“Há algo inevitável
na queda de deuses; não caem um pouco de cada vez, desmoronam abruptamente e
se espatifam, mergulhando no lodaçal. É um trabalho árduo e tedioso tornar a
erguê-los, mas a verdade é que nunca mais brilham como antes.”
John
Steinbeck
O Elan
A amizade se dá por um ato de
afinidade, de aproximação de curiosidade pelo que o outro é. O que sente; o que
vê; o que viu. Como reage às coisas, o que quer ver, provar, sentir.
A tentativa de absorver no (do)
outro sensações, fantasias, sonhos, colher pensamentos e razões.
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Tillandsias em flor - Foto: Djair |
O congraçamento
E no intuito de se reconhecer no
outro, acaba-se, por também colocarmos todas as cartas à mesa. Sem, importar,
se os naipes são de fantasias, de dor, amor, alegria, tristeza, ou se trazem
apenas futilidades e mimos que se cultiva sem deles apercerber-se. E assim,
tenta-se manter a simbiose. Comparando vinhos, degustando filmes, provando
saladas e preferindo as carnes, escondidinhos...
O esgarçamento
Mas a mais das vezes, tudo é
frágil, fugaz, neblinado. E sem que se deem conta, ou talvez porque saibam de
ambos o tamanho da carga de existir, se afastam. Distanciam-se sem alarde,
tentando fazer silêncio para que a fuga não seja percebida, embora na maioria
essa fuga, que o silêncio acoberta, seja recíproca.
O rompimento
O momento do “creck”, onde se dá a primeira rachadura
na porcelana, onde se inicia o rompimento, a mais das vezes, não nos é dado
perceber com clareza. Pequeninas coisas, um gesto rude, uma palavra dita em tom
de escárnio, um abuso na confiança, atos sutis... Um pequeno ciúme despertado
por uma amizade outra, um descaso com algo que para o outro tem grande importância,
uma piada feita na hora errada, a atenção maior ao celular ou a contínua
interrupção quando falamos. A necessidade de ser o centro das atenções em
qualquer ocasião lustrando seu ego, e colocando-o acima do super-ego dos
demais... Qualquer deles pode ser o gatilho do primeiro disparo, a partir daí
não há retorno, somam-se impactos. E como as ondas apagando pegadas, os
sentimentos comuns e as ideologias afins, já não são nítidas, não se partilham.
O tempo, esse se encarrega do resto, às vezes em cumplicidade com a distância,
sua amante preferida. E assim, nem é preciso esperar o Alzheimer para que se
esqueçam nomes.