sexta-feira, 28 de maio de 2010

Sobre amores e atores

Dentre as diversas coisas que leio, vivo, vejo e guardo, está uma poesia que vez li, e que tratava do amor carnal, se é que se pode chamar assim o tesão. O título era “Amor de verdade” que era mais ou menos assim:


Amor de Verdade

Me dê sua mão.
Toque aqui.
Veja como está!
E Então?
Acredita agora?

Bem, googleei no intuito de encontrar o autor da poesia, que acredito ser de Paulo Leminski,  mas em vão, vai ver não postaram na net, vai ver estou um bibliotecário enferrujado que não consegue achar... Pois outro dia em mesa de bar com Maluce e Jair, citei a que considero uma das mais bonitas declarações de amor:

“Se todos me vaiarem e só você me aplaudir, ainda assim eu me sentirei como um Napoleão coroado.”

Essa, quando a recebi,  era atribuída a Michelangelo Buonarroti e seria um trecho de uma carta dele a Tommaso Cavalieri. Tive essa citação por anos guardada entre tesouros que só tem valor a meus olhos e guardo na cabeça. Mas eis que, Jair, como bom conhecedor de história que é, alertou-me de imediato: não pode ser, a frase é linda, mas Michelangelo é muito anterior a Napoleão.

De fato, eu encantado com a frase, nunca conjuminei os fatos. Procurei no Google mais uma vez, e nada. Como diz um conhecido, se não está no Google, não existe... E agora? Bem, continuo a achar a frase preciosa, recebi de uma moça que conheci há mais de década, que mentia muito (e quem mente rouba), portanto pode até ser que a frase seja dela, apesar de mentir muito (ou exatamente por isso) ela escrevia muito bem. Ou roubou-a de alguém e deu a ela outro autor, no sentido de enriquecer, ou, como disse Jair, pode ter trocado César por Napoleão com a intenção de atualizar a bela citação.

Mas sobre o que é essa postagem mesmo? Ah, sobre o amor e algumas de suas formas de expressão...

Vinícius de Moraes, na crônica: “O bom e o mau fã”, descreve uma relação na sala de cinema: “E os casais de namorados, que desgraça! ‘você gosta de mim?’ ‘Gosto!’ ‘Mas gosta mesmo?’ ‘Mesmo!’ ‘Muito?’ ‘Muito!’ ‘Mas jura?’ ‘Juro, juro e pronto, tá satisfeita?’ Depois, dois suspiros (...) E recomeça: ‘Mas você gosta mesmo?...’”

Deuses meus, realmente é o inferno; imagine se Vinícius visse os que hoje teimam em ficar lado a lado nas escadas rolantes, bloqueando a passagem dos apressados no horário de pico, naquela hora em que você está mais que atrasado e vê o trem chegando à plataforma. Ou do casal, com invariavelmente um dos dois gordo, que insiste em querer andar de mãos dadas nas calçadas de São Paulo, estreitas e tomadas por postes, camelôs, lixeiras, carros estacionados e baús de motos...

Lembro que, em Madri, a única moça sentada no colo do namorado no metrô era brasileira, num agarramento vexatório que me fez esquecer automaticamente qualquer palavra lusófona.

E aqueles a quem o amor não convence a eles mesmos e precisam o tempo todo demonstrar ao resto do mundo o quanto amam o parceiro? Confesso que sinto engulhos, até porque geralmente algo soa falso nesses alardes. Principalmente se já convivem juntos, aí o alarido estafante é de tal forma fake que vira uma comédia. Tem gente que até aumenta o tom a fim de quedos possam ouvir suas declarações.

Conheço casais que sentam um em frente ao outro na hora de refeição em casa alheia, e ficam jogando beijinhos um pro outro. Chamam o par: “Môoo...” “Oi...?” e aí vem o biquinho e o pu-pu-pu dos beiços a fazer biquinho e o barulhinho característico do arrufo. Cômico? Nem isso... E os demais a disfarçar pra não correr o risco de tecer nenhum,  nenhum comentário.

