segunda-feira, 14 de maio de 2018

O maldito frequentador das salas


A tomar um chá para acalmar-me o coração, afinal, esse já enfartado e maltratado, de modo que qualquer dorzinha me chama a atenção.
            Vinicius de Moraes tem um texto de 1943, que adoro, intitulado “Obom e o mau fã”. É engraçado como os maus fãs se reproduzem mundo afora como baratas, conforme diziam os estadunidenses sobre nós, os cucarachas.
            Pois bem, entre os inúmeros e-mails da universidade – que, na maior parte só servem para encher a caixa de entrada - havia um que era mesmo bué da fixe. Tratava da exibição de um filme. Um documentário espanhol, narrado por José Mujica. 81 minutos, 2016. Imediatamente interessei-me. Marquei o e-mail como não lido e estrelado, para não o perder de vista. Marquei na agenda, dia horário, e até adiei em um dia, entre outros motivos, não apenas esse claro, mas também ele, uma ida a Lisboa. Ok. Será mesmo fixe e instrutivo.
            Correria com os trabalhos do mestrado, muita correria e tensão com os trabalhos do mestrado, extrema correria, tensão e preocupação com os trabalhos do mestrado. Sobretudo em dias de total desânimo.
            Mas é hoje o dia do filme. Pausa nas leituras e trabalhos e vamos lá. Será culturalmente enriquecedor, e uma pausa nas correrias e no desânimo. Estou mesmo a precisar. Almoço a correr, pois, está em cima da hora. Chego um tanto esbaforido, mas a tempo.
            Ninguém de publico ainda na sala. Ótimo que não atrasei-me. Também faço eventos e esse é um momento de tensão, quando o público ainda não chegou e os convidados da apresentação lá estão.
            Sento à quinta fila de cadeiras, Vinicius aprovaria.
            Converso com o responsável pela exibição, que vem de Leiria, onde ocorre um festival de documentários. Falamos sobre isso e sobre o cinema, como é cá, no Brasil... Somos interrompidos, chega mais uma pessoa, se diz professor, e está estarrecido por não haver público. Que ele mesmo nos próximos vai trazer alunos, para ser avisado... Muito bem. Também acho o desinteresse da malta grande. O gajo senta-se na quarta fila... Pax-ciência...
            Pois então, o cidadão abre lá seu laptop e começa a... Sei lá... Trabalhar? Vai ver que não preparou as aulas que tinha a dar... Pode ser isso.
            Resolve-se começar a exibição, afinal a espera já passa 15 minutos além do horário, e nisso chega mais um rapaz. Simpático, senta-se à sexta fila.
            Luz apagada, exibem-se os trailers da mostra de cinema documental que ocorre nos próximos dias. São cerca de uns cinco, e nada do gajo desligar o notebook. Começa o filme... O notebook ainda ligado. Queria mesmo ver o filme, mas já começo a irritar-me. Pois é, sou o estrangeiro enervado... Então... Saio do lugar e vou sentar-me ao meio da terceira fileira. É mau. Muito em cima da tela, e com meus olhos biônicos – sim, os dois foram operados – a imagem não é tão boa vista dali. Percebo então o apagar da luz da tela do computador do outro... Ok. Ótimo, posso voltar a sentar-me acima...
            Pego o casaco, o guarda chuva, e volto para minha querida quinta fila, logo, estou novamente atrás do tal “professor” – não me perguntem de quê, bons modos é que não é. Pois bem.... E corre-me o frio na espinha a pensar que poderia ser de cinema, ou som e imagem, já que há ali esses cursos. E penso em Luciana Araujo, Maria Rita Galvão, Adilson Mendes, Arthur Autran, Roberto Noritomi e outros tantos colegas que são ou foram professores de cinema, e mais que isso realmente gostam da luz sobre o ecrã.
Sento-me e começo a curtir o filme.
            Passam-se apenas alguns minutos, ainda não deu tempo de pegar gosto pelo filme, e a raiva ainda está presente, quando o gajo, saca o celular, e então a luz deste, como um sabre de luz Jedí, invade a sala. Afinal, o outro não pode deixar para ficar a teclar no WatssApp  depois do filme. Não, tem que achar que a sala de cinema é a sala de estar da casa dele. Bem, sou um enfartado, é melhor perder o filme que a vida, pego novamente o casaco e o chapéu de chuva e saio da sala irritado, triste e com raiva por perder o filme mas com uma raiva maior pela falta de educação da humanidade. Rogo mentalmente mil pragas e ódio eterno. E raiva de mim por não ser do tipo que faz logo um escândalo e manda desligar aquela porra.
Muito já se anunciou o fim do cinema, primeiro era a televisão a acabar com ele depois era o videocassete, em seguida seu exterminador era o DVD logo perdendo para a TV a cabo, mas o que vai realmente acabar com o cinema são seus frequentadores.
 
