Esta semana,
ao compartilhar uma charge que dizia: “como assim? não se ganha livros de
Páscoa?”, me voltou a dúvida atroz que sempre tenho quando quero presentear
alguém com livro ou disco (CD, DVD, que seja para assim para os mais puristas).
A dúvida é: abro e escrevo uma dedicatória, ou mando embrulhar para presente,
intacto e com selo de troca?
Eu por mim
prefiro ganhá-los com as dedicatórias, mas isso torna-se cada vez mais inusual.
Parece que o importante é que o outro possa trocar por aquilo que mais lhe
caiba ao gosto. Afinal, muitos que leem, leem apenas o que está na lista da
revista classe média, os best (será
de besta?) sellers ditados pela
modinha - e olhe que conheço um monte de gente assim, que se diz moderna,
descolada, alternativa e que compra livros escolhidos pelo catálogo da já
citada revista ou porque todos estão lendo. É certo que não é porque você
gostou de determinado livro e por isso quer compartilhar aquela prosa (ou
poesia), que o outro vai se interessar por ela.
Mas voltemos
às dedicatórias, tem coisa mais deliciosa? Lembro-me de várias, em livros que
ganhei e que o tempo, as mudanças e as pessoas que os pegaram emprestado,
tiraram de mim. Sinto mais pelas dedicatórias que pelos livros, já que estavam
devidamente lidos, mas os gosto de manter junto a mim, de compartilhar
emprestando a amigos que em comentários dizem: “_Ah, não li, você tem?” E por
gostar do que ali está, e assim, acabamos por manter muitos, em detrimento de
ações como da Eliana Asche e o grupo da Escola de Sociologia e Política que os
espalha por ruas e praças, ofertando a transeuntes, passantes desavisados e
pessoas que têm vontade de ler e muitas vezes não têm acesso.
“A queda para
o alto”, de Anderson Hezer – codinome de Sandra Mara Herzer, que deu origem ao
excelente “VERA”, filme de Sérgio Toledo, ganhei de Marta, em 1985, ano em que
namoramos, ano do primeiro Rock in Rio, ano em que morreu Tancredo, ano que em
Floriano se ouvia Belchior na Palhoça da tia Chica enquanto tomávamos
caipirinha feita pelo Josfran ou pelo Abdias. Pois bem, emprestei o livro a
Valdênia e nunca mais o vi. E se não guardo à cabeça a dedicatória feita,
guardo a imagem das enormes letras, bem desenhadas em canetas verde, azul e vermelha.
“Chatô Rei do
Brasil” ganhei de Chico, emprestei ao Arivelson Feltrim, e se não se
envergonham de não devolver livros, não vou envergonhar-me de dar nome aos
bois. Ganhei de Xico, que insistia que seu Chico fosse com “X”. Talvez porque,
como colocou a descoberto na edição de domingo último do Estadão, Humberto
Werneck, “(...) Chico pode ser tudo isto: bolinha; mico ou macaco doméstico;
sujeito fingido ou mentiroso; menstruação; uma dança; comandante de marinha
mercante...” Mas enfim, o livro se foi e da dedicatória lembro-me do final, que
encerrava a frase do biografado: “Ser prudente é acima de tudo ser medíocre.”
Outra que me
recordo com carinho é a do livro “O Mandril” de Zulmira Ribeiro Tavares, onde
ela colocou na página de rosto, ao dia do lançamento: “Não se importe com a
cara feia do mandril, ele está louco pra fazer amizades”, numa referência
direta ao desenho da capa.
Quando Zi me
deu “Chic-érrimo”, da Gloria Kalil,
colocou na dedicatória: “Pro querido Djairzinho, para que fique mais
fresquinho”, em recordação a meu apreço pelo cerimonial em certos casos,
frescura que assumo, pois se ofereço um jantar, almoço ou lanche, que a mesa
seja bem posta. Além do fato de se comer primeiro com os olhos, é um carinho
aos convidados: essa coisa de comer doce na colher não é comigo, vai bem e
aceito de boa na casa dos outros, mas eu prefiro fazê-lo “comme il faut.” E assim encerra-se a
questão da frescura com um bom termo em francês.
Outros tantos livros ganhei, sem
dedicatórias, os livros bons, o carinho grande, mas se tivessem tido a
dedicatória, com certeza seriam melhor e mais bem lembrados, como estes já
citados o foram. Das que escrevi, já não lembro, o momento foi único e a
mensagem que quis transmitir naquelas ocasiões também, e mais valeram talvez
que o selo de troca. No entanto, hoje sinto-me constrangido a fazê-las, não cai
bem talvez, pode parecer que o livro já foi usado, como se isso tivesse alguma
importância. Pelo menos para mim, não tem. Mas o que esperar em tempos em que
se faz amigo secreto e se pede diretamente o que se quer ganhar, incluindo
tamanho, cor e textura? Eu prefiro correr riscos, embora já não participe de
tais brincadeiras, evitando-a sempre que posso, até por que... se o amigo tem
que ser secreto é sinal que não é amigo, é apenas uma pessoa com a qual se
convive, o que é bem diferente.
Mas voltemos às dedicatórias, uma vez que é
o tema e acabou de ocorrer-me que em tempos de redes sociais, câmeras digitais
e compartilhamento de arquivos, algo mais se perdeu... A fotografia que se dava
a alguém. Em papel, com dedicatória no verso... Uma foto de Izaura, lembro bem,
trazia na dedicatória o verso: “O nada vem do longe, o longe é uma miragem. Tá
aí a minha imagem.” Outras tantas estão nos álbuns que tenho gosto de folhear e
rever, assim como sinto prazer em manusear livros de papel em tempos de “the
book is on the tablet.”
Palavras escritas a mão me atraem, além da
dedicatória no “Leon Hirszman - o Navegador das
Estrelas”, sua autora, Helena Salem, me enviou o convite para o lançamento com
um carinhoso apelo: “E o livro ficou pronto. Gostaria muito de contar com sua
presença.” Como recusar um convite com esse tom? Guardo o convite dentro do
livro.
Mas segue a
questão... O selo de troca ou a dedicatória? Insisto ou desisto?
Foto: Djair - Fernando Pessoa - Homenagem ao Escritor em frente à casa que nasceu - Lisboa - Portugal.