Hoje, sexta feira da quaresma, segundo a igreja católica não é dia
de comer carne, ainda que, a cada dia, creia menos em religiões e em seus
dogmas, mas gosto dos ritos, gosto da tradição e por isso ainda mantenho
algumas, a de não comer carne vermelha às quartas e sextas-feiras da quaresma -
período de 40 dias que se segue após o carnaval, tendo inicio na quarta-feira
de cinzas e que se conclui com a páscoa cristã, ou mais exatamente à
sexta-feira santa. Não devia fazer tanta explicação ao leitor, sobretudo quando
escrevemos a partir do maior país católico da atualidade e que tende a ampliar
ainda mais seu eleitorado, ops, seu rebanho, por assim dizer, com o novo papa,
eleito há poucos dias e que deve superar a todos os antecessores em
popularidade e efeito midiático.
Bem, não se comendo carne vermelha resta-nos o quê? Aves, ovos e
peixes... E é sobre este último o texto de hoje.
Creio que o mais saboroso deles tenha sido em Calhetas, praia
estreitinha, de azul inebriante que se funde com o do mar, em Cabo de Santo de
Santo Agostinho, próximo a Recife. A imagem daquele peixe, que não sei qual
era, grelhado, enorme, crocante, me faz salivar. Mantêm-se viva há pelo menos
duas décadas, época em que aquela praia ainda era pouco conhecida e
frequentada. A imagem vívida do peixe traz também a comicidade de um garçom,
rapaz simpático que na mesa vazia, ao lado da minha, serviu uma cerveja a seres
invisíveis, em dois copos. Volta e meia, entre eu e mais dois casais, os únicos
no bar, ele vinha e bebia um gole, na certeza de disfarçar a escapadela para
bebericar um pouco.
Grelhados saborosíssimos eram também os tambaquis do São
Francisco, em Penedo, AL. Servidos sobre rodelas de tomates e folhas de alface,
num quiosque improvisado à beira do rio. A única coisa desagradável era o som
dos boçais que estacionavam seus carros e colocavam o som em último volume numa
refrega titânica. Mas isto já esta descrito nas postagens sobre Penedo, assim
como os pargos fritos de João Pessoa estão no texto “Jampa”, aqui mesmo neste
blog, então quem se interessar, é só utilizar o botão de “pesquisar neste
site”.
Aqui em São Paulo ultimamente virou moda o tal pangásio, peixe
asiático, importado do Vietnã... É, com uma costa deste tamanho e rios em tal
abundância, importamos peixe... Mas este é realmente saboroso e desbancou a
merluza, que em geral evito.
Há uma semana, em Teresina, um delicioso filé de pescada amarela,
grelhado e depois coberto com molho de camarão e servido na telha quente, já me
desperta saudades, as mesmas que sinto em relação a Júnior e Marconi que me conduziram.
Em Ubatuba, na última semana de junho, acontece a festa da tainha,
que termina no dia 29, dia de S. Pedro, padroeiro dos pescadores - olha a
igreja católica aí de novo gente!!! - e que o leitor leia isto com entonação de
puxador de samba enredo. Foi de lá que passei a fazer o tal peixe, que ali é grelhado;
faço ao forno, assado em folha de bananeira e recheado de farofa. Infelizmente
hoje a coisa se profissionalizou por lá e ganhou espaço próprio, quando nos
primórdios era feito na própria ilha dos pescadores - onde ficam as peixarias
mais antigas e o mercado de peixe - pelas mulheres daqueles, portanto mais
rústico, mais improvisado, mais gostoso.
Já em Toledo, PR, o negócio é file de tilápia, fresquinho, frito e
servido nos pesque-pague com a polenta também frita, crocante, de amarelo
clarinho, querendo disputar o tom com a cerveja. No sítio do Sérgio aprendi a fazer o filé e a defumar o peixe,
que segundo ele era o melhor depois do dele, pois como eu não era de lá e não
ia concorrer ele me havia ensinado todos os truques para deixá-lo mais
perfumado e com aspecto caramelado, entre outros segredinhos que não devo
revelar, embora em tempos de internet todos descubram facilmente técnicas e
maneiras.
Herculano, que ama pescar, em várias de minhas idas a Minas nos
brinda com peixinhos, frutos de suas pescarias ou do tanque onde ele mantém em
engorda aqueles que pesca e ainda não tem tamanho apropriado para consumo.
Comemos fritinhos, bem torradinhos no fogão a lenha da roça, com limão, colhido
do pé naquele instante. É de lamber dedos...
Na casa do beato José Maria, o peixe em geral é feito no forno e
quando está quase assado é regado com leite de coco. Pelo menos foi assim que
comi lá: corvina e pargo de primeira.
No boteco do pescador, Frávia e eu devoravamos corvinas fritas, e como apenas eu comia a cabeça do peixe, passava horas nessa lenta e prazeirosa ocupação. Com as mãos, sem me importar se o copo de cerveja ficara engordurado ou não, apenas em saborear o prato, mãos lava-se depois.
Quando Sílvia era diretora da Cinemateca fomos conhecer seu
apartamento, que estava à venda e que acabamos comprando. Na resolução da
compra,com certeza, teve peso o salmão com mel e mostarda, que nos foi servido
de almoço, e que depois comprovei ser excelente tempero também com filé de
pescada. Aliás, ali não era o caso, mas porque parte da classe média - e suas
serviçais - insistem em falar “salmón”? Alguém explica?
