sexta-feira, 20 de abril de 2018

Nosso estranho modo de sentir afeto


O que é que determina nossa tolerância?
O que determina nossa tolerância em termos de amizade?
O que nos leva a romper laços?

Talvez o fato desses laços não serem fundamentados em um nó sólido… Talvez por serem laços não de atar, mas puro enfeite… Laços coloridos, multifacetados… Como são certas convivências, que as vezes são longas mas não enraizadas.

O que nos faz perdoar os achaques de um e não de outro? A dimensão das coisas vividas? As intimidades? Os favores devidos? A carência, nossa, ou a dependência e admiração em relação ao outro?

Foto: Djair -Estátua da Virgem de Fátima - Fátima - Portugal
Eu que sou de tomar partidos, e sim, sei que isto é mal, já rompi laços com alguns por amar a um terceiro e vê-lo maltratado por quem até então era também amigo. Por ser amizade mais antiga, por ser mais verdadeira, por não tolerar grosserias, ou seja lá qual for o motivo da minha simpatia pelo outro naquele momento.

Já perdoei coisas que não sei porque perdoei. Já levei a ferro e fogo muita bobagem e me arrependi em seguida, e lógico, óbvio, que não tive humildade ou coragem para reconhecer meu ego inflamado e pedir desculpas. Claro que não.

Já deixei pra lá o fato de ter amigos trabalhando ao lado e nunca ter partido deles um convite para um almoço no restaurante ao lado da “firma”, embora o mesmo convite já tivesse partido de mim. Já execrei outros por terem faltado a um convite e dado uma desculpa rota para justificar a falta de interesse. A uns perdoei serem mais amigos de outros, a outros não perdoo serem mais amigos de uns.

Difícil determinar onde somos, eu pelo menos, simpáticos e onde não gastamos tempo com isso. O que nos liga, em geral é a convivência, e a consciência de um certo destino comum. Talvez aí esteja a razão de uma afinidade eletiva, a consciência de um destino, um sofrimento comum. E quanto mais comum, mais partido tomamos a favor deste, afinal é o mesmo trajeto, ainda que por poucos passos, ainda que o caminhar se afaste ali adiante, mas a forma com que caminhamos juntos pode ser tão intensa, que fará falta no que resta da caminhada. Outros ansiamos por nos distanciar ou sentimos aquela “saudade aliviada” quando se afasta. De outras carregaremos sempre uma pequena mágoa, sobretudo quando nos sentimos usados, ou quando não sabemos o porque do rompimento.

Uma parte das vezes ansiamos retomar a amizade, noutras não queremos aproximação. O que muda? O sofrimento que o rompimento causou? De que perspectiva observamos esse distanciamento? O que foi maior? O prazer de estar junto, a dor do rompimento? O medo de se repetirem ações e gestos? De quem se sente saudade? De quem estranhamente esquecemos o nome? E pior, de quem sentimos raiva a mera menção, ou vaga lembrança quando como um espectro nos surge a mente e nos faz inconscientemente fechar a face, franzir o senho travestindo a face numa incômoda máscara de gárgula? E o que faz com que toleres aquele amigo do teu amigo? Por não ferir ao primeiro? Por medo que ele escolha o outro?

São questões sem respostas, mas que muitas vezes faz bem colocar para tentar nos entender. Afinal, quantos matamos dentro de nós? Quantos lembramos sem saudades, e de quantos outros sentimos muita falta, sem saber onde estão ou o que se tornaram? Quantas lembranças apenas você e uma outra pessoa tem? Afinal apenas vocês dois podem tê-la, por serem os únicos a viverem aquilo, mas você nunca mais vai encontrá-la, e nem sabe que fim levou.

Saudades que gritam, nós na garganta, silêncios constrangedores, abraços que não querem mais de desfazer… A nossa humanidade, nossas afinidades, nossas simpatias… Para onde nos levam, com quem nos levam?

Toda a gentarada que nos cerca… Um oceano, ondas… em quais mergulhas, e de quais foges, só quando mergulharmos ou fugirmos saberemos, mas o porque, isso nunca.

14 comentários:

  1. E aí eu te pergunto:como se formam os laços? Vc quer saber como eles se rompem e eu como se formam...vc me deve mais um texto Dja...rsrs..

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    1. Se formam pelas simpatias e se atam pela reciprocidade, simples assim. Sem reciprocidade não tem como.

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  2. Super interessante! Muito verdade tudo! Grande sensibilidade a sua. Parabéns. Beijos

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  3. O que nos prende a uma amizade? O que devemos fazer quando uma amigo querido não está nos fazendo bem, não nos transmite energia positivo. Devemos nos afastar ou tentar mais uma vez? Belo texto,querido amigo,Djair. Abraços!!!

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    1. Pois é querido, tantas dúvidas sobre infinitas variáveis. Mas se nada nos traz de bom, não é amizade, apenas convivência.

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  4. Para mim os laços se formam qdo aprendemos a amar sem cobrar e qdo percebemos o quanto amamos qdo estamos longe dos olhos mas bem próximo dos sentimentos de carinho, a vontade de dar aquele abraço qdo sabemos que o amigo está precisando. O laço jamais desfaz.

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    1. Verdade Ana, mas ele só se cria com reciprocidade, se ambos se doam e se respeitam mutuamente. :)

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  5. Lindo, verdadeiro e do fundo d’alma! Acho que você está encontrando o seu texto. Maduro, forte e sem misericórdias inúteis afinal a vida é assim mesmo não é? Bjs

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    1. Pois é Lê,pra alguma coisa há de servir a tal velhice. rsrs Se bem que quanto a falta de misericórdias no texto há muito disseram que eu tinha texto e humor corrosivos. rsrsrs
      Beijão

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  6. Precisava ler um texto como este! Sensacional!

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  7. Nossa eu nunca parei para pensar na vida como ela foi e como ela é ,e como a de ser!!!
    Vc disse tudo!!!
    Eu sinto falta dos velhos amigos de infância, hoje só tenho contato com meia dúzia e os demais ?.

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    1. Pois é Edson... O que é feito de pessoas que um amamos? Será que lembram também de nossa existência?
      abraço grande

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