Faltando poucos dias para regressar ao Brasil, as meninas de Viana, presentearam-me com uma caixeta/album repleta de fotos nossas naqueles dois anos de Portugal, almoços, jantares, aniversários, ceia de natal antecipado, pequenas viagens e comemorações. Estranhamente, nunca tiramos nenhuma na universidade.
São lembranças de momentos felizes, que não
serão apagados da memória, a menos que Alzheimer venha, estão registrados, pela
felicidade do momento, e depois impressas nessa demonstração de carinho.

As fotos da família de meu pai, vários álbuns que
eram da minha avó e ficaram com meu tio Lorival, somente ele sabia identificar a todos, não sei
que fim levaram... Eram vários álbuns, lindos, com fotos belíssimas de parentes
e ancestrais intercaladas por folhas de seda...
Amo o “Fado-Tango” de Cristina Branco, que tem
por nome “Não há só tangos em Paris” que em sua letra narra a história de uma
mulher apaixonada, que beija um retrato já manchado e gasto onde ela roga a
Picasso que lhe diga onde “ele”, o amado tem aboca. E mesmo já tendo falado
dele em outro texto o mote deste vale o pequeno parágrafo de lembrança.
Por uma destas pequenas tragédias da vida, uma
goteira em uma casa que moramos há muitos anos destruiu a maior parte das fotos
da pequena família que formávamos, Meus
pais, seu caçula e eu. Havia uma, bem me lembro, de meu pai e seu time de
futebol, uniformizados, na pose comum de todos os times, uma fileira em pé, e
outra fila de homens semiagachada à frente daqueles. A foto em branco e preto
já era bastante gasta, amarelada, e até com um rasgão por uma descuidada troca
de álbum. Meu pai sempre falava, impressionado, sobre rostos que já não se divisava
ali, e estranhamente que correspondiam aos amigos que já tinham morrido. Se a
foto existisse hoje ainda ostentaria o rosto dele ou também tereia sido
completamente esmaecido?

Célina, uma antiga amiga de minha mãe, dona do
hotel onde meus pais se hospedavam quando nasci encontrando minha mãe há alguns
anos disse que queria devolver-lhe uma foto minha, bebê, pois sabia-se velha e
que não tardaria a morrer, e nisso a foto provavelmente iria parar no lixo, e
ela não queria que isso acontecesse à minha foto.
Celina morreu, a foto deve ter ido pro lixo.
Não encontraram-se novamente...
Penso ainda poder resgatar com minha tia Hercília,
ou com Marilande, minha prima, algumas fotos antigas de meu pai, minha mãe e
minhas. Lembro de ver num álbum há alguns anos esses daguerreótipos.
Meu pai
amava uma foto que tinha de quando serviu ao exército, de casquete e farda, e
uma de minha mãe com um vestido branco de renda, os cabelos compridos presos
atrás da orelha, logo depois de casarem-se. Entregou-os a um retratista para
que fosse pintado o quadro dos dois, como era comum nos anos 1970. Eu, criança,
lembro bem das fotos e o vi entregar e combinar preço e prazo. O tal pintor,
desapareceu, e com ele as fotografias que trago nítidas na memória, ainda bem
que esse neurônio não foi atingido por nada que o apagasse.
Trago guardados meus álbuns de fotografia, são
vários, volta e meia folheio, emociono-me, rio... tem fotos de gente que nunca
mais vi, ou vou ver. De gente que considerei amiga e hoje não mais, mas me
lembro de todos ao ver suas estampas. Ainda que os nomes, esses sim, já não me
recorde. Fotos de momentos alegres, de viagens, fotos mandadas para mim por
carta, de gente que gosto, ou já gostei. E até fotos que gostaria de devolver,
assim como Célina. Afinal também já estou velho e não sei a que horas a morte
chega por aqui. E então todas as emoções, todos laços e memórias desses papéis
com impressão de rostos, corpos e suas dedicatórias e histórias, irão também
para o lixo, junto com minhas cerâmicas, plantas, livros e objetos de uma vida.
Os retratos só valem para quem viveu o momento
que se pretendeu petrificar.
Fotos: Djair - Fotos, das fotos, com as meninas mais lindas de Viana.
Fotos: Djair - Fotos, das fotos, com as meninas mais lindas de Viana.