E aqueles que dizem amar tão apaixonadamente, que nunca viveram amor assim, mas que, sabendo o outro ciumento, provocam e alimentam esse ciúme. A meu ver, nada mais egoísta e digno de repúdio que alimentar esse sentimento apenas para manter a “pessoa amada” insegura. Afinal, estando insegura, eu estou no controle, eu comando! Deve ser este o pensamento (consciente ou não) que emana de tal ser.

Sinceramente os casais mais felizes que conheço não fazem (nem precisam) fazer alarido algum, a felicidade está no olhar, nos gestos, nos pequenos comentários que não falam em palavras de amor, pois ela está no carinho e respeito com que se tratam. Até porque a maior demonstração de amor está na cumplicidade e respeito um pelo outro.

E aí vem a velha questão que sempre falo: vale mais o respeito próprio que  o amor próprio. Nesse caso, mais o respeito e dedicação à outra pessoa do que as demonstrações apenas para convencer o outro, ou em muitos casos, os outros. Ou seria para convencer a si mesmo? Afinal, tem por aí pessoas que não se dão em quaisquer tipos de relacionamento, e talvez fosse o que mais gostaria mas simplesmente não conseguem.

Nem levo em conta traições carnais que, como em “Amor de Verdade”, que continuo acreditando ser do Leminski, nada mais é que um instinto animal, apenas físico. Mas o pior é a traição de sentimento, a alvorada altissonante que ressoa em alto brado retumbante, como dezenas de címbalos sonoros a cantar um amor que não existe.

E como comecei com citações diversas, termino com uma que acredito casar perfeitamente com o tema tratado. Afinal, Adélia Prado está sempre a nos dizer coisas absurdamente preciosas da forma mais simples:

Ensinamento

Minha mãe achava estudo
a coisa mais fina do mundo.
Não é. 
A coisa mais fina do mundo é o sentimento. 
Aquele dia de noite, o pai fazendo serão,
ela falou comigo: 
"Coitado, até essa hora no serviço pesado". 
Arrumou pão e café, deixou tacho no fogo com água quente.
Não me falou em amor. 
Essa palavra de luxo.


*MORAIS, Vinícius de. O cinema de meus olhos. São Paulo : Companhia das Letras, 2001.


PRADO, Adélia. Prosa reunida. São Paulo : Siciliano, 1999.

14 comentários:

  1. Djair: Concordo em parte. Deixe os gordos na escada rolante e nas ruas com seus arrufos!Podem apenas querer repartir a poesia não sabida com todos!

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  2. Curiosamente hoje comentei com a Myrna sobre meu tio que escreveu uma rapisódia para minha tia, aonde ele fez uma das mais belas declarações de amor. Na época (hoje falecido) ele tinha 90 anos. E aqui em casa tenho um exemplo de amor verdadeiro. Meus pais com mais de 50 anos de casados (87 de idade), mais parecem aqueles casais adolescentes (do nosso tempo) se descobrindo.

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  3. Amei!!! Ri muito!!! Seu senso de observação é demais!! Estamos todos matriculados na mesma escola, aprendendo ainda o que é amar simplesmente, ou não?

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  4. O teatro da vida!

    Tá certo que hoje vivemos em um país democrático e que os casais se sentem no direito de demonstrar publicamente o seu amor, da forma que quiserem, mas, por favor, nos poupe de ter que vê-los trocando saliva na mesa da frente do restaurante... Eca!

    Esse tipo de comportamento pode estar relacionado ao velho caso da carência afetiva ou para afirmar a sexualidade?

    Sei lá, sei lá... Freud explica!

    “O Ideal seria que todas as pessoas soubessem amar, o tanto que sabem fingir". Acho que é de Bob Marley...rsrsrsr.

    Beijos

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  5. Como sempre (lendo seus textos, rs..), identifico algumas dessas atitudes em pessoas que conheço. Acredito que algumas delas precisam agir desta maneira para se convencerem de tais "sentimentos". E nós continuamos disfaçando, "sem tecer nenhum comentário" Afiadíssimo. Bjo.

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  6. Quem diria Djair... E você quando conversávamos de blog me disse " Mas o que vou escrever no blog?"...

    Ótimo o seu texto... Tanta coisa por dizer, e poucos são bons como você.

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  7. Mais uma vez o Sr. nos surpreende fazendo-nos pensar com a alma e o coração enebriados de emoção.

