quinta-feira, 25 de fevereiro de 2016

No Serro, surpresas...

     Entre as coisas estranhas do ser estão as recordações; como diz minha mãe, se o espiríto não me engana e a verdade não me mente, foi em um poema que li que “os acontecimentos eram como conchinhas na praia a serem recolhidas por uma criança. Ninguém jamais sabe quais serão as escolhidas e guardadas como um tesouro”.

     Hoje acordei lembrando de um menino, cujo breve contato se encrustou em minha memória e que, hoje, insiste em ali brilhar, daí vem o texto que ora escrevo...

      Depois de cairmos no conto da Estrada Real (sobre a qual se dizia haver toda uma infra-estrutura que não encontramos, pelo menos não naquele trecho após Mariana no sentido à Diamantina), resolvemos sair dela, e encaramos a Serra do Cipó, conforme narrei aqui em outra ocasião.*

      Pois bem, quase chegando à cidade do Serro, o pneu do carro estoura em uma estradinha de mão dupla, sem movimento, sem iluminação. A noite já havia caído, sem lua, sem estrelas, apenas com o breu... E lá fui eu cortar galhos para indicar o entrevero, já que o triângulo do carro não me parecia que ia dar conta ali, e antes que o leitor mo pergunte, não, não tínhamos sequer uma lanterna no carro.

     Perdendo-me de vista, Zi, o companheiro de viagem, gritava por mim, onde eu estava, o que estava fazendo, e eu a explicar que estava sinalizando a estrada retornei. Pois bem, com o anjo da guarda de plantão, esse foi o pneu mais rápido que já troquei na vida. Gastei mais tempo em sinalizar a estrada que com ele em si.

      Conseguimos chegar ao Serro, que se mostrou uma surpresa tão boa que acabei gostando mais de lá que de Diamantina. Não pelo melhor doce de leite que já comi, não pelo arroz tropeiro de lamber os beiços com aquele torresminho que só os mineiros sabem fazer, nem pelo queijo saboroso, de que não foi tirada toda a gordura a fim de se fazer outros produtos, mas pela acolhida naquela pousadinha simples, onde havia sim vagas depois de tantas peripécias e onde pudemos tomar banho quente e nos secar com toalhas cheirosas, de gente que estava ali tentando progredir na vida e mais que uma pousada ofereciam, marido e mulher, uma conversa solta e sorrisos acolhedores.

      A chácara do Barão do Serro estava em reforma, mas a casa dos Ottoni, transformada em um pequenino museu foi um encanto. As igrejas também são belas e as pessoas nas recepções desses lugares oferecem histórias e sorrisos sem cobrar nada, diferente de Mariana onde os guias nas igrejas vestem camisas com logotipos da prefeitura mas cobram pelas caras e você só percebe que caiu no conto depois quando no final o preço é dado. Como vínhamos já de Ouro Preto, São João del Rey e Tiradentes, onde o serviço não era cobrado, nos sentimos lesados em Mariana. Felizmente, o Serro nos fez esquecer o engodo.

      Mas lembrei do Serro ao lembrar de um menino. No dia seguinte à chegada, fomos a uma borracharia para fazer a compra de pneu novo e a realização de uma cambagem e alinhamento, já que na saída de São Paulo, na rodovia Fernão Dias, logo no começo da viagem, um pneu estourou e, segundo o mecânico, a roda que raspou no “guard rail” estava a “comer” o estepe de troca, o mesmo que se foi na entrada do Serro. Enfim, peças trocadas, serviços feitos, com o primeiro dia de Serro a passar-se ali na oficina, esperando e de prosa com borracheiros e mecânico, esse último indicou um restaurantezinho um pouco adiante do posto, de propriedade de uma irmã sua, o qual era simples de tudo e com uma comida bem saborosa.

      Quase ali chegando, me vem um menino correndo em minha direção. Nitidamente tinha síndrome de Down. Devia ter uns oito, nove anos, não mais, correu em minha direção e abraçou-me... como se eu fosse um velho conhecido, um parente, amigo, ou o que o valha. Encantou-me, a ponto de anos depois, como agora, eu lembrar-me dele e a partir daí sair esse texto.

      Depois do abraço, a surpresa: ele me pediu para pagar-lhe uma coxinha; ou seja, mesmo Down, mesmo criança, ele já sabia manipular.


* E a vaca não foi pro brejo.

Foto: Internet. Disponível em:


Um comentário:

  1. Tb quero comer desta comidinha de verdade e conferir o toque das toalhas cheirosas!!!

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