quinta-feira, 12 de julho de 2012

Fiado só amanhã!

Engraçado, nos propomos às vezes a escrever sobre uma coisa, e o texto como que ganhando vida própria vai serpenteando aqui e ali nas lembranças e aquela que nos despertou para aquele assunto se recolhe a seu quarto, entre outras, se aconchega e adormece, sabe-se lá até quando. Foi assim no texto da última semana; sem querer tratar de assuntos mais pesados, uma vez que estou doce, como campari, por esses dias, fui falar das navegações pelos bares da vida, daqui, dali, de além. E... o que me despertou para o tema foi a lembrança de Parco. Porém, no fim, o texto tomou outro rumo, a prosa cresceu e ele ficou comportadamente quieto em seus aposentos, no fundo da memória, e como arguto e gaiato que era, saiu daí a pouco, tão logo o texto já estava publicado e comentado por alguns queridos amigos que honram-me seguindo este blog, comentando, participando, do blog, dos textos, de minha vida. Mas para que o fantasma de Parco não venha assombrar-me, volto aos bares com ele.
Parco era um colega dos tempos em que eu andava com o pessoal do teatro, no interior; depois de ensaios era comum encontrarmo-nos todos e ir para algum boteco, tomar uma cerveja, ou duas, ou doze. Saíamos todos juntos, cada um rumo a sua própria casa e era um acordo tácito e silencioso que, antes de chegar à avenida onde nos desvencilharíamos,  cada qual pegaria uma rua diferente, pararíamos em algum bar. Afinal era verão, lá sempre era verão, mesmo quando o frio forte fazia os termômetros chegarem à marca dos 23 graus. Brrrrr...
Mas enfim, logo alguém dizia, à primeira vista de um boteco agradável: vamos tomar uma cerveja? Todos assentiam... Menos... Parco. Parco logo falava: Eu não vou, vão vocês que eu tô devendo naquele bar.  Bem, estávamos juntos, ninguém ia sem ele e seguíamos o caminho. No próximo alguém lembrava: vamos ali então? E Parco: Ah, ali não dá. É que tô devendo lá. Como ainda faltava bom trecho, passando em frente a padaria, alguém falava: e aqui? Ah, não rola porque tô devendo, dizia Parco. E assim íamos até achar um bar que ele não devesse. Nunca soube, se era pura blague, apenas para fazer gênero ou por não curtir o visual, música, ou o que quer que fosse, o fato é que ele dizia dever na maioria dos bares de  Cézidia. 
Com o tempo passamos a beber sempre no Arco da Velha, um boteco estiloso que tocava MPB e tinha mesas na calçada. Parco sempre pagava, e já fazia uns dois, talvez três meses, que bebíamos ali pelo menos duas vezes por semana; era certo nos encontrarmos lá. Até que um dia passávamos, Parco se adiantou e falou a Marco, o dono, que àquela altura já nos conhecia: “_Marco, hoje eu tô sem grana, será que você pode fazer um fiado até amanhã?” “Claro, fiquem à vontade, pode chegar!” - respondeu ele com enorme sorriso prestativo. Sentamos e... mal Marco trouxe a cerveja e afastou-se rumo ao balcão, ouvimos Parco em tom de confabulação: “_Ah, gente, vou sentir tanta falta! Eu gostava tanto desse bar!...

Foto: Djair - Confeitaria Nacional - R. dos Correeiros - Lisboa Portugal.

10 comentários:

  1. Muito legal o texto. Me lembrei, sem o humor da ação, é claro, da pensão onde eu e a Lê almoçávamos todos os dias. Acontecia o contrário: a dona nos oferecia fiado todas vezes e sempre recusávamos. Não é que na última vez que lá fomos, aceitamos e depois disso nunca mais voltamos ao estabelecimento, sabe-se Deus porquê?

    JLP

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  2. Uau, que legal. Acompanhar seu blog é sempre bom fico a espera para me deliciar. Doce como campari? O texto é fato acho que hoje ainda encontramos muitos Pacos por ai. Foi bom que fez estoria. Me fez lembrar do tempo de comunidade sempre tinha alguém sem dinheiro sempre.vamos tomar alguma coisa não temos dinheiro. Podíamos pedir fiado......que vergonha. Tempo bom .........Valeu pelo Texto, Carminha

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  3. Me faz lembrar os tempos de minas que o dono da padaria tinha uma caderneta a qual marcavamos a compra da semana para acertar na sexta feira... e se passasse da sexta logo estava esbravejando porque fulano não pagou, mas penso que todos pagavam em dia aquele cara era osso duro... no mais com as comodidades financeiras o fiado apenas mudou de nome... para crediario, cartao de credito, notas promissórias, duplicatas...

    É muito bom rir de seus personagens sempre!

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  4. como sempre seu texto nos faz relembrar nossos momentos vividos .....obrigado amigo ...adorei =]

    ALAN COSTA =]

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  5. Efeito Parco... Nunca mais vou me esquecer disso...

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  6. Adorei a história e sua sofisticação ao transcrevê-la!!!!

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  7. Não é a toa que tinha o nome de Parco! kkkkkkk

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  8. Isso mesmo JLP até hoje me pergunto qual o motivo de nosso não retorno e não encontro em nenhum canto da memória que pelo visto está pouca. Mas o 11 de junho foi verdadeiro... rsrs

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  9. Doce como Campari? Até vômito é mais doce do que Campari. kkkkkkk Ana Angélica

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  10. Muito bom relembrarmos dos velhos tempos,de pessoas,de lugares;é um modo de não deixarmos morrer o passado bom que vivemos,e que nos vem a mente de forma simples,serena e,que por muitas das vezes,nos pegamos rindo,olhando o tempo e nem percebemos..São momentos no qual a felicidade nos pega.
    No melhor estilo do seu colega:Devo não nego,Parco quando puder.
    Beijão,Djair!Dani.

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