato de minha mãe quando jovem, e outro, de minha avó materna. Além de higienizadas, foram reproduzidas, imagens da mãe, e da mãe da mãe...
As fotos da família de meu pai, vários álbuns que eram da minha avó e ficaram com meu tio Lorival,  somente ele sabia identificar a todos, não sei que fim levaram... Eram vários álbuns, lindos, com fotos belíssimas de parentes e ancestrais intercaladas por folhas de seda...
Amo o “Fado-Tango” de Cristina Branco, que tem por nome “Não há só tangos em Paris” que em sua letra narra a história de uma mulher apaixonada, que beija um retrato já manchado e gasto onde ela roga a Picasso que lhe diga onde “ele”, o amado tem aboca. E mesmo já tendo falado dele em outro texto o mote deste vale o pequeno parágrafo de lembrança.
Por uma destas pequenas tragédias da vida, uma goteira em uma casa que moramos há muitos anos destruiu a maior parte das fotos da pequena família que formávamos,  Meus pais, seu caçula e eu. Havia uma, bem me lembro, de meu pai e seu time de futebol, uniformizados, na pose comum de todos os times, uma fileira em pé, e outra fila de homens semiagachada à frente daqueles. A foto em branco e preto já era bastante gasta, amarelada, e até com um rasgão por uma descuidada troca de álbum. Meu pai sempre falava, impressionado, sobre rostos que já não se divisava ali, e estranhamente que correspondiam aos amigos que já tinham morrido. Se a foto existisse hoje ainda ostentaria o rosto dele ou também tereia sido completamente esmaecido?
A câmera digital tirou a graça dos retratos, agora são tirados às dúzias, à torto e a direito e depois vão parar nas redes sociais onde se vê uma vez e depois nunca mais, diferente dos álbuns que folheávamos para matar saudades, rir dos trajes e cabelos que ostentávamos à época, para mostrar a alguém como era nossa mãe, ou para lembrar a alguém quem era o primo distante que falávamos na conversa. Bem, também evitam-se desastres como os três rolos de 36 poses que perdi das fotos da viagem a Espanha há uns 15 anos, devido aos filmes falsificados de Barcelona, os dedos saindo nas fotos, ou as fotos com a tampa da lente fechada. Por outro lado, enchem o saco tantas selfies que se vê por aí. O rosto/corpo da pessoa é mais importante que qualquer paisagem, objeto ou seja lá o que for, com o mesmo ângulo e sorriso estudado. E pra não ser ainda mais chato não vou falar nada a respeito das fotos nas academias... Livrai-nos...
Célina, uma antiga amiga de minha mãe, dona do hotel onde meus pais se hospedavam quando nasci encontrando minha mãe há alguns anos disse que queria devolver-lhe uma foto minha, bebê, pois sabia-se velha e que não tardaria a morrer, e nisso a foto provavelmente iria parar no lixo, e ela não queria que isso acontecesse à minha foto.
Celina morreu, a foto deve ter ido pro lixo. Não encontraram-se novamente...
Penso ainda poder resgatar com minha tia Hercília, ou com Marilande, minha prima, algumas fotos antigas de meu pai, minha mãe e minhas. Lembro de ver num álbum há alguns anos esses daguerreótipos.
Meu pai amava uma foto que tinha de quando serviu ao exército, de casquete e farda, e uma de minha mãe com um vestido branco de renda, os cabelos compridos presos atrás da orelha, logo depois de casarem-se. Entregou-os a um retratista para que fosse pintado o quadro dos dois, como era comum nos anos 1970. Eu, criança, lembro bem das fotos e o vi entregar e combinar preço e prazo. O tal pintor, desapareceu, e com ele as fotografias que trago nítidas na memória, ainda bem que esse neurônio não foi atingido por nada que o apagasse.
Trago guardados meus álbuns de fotografia, são vários, volta e meia folheio, emociono-me, rio... tem fotos de gente que nunca mais vi, ou vou ver. De gente que considerei amiga e hoje não mais, mas me lembro de todos ao ver suas estampas. Ainda que os nomes, esses sim, já não me recorde. Fotos de momentos alegres, de viagens, fotos mandadas para mim por carta, de gente que gosto, ou já gostei. E até fotos que gostaria de devolver, assim como Célina. Afinal também já estou velho e não sei a que horas a morte chega por aqui. E então todas as emoções, todos laços e memórias desses papéis com impressão de rostos, corpos e suas dedicatórias e histórias, irão também para o lixo, junto com minhas cerâmicas, plantas, livros e objetos de uma vida.
Os retratos só valem para quem viveu o momento que se pretendeu petrificar.

Fotos: Djair - Fotos, das fotos, com as meninas mais lindas de Viana.

quinta-feira, 25 de junho de 2020

E Viva os Santos Fogueteiros

 Andréia conversa com uma moradora da rua onde nasceu o fado
     Este ano não tive como fazer a fogueira que tanto gosto a saudar os santos fogueteiros, carros velhos estacionados na rua podiam causar desastres, ou sei lá, alguém vir encher-me o saco por colocar lume a lenha à beira da calçada. No jardim as plantas não permitem, na garagem ou quintal o piso seria estourado. E assim, resignei-me e passei o Antônio e o João sem alegria. Resta o Pedro, que vem aí dia 29. Quem sabe eu esteja na praia e aí simassim quem sabe posso fazer como nos tempos que morava com minha mãe, ao pé da calçada, nos fundos do quintal... Fogueira lá nunca faltou-me. Para assar carne, batata doce, milho verde... Ou simplesmente para apreciar o fogo tomando um vinho tinto, que este sim é gênero de primeira necessidade.

