quinta-feira, 14 de maio de 2015

Na falta de alfarrábios digitais

“Quando se instalou em Antares a primeira usina elétrica, Xisto Vacariano, sentado à cabeceira de sua mesa à hora do jantar, disse aos filhos: “(...) O avô de vocês vivia muito bem se alumiando com lâmpada de óleo de peixe e vela de sebo. A máquina mais complicada que ele conhecia era o monjolo. Para mim, lampião de querosene ou acetilene já é luxo demais. Ninguém me convence de mandar botar na minha casa a tal luz elétrica. Dizem que esse negócio dá choque, pode até matar uma pessoa.”
Érico Veríssimo em: Incidente em Antares.


A despeito da citação acima, de um dos livros que estou a ler por esses dias, este post nasceu a partir do comentário em uma postagem do amigo de “Belzonte”, Luiz Otávio. Na grande rede social da atualidade, postava ele a foto da página de um livro de poemas nacionais, herdado do pai... Não, o tema não é poema, e muito menos os dedicados à pátria, tão amarrotada nesses dias, mas sobre livros. Na contra-mão com Marco, lá na Alemanha, e na janela mais abaixo, onde a conversa flui em tempo real, falávamos, ele sobre sua paixão pela tecnologia, eu pela aversão a celulares e tais. Ele a paixão pelos I-Pad e eu pelos alfarrábios, seu cheiro, seu contato que me parece menos frio e mais romântico...
O comentário na postagem de Luiz Otávio foi este: “Serei sempre dos alfarrábios, são eles que me encantam com sua grafia já há muito adulterada, seus tipos de letra fora de uso, seu amarelado, quebradiços e de pequenos cortes, sua história pessoal além da que as letras contam, essas suas "rugas" sempre a me impressionar... Em que mãos estiveram, quem os folheou sem ler, e os que o leram, o que sentiram, o que acharam, a quem essas jóias pertenceram, em que momento foram deixados de lado...” 
 
E assim de fato é, a mesma paixão que Baratta, amigo de Sampa, tem pelos discos em vinil, o gosto talvez por uma época que não existe mais. Se o livro é meu, o grifo, faço anotações, e no caso de um de poesias do Leminski, chegava a escrever algumas ali também, e mesmo numa ousadia petulante, a completar e continuar versos... Se o livro é de biblioteca ou de amigos, as vezes me dá pena que não seja meu para poder grifar-lhe o que aqui e ali me agradou.
Até gosto quando o livro vem de um sebo e tem uma ou outra anotação ou grifo, mas no caso das bibliotecas abomino o procedimento. Como as pessoas podem confundir assim o público com o privado? Se o livro não é seu, não grife, não escreva, não dobre, não use a orelha como marca páginas.
Um dos que leio atualmente, a pessoa que o leu antes grifou as palavras que não conhecia; fico a imaginar quem seria, um estudante ginasial? Alguém que pouco leu? Afinal, palavras como “inveterado, impingiram, hirto e correligionários (sim, estou com o livro ao lado), entre outras, não são assim tão desconhecidas, acredito.
Um dos arrependimentos que trago comigo é ter me desfeito de um exemplar de 1952, em papel jornal do “Os miseráveis” de Victor Hugo. Ter a última edição, em dois volumes, da Cosac&Naif em nada me alivia. Aquele já não tinha capa, o papel amarelado, as folhas grossas; e a introdução e tradução de Afonso Schmidt ainda me vêm à lembrança a cada vez que falo nessa obra. Alguns cadernos já se soltando, agarrando-se bravamente à linha tão amarelada quanto suas páginas. Fui, dentro dessa argumentação, “convencido” a jogá-lo fora. É, fui covarde...
E as dedicatórias? Ah, já escrevi sobre elas aqui mesmo no blog, e continuo a adorá-las; um livro, um disco, ficam a meus olhos muito mais saborosos com elas. E isso não dá para transferir para formatos mais frios, muito embora já tenham existido “depoimentos” no finado e bem enterrado orkut. Nesses formatos novos, também não dá para colocar uma flor que se ganhou entre as páginas, para anos depois a redescobrir ali, seca e ainda com algum aroma, é, sei que se corre o risco de estragar a página, mas de qualquer maneira esse costume também já saiu de uso.
E é por isso que mesmo escrevendo aqui com carinho, e sentir cada comentário como um carinho recebido de volta, ainda assim são as letras impressas no papel as minha preferidas, por isso que apesar da demora na fila quando lancei o primeiro livro, fiz questão de escrever para cada um uma dedicatória diferente. E aos que foram ao lançamento, também um desenho, como uma forma de agradecer o carinho e atenção que tiveram.
E como o texto já se adianta, fico por aqui. Paradoxo: obrigado por ler, seja no micro, no celular ou em qualquer outro suporte!

Foto: Luiz Otávio Pereira




17 comentários:

  1. Tenho o mesmo pensamento..rsrsrs:
    "...se o livro é de biblioteca ou de amigos, as vezes me dá pena que não seja meu para poder grifar-lhe o que aqui e ali me agradou...."