E, como o texto não obedece à sincronicidade do calendário dos
acontecimentos, demos então um pulo para mencionar as famosas (e deliciosas) sardinhas de Lisboa, na brasa, comidas com vontade
em Alfama e ao som do fado... Ai, ai... E os carapaus, como o da foto ao lado, prestes a ser devorado por nosso tatuado vizinho? Para não falar dos bacalhaus que comi
de todas as formas durante os vinte e poucos dias passados ali, abandonados
apenas para provar o delicioso leitão, e na ocasião da feijoada que fiz em casa de Verónica (e antes que me corrijam os puristas em bom Portugues angolano o acento é de facto o agudo e não o circunflexo, ô pá!); e no
jantar em que Vitor nos levou a um restaurante brasileiro... Mas o bacalhau com
batatinhas tio João, produzidas por ele na quinta da Serra da Estrela e feito
com capricho e carinho por Maria dos Anjos, “mullher a dias” de Fernanda, se
não fosse citado eu mereceria ser levado por Hades ao ínferos agora mesmo.
E o saborosissímo Muzunguê, feito por Verónica? Prato típico de Angola que leva óleo de palma (semelhante a nosso dênde), peixe seco, peixe freco e que se come com pirão, mandioca e batata doce? Delicíosamente revigorante. E que nos foi explicado era servido ao final das festas para repor a energia gasta durante os bailes e não raro se começava tudo de novo. Foi mais ou menos assim a feijoada foi seguida pelo muzungue e o que começou as dez da manhã adentrou a madrugada e as duas deixamos os demais, que não sei dizer a que horas partiram.
No aniversário do Marcello, final dos anos 1990, ele resolveu
fazer um churrasco. Naquela noite memorável, conheci Mamoro, amigo dele, que
tinha acabado de chegar do Japão; papo vai, papo vem, falou-se em sushi,
sashimi e Mamoro, ao tomar conhecimento de que eu apreciava essas comidas,
abriu-se em um enorme sorriso e confessou: tinha levado sua faca de filetar
sashimi (fugu
hiki) e também meio atum e
meio salmão, fresquinhos, escolhidos por ele mesmo no Ceasa... Só que ninguém
gostava e então ele nem tinha feito. Levou-me na hora pra cozinha, tirou facas,
peixes, shoyo e wasabi. A festa ganhou nova temáticae mesmo Marcello, o
aniversariante, que nunca tinha comido e não gostava, ao ver-nos a gana falou:
“_Meu! vocês estão comendo com tanta vontade, que eu vou experimentar esse
troço aí.” Foi o que bastou. O peixe acabou e Marcello aprendeu a gostar de
sashimi. Tá vendo como é fácil fazer um japonês feliz?
Em Floriano, PI, era delicioso o escabeche servido no Flutuante,
mas o último que comi decepcionou e há anos não volto a ele. Mas já falei em
outros textos do melhor escabeche do mundo, no Alô Brasil em Parnaíba, como
também falei das piabinhas fritas no flutuante do encontro das águas (Rios Poty
e Parnaíba) em Teresina, então, “borá” adiante que os peixes são muitos e o
texto se alonga - hora de encerrar antes de cansar quem chegou até aqui.
De onde vem este gosto pelos peixes? Talvez da época de minha
gestação durante a qual, vindo minha mãe a São Paulo visitar meus tios, como
conta, enjoara no avião e não suportara a comida do hotel em Santos. Indo à
casa de meu tio Lourival, então à época o “tio pobre” - e esta história também
está já citada no blog em textos antigos - meu primo Nilton chega com uma
“enfieira” de cascudos (ou caris) voltando da pescaria no rio. Com eles, tia
Maria fez um cozido, a comida mais deliciosa que minha mãe jamais comera. Já
era eu dentro dela a aprovar a comida de tia Maria Klaus? É bem possível!
Fotos: Djair - Prato em porcelana – Enguia
- Museu de arte antiga de Lisboa
O carecão, vizinho de prédio, almoçava abaixo de nossa janela, à rua dos
correeiros em Lisboa. Belo peixe.
Verónica prepara o Muzungue.
DJAIR
ResponderExcluirque fome!!!!
quero comer peixe!!!!
bjs
Ritinha
Hummm, deu água na boca...
ResponderExcluirQue texto gostoso de ler. Quando acabo fico babando. Não como carne na quaresma também, minha mãe me ensinou e até hoje faço de boa.
ResponderExcluirMinha tia faz um pacu assado maravilhoso e esta semana na quarta feira estava inspirada e fiz uma bacalhoada, e me perguntaram já? Sim e o povo se acabou. Bem é isso.
Carminha
adorooo peixeeeeee :)
ResponderExcluirALAN COSTA
Oi Dja!
ResponderExcluirQuando iremos repetir aquela corvina hummmm! Bem fritinha hein, adorei o texto só para variar. bj Frávia
Amo peixe!
ResponderExcluirGosto de todos os jeitos:assado,ensopado,frito..Amo cação,sardinha,tilápia,merluza,corvina,salmão..Olha,sou uma tragédia em escolha de alimentos,mas,em peixes,sou especialista.rs
Beijão,Djair!Dani.
Ai que delícia, ai que fome!!!! Comeria um pouco de cada um desses seus peixes... rsrs
ResponderExcluirbjs