E anteontem - escrevo
esse texto numa terça-feira -, foi dia das mães no Brasil (uma semana depois de
em Portugal). Pois...
As redes sociais
encheram-se de fotos das mães de todos (ou quase). Das mães com os filhos
quando crianças, quando adultas, tiradas no dia, na hora da postagem, ou de
mães quando estavam grávidas, de mães presentes, de mães falecidas. E de mães
que não se podem visitar em dias de peste como os atuais ou das que foram
visitadas e quiçá infectadas pelos filhos que não se importaram tanto assim com
suas mães.
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Pixação na "Quinta das lágrimas" - Coimbra - Portugal |
Nos portais de
internet e jornais, histórias de mães. As que estão na linha de frente de
frente da saúde e não poderão passar o dia das mães com seus filhos por estarem
de plantão |(oras, todo ano não há médicas e enfermeiras de plantão nesse dia?
E em todo e qualquer outro tipo de trabalho que exija o trabalho ao domingo?
Enfim...) Histórias de mães que perderam seus filhos, de mães que deram seus
filhos e lutam para reavê-los...
Só não vi histórias de
mães que não amam seus filhos, que os abandonaram e não se arrependem, que só
os tiveram por não poder resistir a uma trepada gostosa sem prevenir-se, que os
tiveram para cumprir a “obrigação de esposa” diante do desejo do marido ou que
os tiveram porque queriam um bebê para metê-lo na cara dos outros como sinal de
sucesso no casamento, de mães que nem sabem quem é o pai de seus filhos... De
mães que mataram seus filhos por sua opção sexual, por não cumprirem os
desígnios delas, porque estavam drogadas, porque o companheiro não as aceitava
com uma criança de outro, o mesmo motivo que leva tantas a abandoná-los... Ah,
o poder de uma pila boa...
Também não vi
histórias de mães de vários filhos que dedicam seu amor apenas a um deles. E
não me venham dizer que as mães amam os filhos igualmente, que isso é história
que nem os bois dormem mais com ela. Como disse meu orientador na época do
mestrado, num de nossos inúmeros encontros de amigos e não de professor e
orientador: “Nem toda mãe é boa”, estando Mário Caeiro até o topo de razão. Sem
esquecer que também não o são pais, maridos ou esposas, mas o mito “mãe” talvez
seja o que mais choque quando colocado nesses termos puros. A aura de santidade
em torno “dela” é uma mística poderosa, um tabu que é negado pela cultura
judaico-cristã e que precisa ser desconstruído. Haja anos de terapia para se
livrar desse fantasma da mãe boa, quando ela não o é. Ainda assim, elas recebem
ligações e presentes nesse dia e o árduo trabalho de desconstrução - salvo
casos absurdamente claros onde ela própria passa anos a desconstruir essa
mística – nunca é conclusivo.
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Grafite em Prédio da Amadora - Portugal |
Não, não vi nenhuma
dessas outras histórias sendo contadas, mas conheço muitas delas. A
desconstrução da ideia de mãe é tão difícil, penosa e inconclusiva como a da
destruição de Deus, o Deus bom e de amor que envia pestes e guerras, que
destrói os inimigos (mas não é ele o mesmo Deus de seus inimigos? O Deus de
amor e bondade?).
Lembro de uma pessoa a
quem conheci e foi ele, e mais os cinco irmãos, juntos ao pai que os criou,
abandonados pela mãe quando ela encantou-se por um músico. Também conheci a
ela, mantida por meu conhecido mas que dedicava todo o amor maternal apenas a
um neto que com ela vivia, aprendiz de bandido..., a ter todo o amor que nela
existia. Como essa pessoa dizia: já vi mãe abandonar uma, duas crianças e ficar
com aquelas que podia, mas abandonar todas era o único caso de que ele
(magoado) sabia.
Conheço mães para quem
sobra todo o tipo de cobrança para com um dos filhos, enquanto é extremamente
permissiva para o outro, que aliás tira de um para dar ao outro. Mães que com
um é só carinho e com outros tem a irritação de uma gata admoestada. Quem fala
sobre essas mães? Apenas aqueles que as tem assim, que se enternecem, ainda
assim, com suas lembranças de algum dia bom, ou com a imagem de uma fotografia,
mas que muitas vezes já desistiram(?) de esperar um carinho de mãe.
Também conheço o
contrário, daquelas que criou filhos alheios e a eles dedicaram todo o amor que
foi negado pelos que geraram. Mães que se não adotaram de vez, adotaram no
coração. Mas essas, a mais das vezes, aparecem nos programas de tv em especiais
desses dias ou quando o “filho” torna-se alguém famoso. E a não-mãe? Não é
preciso falar também sobre ela? Até para que ela, reconhecendo-se nesse papel,
o assuma de vez ou quem sabe tente ser menos anti-mãe? O papel da má, nas
histórias, é sempre o da madrasta; engraçado é que conheci na maioria das vezes
madrastas que eram amadas como mães.
Lembro de uma ou outra
história terrível; em uma delas se dizia a duas crianças que a mãe falecida
voltaria para buscá-las. Morto o irmão, dizia a menina que foi a mãe que veio
buscá-lo e a próxima seria ela...
Mães... há de todo o
tipo. E é necessário que todas gozam o direito ao dia das mães...