segunda-feira, 4 de maio de 2020

Construções


         Quando criança brincávamos de cabana, meu pai mesmo as construía para nós, de madeira, de zinco... e até brincávamos juntos às vezes, primeiro em construir depois não sei em quais brincadeiras, isso a memória levou...  Até que, aí pelos meus 5 ou 6 anos, tínhamos feito uma que se constituía de 4 rolos fechados de folhas de zinco (como colunas a segurar uma outra folha aberta por cima), à porta da saída da cozinha. Hoje pergunto-me de onde veio esse material, talvez já estivesse lá, já que meu pai acabara de comprar aquela casa, aliás, muito bonita, branca, janelas azuis, a imitar o período colonial, com um quintal enorme. Lembro de termos ido limpá-la e ali conhecemos dona Rosa, vizinha, que fazia balas decoradas lindas e deliciosas, e sempre que fazia (muito poucas vezes, para criança, nunca suficiente) dava-nos uma porção. Naquele dia lavamos tudo, o chão era de cimento, e tivemos que esperar ainda que colocassem os tacos e depois passarem o tal sinteco que eu não sabia o que era, só estava doido pra mudar. Então, quando o passaram, fomos lá ver, estava tudo brilhando, mas tínhamos que esperar mais uns dias para sair o cheiro do produto... Enfim, como o texto não é sobre a casa, voltamos à cabana...

Naquele dia, estava lá a brincar, e não lembro o motivo, só lembro que minha mãe brava falou que sabia que eu estava brincando de cabana porque não podia brincar de “casinha”. Acho que foi a última vez que brinquei ali...

Tempos depois, bem depois, já pelos 9, 10 anos, quando fui ao Piauí pela primeira vez, tinha 10 anos, junto com colegas que fizemos naquelas férias, as meninas Nitonha, Niêta e Ducarmo e outros guris e raparigas de quem já não recordo o nome, chamaram-nos (a mim, ao caçula de minha mãe, meus primos, enfim, à  rua quase toda) pra brincar de “cozinhadinha”. A brincadeira se resumia a fazermos palhoças com talos e folhas de palmeiras (carnaúba e babaçu) bastante abundantes ali, no quintal da casa de Niêta, para onde cada um levava algo para fazermos a tal cozinhadinha. Claro, eram as meninas que cozinhavam, já faziam isso em casa ajudando as mães. No quintal imenso tinha uma cova onde repousavam os restos mortais de um irmãozinho dela que morreu bebê; sim, por ali ainda era permitido. Lembro que no dia da cozinhadinha, o pai dela pintou o cabelo na varanda do quintal, com uma pasta de carvão macerado numa tigela.

Minha mãe comprou bastante carne para levarmos, achou que era o que mais ajudaria, lembro que tudo ficou muito gostoso, cozido na lenha dentro da choupana que erguemos e onde, claro, eu era o pai na brincadeira.

Do lado da casa de Niêta ficava a usina beneficiadora de arroz, ao fundo do quintal dezenas de quilos de palha seca faziam montes que desciam o pequeno morro a se formar em direção a um grande declive no fim do terreno, fora a montanha de cascas que se amontoava na saída por onde a máquina as jogava com um grande sopro. Brincávamos muito ali, mas aquele dia não podíamos, pois tinham tacado fogo na palha...

O filho mais novo da minha mãe, por ignorância de como se dava a coisa e por teimosia, resolveu lá ir. A palha de arroz queima por baixo, deixando a parte de cima intacta até que o fogo chegue à superfície, o que pode levar dias dependendo do montante. Para encurtar a história que não é de suspense, acabou ele por ir brincar num desses montes, onde a palha queimava por baixo, e queimou o pé inteiro. Deve ter sido uma dor desgraçada, fez uma enorme bolha que não sei quanto tempo durou. E assim teve fim a felicidade do dia. Preocupações, corre-corre, mas depois cicatrizou e talvez ele sequer se lembre disso.

O que houve é que nunca mais tivemos cabanas, cozinhadinhas ou casinhas.  


 Foto: Djair - Minha casinha, hoje.

10 comentários:

  1. Adorei, principalmente "sua casinha hj". finalmente consegui ler pelo computador e o comentário saiu, aleluia! Sempre leio seus textos pelo celular e não consigo comentar de jeito nenhum. Ontem, quando vi a msg no whatsapp, fiz um lembrete para hj abrir no computador, rs. Beijos e saudades!

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    1. Obrigado Rô. Outras pessoas também já comentaram que não conseguem fazer comentários pelo telemóvel.
      Feliz que gostou.
      Obrigado

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  2. Querido Djair depois do comentário acima estou a fazer uma nova tentativa, agora no meu computador e vamos ver se funciona!
    Disse a você que a grande vantagem dessas memórias de infância é que nós estávamos lá vivendo e sentindo os cheiros e os paladares! Que delicia de texto! Grande beijo

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  3. Pois é Lê. Deu certo. Deve ser algum "bug" do blogger.
    Sim e esses cheiros e sabores tornam-se únicos. Bjs

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  4. Eu brincava de comidinha...rsrs mas não era de verdade, como a sua..era tudo de faz de conta...poxa, deve ter sido muito legal brincar mas cozinhando de verdade.. aqui em São Paulo não era assim...que delícia de lembrança, Dja..e me trouxe as minhas lembranças das panelinhas e pratinhos minúsculos que pra mim eram tudo de bom!!!💕 Bjs

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    1. Só vi as meninas brincarem de fazer "cozinhadinha" no Nordeste Sil. De resto o que vi pelo resto do Brasil elas tinham xicrinhas para o chá das bonecas e panelinhas de plástico, etc...

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    2. Sim... até hoje tenho saudades de um jogo de 'travessas de plástico' que eu ganhei qdo tinha uns 6 anos, acho. Eram idênticas as que a minha mãe tinha em louça. Até a cor, meio acinzentada. Tinha travessa para carne, peixe, sopeira..eram lindas!!! Morro de saudades delas

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  5. Eu brinquei de cozinhadinha tbm, muito boas lembranças.

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  6. É uma delicia este seus texto fico a imaginar sua fisionomia a contar rsrsrs e essa memória pelo amor parabéns. bj também pro Jair.

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  7. Obrigado querida. Essa acho que nunca narrei oralmente, mas as imagens são tão nítidas na lembrança..

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