E aí
vem a mudança provar-me o quanto sou apegado; um apego triste e
enraizado que me tira o sono ao pensar nos pequenos objetos
acumulados, recordações de viagens, as cerâmicas, as porcelanas, o
artesanato em madeira e vidro...
Tantas
vezes já mudei deixando tudo para trás! Mas também nunca fiquei
tanto tempo em um mesmo lugar, e desta vez 18 anos... Quatro casas
diferentes, a cada vez praticamente dobrava-se de tamanho, logo com
muito mais espaço para acumular coisas; e tomem-lhe vasos e
jardineiras que formaram uma mini-selva, com as flores que deram, o
molde dos vegetais obedecendo as podas, os vasos ganhados, as cores,
os matizes...
Os
presentes, as pequenas lembranças, dados com carinho pelos amigos,
recordações de uma vida... Uns em lugares de destaque, outros
guardados para a próxima troca de móveis nos espaços quando se
redescobre o objeto e o olhar sobre ele se renova, e aí então vem
ele ao pódio enquanto se guarda outro para que dai a meses, um ano
quem sabe, num novo giro da disposição mobiliária ele venha
novamente emergindo do armário tomar seu lugar ao centro de uma
cristaleira ou sobre o buffet...
As
panelas de barro, as sopeiras e copos, todos usados, não são
enfeite, são objetos de uso, onde cozinhei ou servi com carinho nos
jantares, almoços, reuniões com gente querida. Têm sua própria
história as taças que beijaram as bocas que sorviam um vinho, os
lábios que lentamente deixavam vir boca a dentro um trago de
cerveja, um gole de água... Pratos que testemunharam gulas, quadros
que nas paredes, mudos, ouviram risadas e foram testemunhas discretas
de inconfidências, inconsistências e claro, porque não?,
maledicências.
O
galinho de Barcelos que vem de Lisboa, o sino de vento de cerâmica
do Piauí, o qual seu Verdou, o artesão de conversa frouxa e
agradável já não pode mais fazer igual por ter batido a cacholeta
já há tempos. A obra me inspira carinho por ele cada vez que a
olho, relembrando-me de Ana, a esposa que a embalara flor por flor,
com cuidado e carinho, e me traz preocupação com seu destino,
quando na última visita, o marido já tendo partido, ela era a
tristeza personificada ao atualizar-me sobre o falecimento.
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Foto: Djair - Rodovia Fernão Dias |
O banco
de madeira feito por 'compadre' Herculano lá nas Minas Gerais, sob
encomenda, e que assim como as floreiras de madeira viajou num carro
que não tenho mais, também ele presenciou tantos casos e
gargalhadas quando o fomos buscar com seu cada entalhe único,
segredando os calos na mão do artista.
A
namoradeira, assim como as bonecas de cerâmica do Jequitinhonha,
tornam a casa mais mineira, uma comprada na primeira de tantas idas a
S. João d'el Rey, onde um dia sonhei morar, e que se perpetua assim
como a lembrança do pão de queijo recheado com pernil, comido numa
padaria que não existe mais, junto com Dásia e o beato Zé Maria.
As segundas, adquiridas em Diamantina, rumo à casa de Xica e que
contrastam com as porcelanas de Sevilha, tornando única a combinação
que traz o mobile de bonecas de pano da Paraíba e bichinhos de
cerâmica que trouxe de Bonito – afinal o Mato Grosso, o do Sul,
também está representado, e assim cada viagem se tornou tangível,
se perpetua nas lembranças, que trouxe daqui, dali e de acolá.
Artefatos
de palha dos índios do Pará, lembranças de José Luís, que também
já partiu deixando saudades enormes de seu sorriso jocoso, assim
como Rafael que me fez chorar o choro mais pungido dos últimos
tempos quando se foi, e cujas taças já faz 08 anos que nos deu. Do
mesmo modo, a biografia de Carmem Miranda – e aí vem a senda dos
livros, os que li e amei, que grifei, e os que ainda não li, os
catálogos de museus, de artistas, os livros com dedicatórias de
amigos, de autores apreciados... As bonecas e panos de Africa que
Tânia nos deu de lá, canecas de porcelanas e de cerâmicas dadas
por Ana Bracht, por Claudia, copos de alumínio dados por minha mãe
e nos quais Antônio e Elenice fazem questão de tomar água da talha
quando vêm cá, a sopeira que foi da avó de Ricardina e tantos
suvenires que é melhor parar de citar quem trouxe e de onde, antes
que injustice alguém. Então que se sintam já citados e
homenageados nas peças que serão sim guardadas com carinho, levadas
junto comigo, ainda que por um tempo permaneçam nas caixas.
Como não
ter apego se eles são a materialização de sentimentos, de
lembranças, de vida? Sim, eu sou realmente uma pessoa apegada. Tanto
e quanto que é hora de parar esse texto para não ir citando os
Tsurus e outras dobraduras, e coisinhas e trocinhos e miniaturas
outras e o texto não tenha fim e se torne ainda mais maçante,
afinal a quem podem interessar minhas lembranças? Apenas me deixem
dizer por fim que as pedras, tantas que são incontáveis, irão
também, trazidas de todo canto, como as que Ana e Fran me trouxeram
de Barcelona antes de eu a visitar, as que Jair me trouxe da praça
Vermelha com medo de os russos cismarem com isso, como as que catei
no Parnaíba, rio abaixo, rio arriba, ou me abaixei em Floripa para
catar.