    Alex Araujo

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    1. Pois Alex, uma pena que as pessoas não pensem assim, na Unifesp tinha um aluno da enfermagem que não apenas usava marca texto nos livros, como escrevi versículos bíblicos nos livros do acervo, e pregações de conversão à sua religião, isso em livros públicos. Até se descobrir quem era o usuário o estrago foi grande!

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  2. Hirto eu também grifaria... rs tenho um problema, não gosto de livros... digitais, alfarrábios.. quem sabe agora que Bianquinha gosta tanto deles eu adquira esse gosto! Bjokas

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    1. rsrsrs. Uma ou outra assim é normal Carol, o problema são tantas e tantas, em um livro que não é de literatura assim tão fácil. Ah, a Bianca vai te fazer pegar gosto sim!!! Beijão!

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  3. Pois eu já acho que nunca devemos fazer anotações em livros, sejam nossos ou de bibliotecas. Na verdade acho que os livros nunca são nossos. Eles permanecem conosco por um período e um dia serão de outra pessoa.

    Adriana Lima

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    1. É, cada um com um pensamento, eu se o livro é meu, gosto e faço, e também gosto de ver algumas anotações nos livros que me vem de sebos ou pessoas (como disse no texto). É a forma de ver como o olhar de outro viu aquilo que agora leio...
      Sim, concordo os livros pertencerão a outros, ou irão para o lixo, assim como móveis, objetos, plantas e mesmo animais e imóveis. Tudo é transitório.

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  4. Parabéns pelo texto, Djair! Maravilha! Estou honrado por você ter usado minha foto para ilustrar o texto e por me mencionar nele.
    Concordo com você que os livros são apaixonantes. Até há alguns muitos anos, eu estava com mania de colecionar os livros que já havia lido. Consegui guardar comigo apenas os que consulto sempre e os que têm mais probabilidade de serem consultados um dia. O seu livro, do qual gostei muito, ainda está comigo, mas chegará o dia em que ele e outros serão doados a pessoas ou a instituições bem escolhidas, para que tenham chance de serem lidos por muita gente. Abraço do LUIZ OTÁVIO DE LIMA PEREIRA (de BH, ou de Belzonte, ou de Belorizonte).

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    1. Obrigado pelo comentário Luiz! Fico feliz em saber que gostou do meu livro, ainda não consegui desapegar-me tanto dos meus, e ainda os preservo, quem sabe no futuro realizo o sonho de abrir uma biblioteca comunitária numa área rural... :) E mais uma vez obrigado por ter cedido a foto! Abração

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    2. Eu também já tive esse sonho de criar uma "biblioteca comunitária numa área rural", como você disse. Fiquei planejando local, estrutura, pessoal para cuidar, despesas, etc, etc... Desisti. Cheguei a pedir aos amigos e conhecidos que me doassem os livros que liam. Doei para pessoas isoladas, escolas, blibliotecas que ja existiam... Para coisas desse tipo, costumo consolar-me com algo que li ou escutei não sei onde, de que "O possível é uma boa medida para ser feliz".
      Luiz Otávio Pereira

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    3. Excelente frase Luiz, uma bela filosofia de vida. Bem, penso eu um dia ir viver na área rural, um sítiozinho pequeno que eu dê conta de cuidar, e nele a biblioteca. Por hora sonhos apenas, se não, um dia acabo por doá-los também, como já fiz com vários, mas não os mais queridos. rs

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  5. Também prefiro livro de papel nos quais posso fazer anotações, sempre a lápis, pois tenho o costume de trocar livros nos sebos. Recentemente adotei o suporte eletrônico para me aliviar do peso dos livros que carregava comigo (pelo menos dois) pra ler no metro, no ônibus etc. Mas na minha cabeceira só livros de papel, os únicos que posso ler com todos os meus sentidos.

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  6. Desculpem-me os ambientalistas,sustentáveis,mas ler em papel impresso é fundamental,é mágico;coisa que nenhuma tecnologia conseguirá apagar.Não há nada mais lindo você adentrar numa livraria,pegar um livro,o cheirar,o folhear e levá-lo para casa...Perfeito!!!

    Beijão,Dja!
    Dani

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  7. Em primeiro lugar, Djair, obrigado pela citação meu irmãozinho. De fato, eu com meus livros, voltei a ler com mais entusiasmo agora, sempre estou grifando onde parei, tenho o costume de pelo menos terminar um parágrafo e marco onde parei. Os discos, aí eu já sou meio chato, rs. Só pego disco assinado quando a assinatura não agride a essência da capa, ou contra capa, ou encarte, já vi disco assinado até no selo. Mas uma vez vi um texto pela net que falava de nós colecionadores de discos e chamavam a gente de BOLHA. Aliás, o autor se denominava um bolha. E tinha a parte da dedicatória. Ao pegar um disco assinado o bolha sentava em uma poltrona e viajava nos pensamentos: Quem foi o antigo dono desse disco? Onde morava? rs. Pois é, a coisa é meio assim com a gente mesmo. Excelente texto Djair, sou seu fã.
    Abraço do Baratta

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    1. Valeu Baratta!!! Adoro esses comentários que enriquecem tanto a postagem ao contar sua própria experiência. Obrigado mesmo querido! Abração.

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