quinta-feira, 3 de janeiro de 2019

DNA


 Hoje é aniversário de nascimento de meu pai. Faria então 83 anos.

Cada vez estou mais parecido com ele, sobretudo em algumas coisas que eu nem gostava. Genética? Transferência espiritual? Gênio?

O mau feitio que se reproduz...

Gestos, tiques, manias, cólera...

Ai de mim... Pobre d'ele...

Tentou...

Agora tento eu...

A conclusão de que sou feliz chegou-me há pouco tempo. A ele nunca soube se algum dia chegou. Acredito que sim, embora eu creia mais em momentos felizes que em felicidade de fato, num sentido de que essa seja uma satisfação permanente, isso nada mais é que uma história de trancoso.

Deveria ter conversado mais... Tê-lo entendido melhor. Mas é isso o conviver, o ser filho, os enfrentamentos, os complexos, as culpas... Renato Russo já dizia: “Você diz que seus pais não o entendem, mas você não entende seus pais. São crianças como você, o que você vai ser quando você crescer.”

Saturno Devorando um Filho, de Peter Paul Rubens
Talvez seja isso. Só os anos, e, no meu caso, muita sessão de psicanálise para chegar próximo desse reconhecimento. Primeiro a desconstrução da personagem “pai”, para depois a reconstrução desse pai humano e falho. As desatenções, reais ou fictícias, os pequenos crimes ante uma mente infantil, adolescente e por fim adulta. O perdão, a falta, o carinho, as falhas todas, sem levarmos em contas as tentativas e adversidades.

Lembro do último abraço em frente de casa enquanto o táxi esperava-me para levar-me ao aeroporto. O pedido a meu companheiro que pintasse-lhe as janelas do quarto. O dia que me disse que o importante era ser feliz, sua mania de catar as folhas do quintal mal elas tivessem caído, os montes de terra que ali fazia, e que dizíamos a galhofa serem túmulos. O seu jeito de tomar café, que após ver-me filmado, sem que eu soubesse, a fazer o mesmo era o mesmo modo, ipsis litteris. Numa outra filmagem que vi depois, ocorrida em um sarau de literatura, também o reconheci ali, em minha imagem, a mesma gestualidade, postura, olhar...

Eu sou meu pai. Disse isso ao psicanalista na sessão seguinte após ver-me nesse vídeo, postado por uma conhecida no livro das faces. Hoje o reconheço em mim. Muito mais do que gostaria.


Minha mãe, numa conversa (não comigo) um dia disse que eu tinha-lhe herdado a braveza. Quando soube disso fiquei pensativo e não sei se reconheci de imediato. Mas é fato o mau feitio que veio naquele gameta.

Meu pai...

Como queria ter ouvido coisas, dito coisas... Mas sempre é tarde. E hoje percebo o quanto ele sonhou, tentou... Lutando contra seus instintos, contra a condição social, contra o vício, contra os conceitos e preconceitos que trazia em si.

Ele faz-me falta.



3 comentários:

  1. Lindo!!! E mais lindo ainda a descoberta de si mesmo... será que o seu amor pelo seu pai não te fez ficar como ele era? Bjss Dja...adorei o texto...vc escreveu com o coração... ☺️

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  2. Que texto!!! "Seu" Olavo está sentado em uma preguiçosa com as pernas cruzadas, tomando um cafezinho, e orgulhoso dos filhos que tem. Adorei o texto!!!💕

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  3. Muito lindo, Djair!!!! Adoramos!!!

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