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  8. Pode postar dois comentários? Espero que sim!
    Estou montando uma página com um domínio próprio e um blog (cheio de defeitos técnicos).
    Já pedi à Myrna e peço agora à você: gostaria da sua opinião, críticas,... Agradeço se der uma "passadinha" lá. Ainda não dá para comentar no blog, mas pode comentar no meu blogspot ou e-mail. Pode ser? http://www.antonioguilherme.net

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  9. Djair, este texto é espetacular.........amei, você cada dia mais me surpreende. E terminar com Adélia Prado sem palavras. Abraços de saudades

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  10. Quando você me falou que postou um texto que eu iria gostar, realmente acertou em cheio ! Seu texto parece ter saído dos pensamentos que mais me dão trabalho rs.Frequentemente me vejo criticando ( em pensamentos)certas demonstrações de amor que de tão explicitas chegam a ser pornográficas.Critico em pensamento , porque mesmo achando o "óh" procuro serrar os dentes para manter a língua dentro da boca, ja que defendo a liberdade de expressão e o fato de eu deixar "SER" para poder ter a liberdade de "SER" também.
    Mas o que tenho a dizer , é que tem pessoas que ficam meio paranóicas, (pra não dizer desesperadas)tentando (a)provar o que não necessita de provas e aprovações para existir.O amor acontece no momento que tem que acontecer e ponto final.(ou muitas vezes nem acontece)
    Diariamente vejo pessoas desfilando com "amores inventados".Amores estes exibidos como troféus, por pessoas que talvez nunca chegarão a conhece-lo. E se souberem realmente os caminhos que terão que percorrer para encontrar o amor, desistam dele antes mesmo de tentar .
    O verdadeiro amor(acredito eu)esta no sentir. Esta no momento em que todas as possibilidades de emoções foram esgotadas. Quando ja se foi o frio na barriga no momento do beijo,quando a pele envelheceu, mas a beleza ainda se manifesta nos olhos, quando ja conhecemos todas as qualidades e também os defeitos da outra pessoa. Quando o desejo sexual ja não é o mesmo de antes... é nesse momento que se tem a prova dos 9. Se depois disso tudo, você conseguir olhar para seu companheiro(a) e perceber que apesar de tudo ,ainda restou o desejo do sono compartilhado ... ali estará o verdadeiro AMOR !
    O amor é o que sobrou quando a paixão se foi.É a informação preciosa registrada na caixa preta da memória e que poucas pessoas tem a sorte de encontrar.
    E para terminar , deixo aqui uma sábia definição de amor, feita por uma criança de 8 anos num trabalhinho de escola. (lida no Programa do Jô )

    O QUE É O AMOR .

    " Quando minha avó pegou reumatismo, ela não podia se debruçar para pintar as unhas dos pés.
    Desde então, é meu avô quem pinta pra ela ... mesmo ele tendo artrite ! "

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  11. Realmente, você não precisa ficar perguntando e repetindo o tempo todo, agarrando ou provocando ciúmes. Uma das coisas mais legais para você demonstrar o quanto ama alguém é fazer alguma coisa sem que a pessoa amada te peça, uma refeição especial, massagear os pés dela, prestar atenção no que ela fala, escutar até mesmo quando ela não diz nada... Ah! citando música do Sting: “If you Love somebody, set them free”. Isso para mim é o verdadeiro amor! O amor não é escravidão, é liberdade!

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  12. Fiquei pensando no que a Ro, disse. O que é o amor, juntou as palavras do marido que pintava a unha da mulher. A fala de Adélia Prado, que texto. Lembrei das mil e uma noite na versão de Rubens Alves....Quando o desejo carnal termina, vem Sherazade com a poesia, disvirginando o ouvido de Sultão........é isso. abraços

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  13. Djair, adorei o texto, mas estou que nem a música do Zeca Baleiro "ando tão a flor da pele que qualquer beijo de novela me faz chorar..." o que posso dizer sobre o amor...ai, ai...e mais não digo porque vou procurar um poema do Leminski .... prá te mostrar já já, lá no meu mural. Wânia

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  14. A intensidade do gesto suprimi a palavra1 Bjks

    Gina Guimaraes

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