Dei-me por gente tendo minha mãe como a mulher mais bonita que  conhecia. Pelo menos a meus olhos infantis, era com certeza a mais  bonita. Nas reuniões do colégio, nas pequenas festas na rua que  morávamos, num tempo que os aniversários eram comemorados em casa e não  em bares... Eu pequeno tinha consciência de sua beleza e disso e muito  me orgulhava. Lembro de que  D. Lita, mãe do Celso, até pediu-lhe certa  feita um vestido emprestado, era um modelo longuete, com aberturas  laterais, manga em alça franzida, de um tecido mole e fresco, estampado,  muito bonito mesmo. Mas... Não ficou a mesma coisa nela.
    Minha mãe, até hoje muito bonita de corpo, com cintura fina bem  marcada, fruto, segundo ela, de uma cinta que moldava a cintura e que  usou durante anos. Foi moda nos anos 1950/60 usar por cima dos vestidos  e, quando a moda caiu, ela continuava a usar por baixo. Rememoro seu  tempo de vaidades, quando ia todos os sábado ao salão arrumar o cabelo, e  D. Lucinda, a cabeleireira, caprichava. No início dos anos 1970 chegou  mesmo a confeccionar-lhe uma peruca, a partir dos próprios cabelos de  minha mãe que foram cortados à altura dos ombros, quando antes atingiam  cumprimento abaixo da cintura. Lembro que minha mãe tinha um sorriso  lindo, que inclusive era invejado pelas irmãs, pois os dentes eram alvos  e de belo formato em um tempo em que ainda não se usavam aparelhos  ortodônticos. 
     A festa mais bonita que tivemos em casa, acho que foi a de 40 anos de  minha mãe. Morávamos em MG, em Coronel Fabriciano. Matamos dois  cabritos, que eu e meu pai fomos comprar em uma fazendola nos arredores  de Ipatinga, matamos frangos que criávamos em casa, coelhos idem e  encomendamos o bolo a D. Ritinha. Era um enorme bolo com glacê colorido.  Àquele tempo, os glacês eram feitos de açúcar e manteiga e coloridos a  base de Q-suco. Meu pai fez vários litros de batida de limão, colocamos a  mesa no quintal, debaixo do abacateiro, repleta de porcos-espinho, que  nada mais eram que repolhos com palitinhos de queijo e presunto, queijo e  mortadela ou queijo e azeitona espetados. Àquele tempo, pelo menos em  casa, não se usavam os salgadinhos que hoje fazem sucesso às festas.  Minha mãe vestia um vestido  rabo-de-peixe, justo, de Jérsei prata e preto, com mangas até os  cotovelos e meio bufante nos ombros. Passou a tarde na cabeleireira,  estava linda. Acho que foi a única vez que usou esse vestido desse  jeito. Depois ele virou “longuete” e perdeu as mangas... E deve por fim  ter virado pano de chão.
   Quando  meu pai começou a apresentar os primeiros sinais de alcoolismo, ela foi  perdendo o gosto. Deixou de ir ao salão, de se arrumar, e até alguns  dentes perdeu... O jardim de casa que era o mais bonito da rua feneceu.  Tenho a impressão que minha mãe era como aquelas flores, que sem atenção  se deixaram murchar.
Foto: Desconhecido - Maria Cezídia Rodrigues de Lima e Souza - Minha mãe. 1966.