E a Menina Flávia traz as sardinhas.
     Há um ano comíamos caracóis na Mouraria na companhia da menina Andréia. Havia sardinhas, jogos e bandeirolas. Subimos e descemos por várias ruas, até chegar a Alfama, como essa é para turistas, voltamos a Rua do Capelão onde nasceu o fado.


"Ó rua do Capelão
Juncada de rosmaninho
Se o meu amor vier cedinho
Eu beijo as pedras do chão
Que ele pisar no caminho"
 

   Dias depois tivemos uma bela sardinhada na casa dos Cunha.
   Apesar do decreto da república em 1910 que proíbe manifestações religiosas em Portugal fora do átrio das igreja com as festas da Agonia não há quem possa. Ah, o Norte... As tradições não morrem.


Bem, com tantas lembranças de todos os lados, reedito aqui, revisado o




Noite de São João


Dão-dão-dão!...
Bate o sino.

É noite de São João
Pula a fogueira o menino
Solta fogos o velho bonachão
Solta balão um traquino
Toca o sino o sacristão

Dão-dão-dão
Faz o badalo
Os fogos fazem chuva
Formam halo
Ilumina o céu o balão
E o sino sem parar
Dão-dão-dão!... a repicar

Crepita a lenha na fogueira ardente
O sanfoneiro faz repente
Se toma quentão, vinho aguardente...
Ignorar a quermesse? Há quem tente?
Não, não, não tem não
Pra sorrir basta o badalo
Que em noite de S. João
Repica a noite inteirinha
Dão-dão-dão
dão-dão-dão!!!...



segunda-feira, 8 de junho de 2020

Os frutos da Terra: Mamão



Hoje,  ganhei um mamão do vizinho do lado direito, outro dia foram outros três de uma só vez da vizinha do lado esquerdo. 

Simplesmente deliciosos, doces, avermelhados, com a casca lisa. Da casa de Vitória trouxe alguns que colhemos no nosso pé, os pés daqui ainda não frutificam, e assim, para o café ou sobremesa do almoço volta e meia temos mamões, essa fruta tropical tão suculenta, que com combinações de vitamina A e C fortalecem o sistema imunológico. Bendito seja, Deus salve a América tropical.

O Partido, do Vizinho, e o ainda a amadurecer, de casa.
Quando criança eu não gostava do fruto, não o comia, salvo em vitaminas onde meu pai colocava mamão, maçã, banana e um pedaço de beterraba para que ficasse também colorida. Já agora os adoro, e como começou esse gosto? Graças a Maria José Leandro Dupré e seu livro: “Na Ilha Perdida”. Foi o primeiro livro que li e que fez-me apaixonar-me pela leitura, sim, sei que já disse isso várias vezes em outros textos e até em uma entrevista, mas sempre é bom repetir. 

Bem, Henrique na ilha, perdido na ilha comeu os mamões vermelhos dados por Simão, e os adorou, creio que tenha uma descrição nele, são 42 anos desde que o li. Pois bem, comentei com minha mãe se ela os conhecia e comentei da leitura. Pois bem, tchan, tchan, tchan, tchan... Não tardou que os mamões vermelhos se materializassem na mesa de casa. Obrigado mãe, obrigado Madame Dupré. Eram os hoje conhecidos como mamão papaia.

Que cor, que sabor... E daí para o mamão formosa foi um pulo, e outros mamões, das variadas espécies, até o de corda, também chamado mamão macho já comi sem depreço algum. Na atual casa de minha mãe, havia vários pés, e uma produção farta, eram distribuídos a parentes e vizinhos, e quando levava ao Júnior ele comia junto com a comida, é muito bom mesmo, tomei-lhe o hábito emprestado.

Mas Madame Dupré escreveu também: “Cachorrinho samba na montanha” que li anos depois, hoje se não engano-me o título foi alterado para “A montanha encantada”, e cachorrinho samba é o nome da série. Pois bem, ali a turma de adolescentes presa numa gruta numa espécie de gruta aprecia junto aos anões que vivem sob a terra as iguarias: língua de frangos, e Cristas de galos... Pois bem, não é que passei incólume pela língua? Mas a crista fui de novo ter com minha mãe, e na primeira oportunidade, um frango gordo que tínhamos no quintal forneceu sua bela crista para mim ao almoço. Como diria Fernando: alimentei-me de um dos nossos irmãos animais... 

Pois bem, aí está a força da literatura na cabeça de um menino de 10 -13 anos, os livros lidos, naquela linda idade trouxeram-me sabores, experiências e memórias. Tenho pena de quem perde tanta experiência, tanta riqueza, e até o gosto dos mamões  por não gostar de ler.