           

23 comentários:

  1. Rimos muito com seu texto, eu, Vera e Sônia.kkkk prefiro perdendo filme que a vida foi otimo kkkk. O bom desse episódio foi que rendeu este belo texto!!!

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  2. Pois é Elem. Não tem jeito, onde vou passo raiva, por isso o coração deu defeito!

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    1. O próximo curso terá que ser no Tibete. Rsrsrsrs Você pode imaginar o estrago se o gajo tivesse levados os alunos .kkkkk Beijos

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  3. Com certeza! Os frequentadores cada dia mais sem noção! Que pena! Mas que gostei do texto mais que isso, fiquei irritada só com seu relaro e acho que, como sofro de “boca grande” eu teria falado sim, sob pena de arrumar uma inimizade rsrs bj

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    1. Pois é Lê, senti mesmo vontade, mas ando sem ânimo até pra isso. Deve ser da idade... Bjs

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    2. Pois eu sou o "tipo que faz escândalo", até porque todos temos alguma responsabilidade em educar, aquele que não tem. Outra coisa amigo, o coração se ressente também do que deve ser dito e é engolido.. Quem sabe, apesar da bronca, dá para dar um puxão de orelha "com amor".. rsrs.. Mas adorei o texto!!.. bjs

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  4. Me identifiquei com este texto, qdo fui assistir a casa de papel. Ao contrário da até o fim entre risos e conversinha desproporcional.
    Saí irada. Desejando não ter vontade de voltar nunca mais.
    Jovane

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  5. Pois é Jô, o problema do cinema é esse seus maus frequentadores, a falta de educação generalizada. Porque afinal vão eles ao cinema?

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  6. Perfeito! Joga no Facebook que talvez chegue ao mal educado
    Zi

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  7. Não sei se rio ou choro. Acho que os “lanterninhas” tinham que voltar às salas, mas não para a função anterior e sim, como professores de ensino fundamental, recolher os celulares e somente entregá-los no final da sessão.

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    1. Perfeito Rô. Assim deveria ser. Vamos lançar uma campanha?

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    2. Outro dia fui assistir os Vingadores. O carinha ao lado, provavelmente já tinha assistido ou só estava acompanhando a namorada, sem interesse e não desligava o celular. Como eu queria muito ver o Thor eu não saí da sala não! Olhei bem feio pra ele umas duas vezes e ele guardou. Hahaha

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  8. Eu teria batido no ombro do dito delicadamente e teria pedido para desligar... não tinha ninguém lá. Pelo que entendi poucas pessoas foram assistir...ele deve ter ido pra fugir do frio....kkkkk
    Passou Dja....fica calmo....bjss

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  9. Este comentário foi removido pelo autor.

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  10. Lindo texto, Sobretudo o último parágrafo.

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  11. Sempre com bons textos! A raiva fez produzir bom conteúdo. Hahahahaha

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  12. Djair, queria muito estar lá com vc, já armaria um barraco, não tenho paciência para isso, falta de educação. Fui a alguns meses atrás assistir uma peça de teatro lá em Indaiatuba. Peça Ubu Rei, que já havia assistido por outra companhia de teatro quando era adolescente e minha mãe fazia parte do elenco,uma criatura na minha frente resolveu gravar toda a peça pelo celular, sai de lá irritadíssima, pois fiquei com os olhos doendo por causa da claridade do celular e com dor de cabeça. O teatro estava lotado e eram cadeiras numeradas, nem pude trocar de lugar. Fora o Barulho. Triste isso.

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  13. Pois é Claudia, uma vez em São Paulo, no show da Banda mais bonita da Cidade também tinha um pessoal assim, bem na frente, e quem está atrás que lixe, se vê ou não não é problema do mal educado que está a frente... E assim as atividades que deveriam ser de lazer vão se tornando de estresse... Ai de nós.

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