quinta-feira, 5 de abril de 2012

E a vaca não foi pro brejo.

É, caímos no conto da Estrada Real que o governo mineiro dizia ter providenciado toda a infra-estrutura necessária. Embora se trate de uma estrada de terra na maior parte do percurso , isto posto, resolvemos seguir por ela; afinal já conhecíamos e apreciávamos o trecho de pedra entre São João D'el Rey (sim, sei que a grafia é Rei, mas se usa o arcaico no Del, porque não usar o charme do Rey?) a Tiradentes, mas estávamos em Outro Preto já e íamos dali à Diamantina. Pois bem, que seja pela Estrada Real, que de estrada de terra nunca tive medo.
Pois bem, saímos com pesar de Ouro Preto, onde entre igrejas belíssimas, museus interessantíssimos e arquitetura ímpar, lembrava de “Luar sobre Parador*” e Raul Julia e Sônia Braga a contracenar pela praça Tiradentes. Deixei com saudades a mocinha que atendia a pousada que em seus 13, 14 anos tinha um encanto brejeiro que nunca esqueci. Ao pedir emprestado uma faca, ela disse: “_Ah, tem um canivete na minha mochila”, e me passou um enorme canivete... E ai, eu lhe respondi: “Mas o que faz uma mocinha como você levar um canivete deste tamanho na bolsa?” E ela, com seu sotaque delicioso e jeitinho matreiro: “Ah, pra quando eu  vou na roça, cascar uma laranja, partir uma melancia...” Não há outra palavra: Encantadora!!!
Mas enfim, pegamos a Estrada Real, fomos por Mariana e de lá rumo a Diamantina. O problema tão somente se deu pela demora, afinal a pavimentação não era a imaginada, nem havia postos ou pousadas e redes de infraestrutura, conforme era prometido nos folhetos, e então... Uma hora, resolvemos sair dela, afinal a idéia era pernoitar no Serro, uma pequenina cidade a caminho de Diamantina,  e passar ali um ou dois dias. Aliás, olhe que vale muito a pena, não apenas por ter o melhor doce de leite que já comi, mas pelas igrejas de séculos passados, pela casa dos Otonis que é um pedaço de paraíso transformado em museu, a casa do Barão do Serro, a cordialidade, enfim... Visite o Serro.
                Pois muito bem, voltando ao barro antes de Serro: horas e horas de estrada de terra e resolvemos: vamos voltar ao asfalto? Vamos... Mas como sair dali? Nada conjuminava com nada, cansaço, pó, pó, cansaço, perguntamos em uma cidade lindinha, cujo nome não chegou ao asfalto, mas, onde finalmente pudemos lanchar, como voltar à rodovia. Era complicado como o quê, e decidimos seguir pela instrução do mapa, tomamos um desvio da Estrada Real por outra estrada de terra que nos prometia chegar à BR em algumas horas, e subimos a Serra do Cipó.

Pois é... Se às rodovias privatizadas pelo governo tucano em São Paulo faltam placas, imagine na zona rural mineira, em uma via de terra onde o pó chega a dois dedos... Eba, aventura!!! E nessas, entramos em duas fazendas só pra fazer o retorno daquilo que era propriedade privada e voltar à estrada... De repente um caminhão à frente, e só pensei: agora é que vai ter pó... Melhor manter distância... Mas... Ele parou... Vamos em frente... Ao passar pelo caminhão, o motorista nos para para perguntar como sair daquele fim de mundo... Estava mais perdido que nós...
Logo à frente, vacas deitadas que à primeira buzina levantam-se malemolentes e seguimos. Mais uma hora na velocidade do pó e diante de um mataburro**, onde vários bois e vacas ali, tendo impedida sua passagem, faziam ponto e tomavam a fresca. Novas buzinadas e nada, meu amigo e co-piloto põe a cabeça pra fora pela janela aberta, sacode o boné e grita: “Xôoooooo Vaaaaacaaaa!!!! A que estava justamente atravessada à nossa frente, em pé, olhando para a paisagem que se desenhava à frente do mata-burro, vira solenemente a cabeça, encara-lhe a face e, olhando-o dentro do olho, com profundidade abissal, ergue o rabo e caga! Sim, caga majestosamente, olhando fundo nos olhos dele, como se estivesse a dizer: "tô cagando procê!". Meu amigo olha pra mim e começa a enrubescer a mais não poder. Explodimos enfim em gargalhadas incomensuráveis, incontroláveis, que me tomam até hoje ao relembrar a cena. Lógico, depois espantamos a cagona e prosseguimos viagem, mas foi um dos pontos altos da aventura na Serra do Cipó... Que merda!

       * Filme Estadunidense de Paul Mozursky de 1988 com locações em Ouro Preto.
 
       ** Espécie de ponte sobre uma vala, feita de tábuas, ferro ou concreto com  vãos espaçados, para evitar a passagem de animais e permitindo a passagem de veículos.


12 comentários:

  1. Rafael Salles além de pedir para escrever o causo, como leitor de fato, notou que faltava o final, e ao conferir, sei lá porque cargas d'àgua faltavam dois paragrafos, graças a atenção dele o texto foi redigido e agora o erro foi corrigido.

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  2. Muito bom, fico a pensar o cheiro,,,,,,,,poeira e as caras.

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  3. Querido, suas crônicas estão cada vez melhores! Fazem a gente rir, refletir... Não nos abandone jamais!!!
    Beijos!!

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  4. Muito bom!! Pagava para ter visto a cara de vocês rsrs

    Alini

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  5. kkkkkkkkkkkkk.....que historia!!!!!! Excelente!!!!!!
    Sergio Prado

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  6. muito bom...a vaca nem para cagar e andar...olhou e cagou....cagando e olhando...hahahahhahahaha

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  7. Que crônica mais saborosa!! adorei tudo e principalmente da aventura!!

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  8. Assim você me mata de saudade da minha infância. A mocinha da história é mineira uai, sempre tem um canivete à mão. Explicar o que é um mataburro foi hilário! Beijos

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  9. Menininho deculpe a demora mais ando meio periada com os afazeres de dona de casa e cabei me atrasando em postar meu comentario mas te digo que tem hora que tenho vointade de fazer com essa vaca...
    rsrsrsrsrsr
    beijos

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  10. Djair, como sempre, sua crônica é deliciosa. Deliciosa como várias coisas que você encontrou pelas estradas de Minas. Doce de leite, goiabada, queijo Minas... E o sotaque das mineirinhas do interior? Emocionei-me com as cenas que você descreveu. Nasci e fui criado na capital de Minas, mas em incontáveis vezes passei por caminhos iguais aos que você descreveu. Belo Horizonte é uma síntese do Estado e nela todos os mineiros sentem-se em casa. Sou belorizontino, mas mineiro antes de tudo. Em todas as manhãs, faço a barba, coloco paletó, gravata e um canivete no bolso. Pra que o canivete? Fico dias sem usá-lo, mas sinto um segurança enorme em tê-lo comigo. Estarei sempre pronto para quando precisar descascar uma laranja, cortar um barbante de um embrulho ou abrir um envelope bem na dobrinha, sem estregá-lo. É coisa de jeca mineiro, mas é o meu jeito. Abraço amigo do Luiz Otávio de Lima Pereira

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