quinta-feira, 11 de novembro de 2021

Aposenta-te!!

 Celina trabalhava no balcão de empréstimos de uma biblioteca. Um dia, sim, sempre há um dia, acabou de atender um usuário (Vânia é que tenha tremores com a palavra usuário!), e recebeu em seguida uma ligação do Recursos Humanos, que era para ela óbvio, e do outro lado disseram algo mais ou menos assim: “_ Acaba de ser publicada sua aposentadoria a partir de hoje no Diário Oficial.” Celina desligou o telefone, sem falar nada foi até o armário, pegou sua bolsa, pôs aos ombros, caminhou até o balcão de empréstimos, sentou-se nele, passou as pernas pro outro lado e foi embora, assim, sem dar tchau a ninguém. Viva!!!

 Zizi, a cada vez que estava a chegar perto da aposentadoria, o governo mudava seus planos e lá lhe tascava mais três anos de trabalho às costas. Mas um dia, dos "grilhões que lhe forjavam da perfídia astuto ardil" houve mão mais poderosa e aposentou-se o Zizi na primeira oportunidade, ainda que a perder dinheiro. A melhor coisa que ele já fez, segundo o próprio, pois como sempre reafirma, é preciso saber a hora de sair, melhor sair enquanto ainda querem que você fique e não quando já querem lhe ver pelas costas.

Zuleide, eu a conheci na festa de sua aposentadoria, fez muito que bem. A festa foi boa, apesar que Cícero e eu tentamos tirar o capeta do corpo de uma moça que lá estava, mas não adiantou, ela continuou possuída e só piorou. Sai capeta!

O Gaúcho da Fronteira aposentou-se. Sabe Deus à custa de quantas asas de morcego obteve uma chefia pra continuar trabalhando e recebendo por fora pelos serviços que fazia em horário de trabalho. O local de trabalho era seu escritório particular; afinal, o cidadão de bem sempre confunde o público com o privado.

Outros não pensavam como uns, nem agiam como tais.

Seu Manoel arrastou a aposentadoria até quase não mais poder, anos e anos até resolver-se. Quando finalmente o fez disse que agora ia aproveitar a vida e viajar, conhecer lugares, passear bastante. Um mês depois bateu a cassuleta e foi aproveitado pelas minhocas do cemitério.

Regina, talvez por viver só, não se aposentava. Entrava ano, saía ano, e sua vida era o trabalho e casa. O cancro veio e ela saiu do trabalho pro hospital. Morreu sem aposentar-se.

Cibopre não se aposentava porque queria ser chefe. Também não trabalhava, enrolava, e ria-se disso; seria aquele tipo de chefia clássica que sempre diz que não dá conta de tudo que tem pra fazer, porque não o faz. Só a doença o fez aposentar-se, sem conseguir o intento do cargo superior.

Queirós não se aposentava, nem trabalhava, porque gostava de atormentar todos a seu redor, e talvez porque não tivesse computador para jogar paciência em casa. Mas participava de todo e qualquer conchavo e criticava a toda e qualquer proposta de trabalho, serviço ou difusão que fosse apresentado.

Chatilde não se aposentava porque não ia aguentar conviver com o marido já aposentado dentro de casa.

 Um monte de gente não se aposenta por dizer-se que não está preparada... Eu, não sei se chegarei a isso, mas preparado estou desde sempre. Tantas viagens a fazer, gente a conhecer, plantas pra cuidar, livros a ler, filmes, peças de teatro, concertos... Tanto e tanto que nem daria conta. Mas pronto pra isso, sempre estive.

 

5 comentários:

  1. Gostei do texto. Aposentadoria tão sonhada e tantas coisas acontecendo!

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  2. A d o r e i! Texto solto e deliciosamente entre o sádico e o bonzinho. Bem ao teu estilo que eu gosto muito.

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  3. ótimo texto, Djair. E muito divertido também. Poucos se preparam pra a aposentaria. E quando ela chega, não sabem o que fazer...

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  4. Nossa seu texto me fez lembrar dos tempos em que trabalhei em bibliotecas cheias de funcionários fantasmas que, pasme, iam ao local todos os dias, mas eram vivos mortos...

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  5. Alba Angelica Ataide Brandizzi12 de novembro de 2021 às 07:08

    Maravilhoso!!! Muito bem detalhado e divertido, leitura gostosa de se fazer

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