quinta-feira, 24 de janeiro de 2013

Carrinhos de areia


 Devia ter então por volta dos 8 anos, meu irmão uns quatro, a casa de quintal enorme tinha nos fundos um barranco, onde gostávamos de brincar. Na véspera, à noite, ao chegar do trabalho, meu pai tinha nos trazido, para cada um, duas miniaturas de carrinhos, de metal, coloridos; ficáramos encantados, os meus, um vermelho e um branco, os de meu irmão um amarelo e um negro. No dia seguinte, brincávamos junto ao barranco, fazendo estradinhas, desenhando uma cidade imaginária como é, ou pelo menos era, comum às crianças que brincam com carrinhos em espaços suficientes para que a imaginação crie estradas, pontes, viadutos, postos de gasolina e por aí vai...
Não sei por quê, tivemos que sair, acompanhando minha mãe; não lembro onde fomos, recordo apenas que ali mesmo deixamos os tesouros de então, os preciosos carrinhos...
Ao voltar, eis que um pedaço do barranco havia caído e, no desmoronamento, cobriu estradas, construções e... os carrinhos. Revolvemos praticamente tudo em busca deles; nunca os achamos, mas nunca deles esqueci, volta e meia me vêm à lembrança. Possivelmente alguma criança da vizinhança ali entrou e os levou, e derrubou um bom pedaço dos montes de areia que ali se formavam – naturalmente para ocultar o crime.
 ***
 Naqueles dias, seu Leôncio (nome que está em extinção, assim como Carmela, Bonifácio e outros), resolvera reformar a casa, e em frente a ela abrigou um enorme monte de areia. Todos nós, meninos da Rua dr. Euzébio de Brito, fizemos festa; tínhamos ali mais um local para brincarmos – a areia grossa, que devia estar meio molhada, nos proporcionava cavar túneis além das estradinhas; era tudo o que queríamos: o imenso monte, que esperou dias pelos pedreiros, era nosso lazer. O monte inteiro virou uma autoestrada, sem que soubéssemos o que era isso, mas dada a quantidade de viadutos e construções faraônicas combinava bem com as que eram lançadas à época, Itaipu, Transamazônica, Rio-Niterói... Seu Leôncio não se importava, pedia apenas que não espalhássemos a areia além das madeiras e tijolos que cercavam o monte no sentido que a rua descia. E ali estávamos a brincar quando veio uma chuva dessas de verão, sem muito aviso e, enriquecendo as brincadeiras, proporcionou a construção de represas e transformou cadernos velhos em barquinhos. E a brincadeira enriquecida continuava, não havia medo de gripes ou constipações nasais; naqueles tempos, as mães nos deixavam tomar banho de chuva, nos esperando depois com toalhas secas e direcionava-nos ao banho de fato, para livrar-nos de resfriados e sobretudo das areias pelo corpo. Antes que pudéssemos ir direto à merenda da tarde. Era a felicidade plena que se afastaria um pouco com o crescimento e que agora se chama saudade.


Foto: Djair - Fundos de um dos quintais da casa de minha mãe.

14 comentários:

  1. Bem interessante o texto. Lembrei até das férias com meu afilhado. Tomamos banho de chuva e a mãe dele gritava que no outro dia ele ia ficar doente. Estas crianças do texto viveram. Meu afilhado com 5 anos não sei........Parabéns pelo texto

    Carminha

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  2. A Djair, suas lembranças sempre me trazem outras tantas...
    Lembrei-me de quando era criança, e começaram a construir casas na minha rua, que, por sinal, não tinha ainda asfalto. Um monte de crianças a brincar em montes de areia. Certa vez, lembro-me de ter acabado de tomar banho, minha avó vinha nos visitar. Eu, toda cheirosa, esperava a visita, enquanto os meus amigos ainda brincavam ali, nos montes de areia. Minutos que pareciam uma eternidade... Não pensei duas vezes... Lá fui eu para os montes de areia, brincar, sem medo de ser feliz.
    Adriana

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  3. Oh! que saudades que tenho
    Da aurora da minha vida,
    Da minha infância querida
    Que os anos não trazem mais!
    Que amor, que sonhos, que flores,
    Naquelas tardes fagueiras
    À sombra das bananeiras,
    Debaixo dos laranjais!



    AH!!!! que nostalgia bateu agora, Djair!!!!só vc pra nos remeter nessa adoravel volta no tempo!!!!!



    Alex...Araújo

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  4. Lindo texto, Djair! Gostoso de ler. Quem é que não se viu nas cenas de infância que você descreveu?
    Abraço,
    Luiz Otávio Pereira

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  5. Cara, demais... me recordei dos tempos em que eu puxava um caminhãozinho de bombeiro pelo estacionamento do condomínio onde moro... assim como das brincadeiras na praia... muito bom!

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  6. Grande Djair, seu texto me trouxe várias lembranças, se eu falar de todas aqui me extenderei demais, rs. A primeira é justamente dos (carrinhos de ferro) como eu costumava chamar. Não sei que fim deram os que passaram pela minha vida, mas numa, não injustificável atitude de compensaar os que eu não mantive, hoje compro, se não um por semana, um por mês, assim fazendo pouco a pouco a minha (frota) que vem aumenando pouco a pouco.
    Sou um filho do asfalto, minha casa não tinha quintal, então, restava-me brincar no sofá da sala. A cama não era o lugar ideal por conta do lençol e suas ondulações. Eu brincava mesmo era no sofá, e... num péssimo exemplo de má hospitalidade, mandava as visitas sairem do sofá pois eu estava brincando. Como eu era sem noção. Ainda sobre carrinho, um dos presentes de natal que eu não me esqueço foi justamente um carrinho, um caminhãozinho de guincho dado por um tio e o jeito como ele me disse: Olha, o Papai Noel do tio tá meio ruim esse ano, mas... isso me comprou, eu devia ter uns 4 ou 5 anos, mas o jeito como ele falou deu a ele o título de Tio que eu mais gostava. Faleceu uns anos atrás.
    Agora a lembrança que minha mama diz até hoje, é que ela não pode ouvir a canção Amigo do Sol, Amigo da Lua: Criança presa ê.
    Ela diz: Você não tinha quintal pra brincar. Me comovo com essas coisas bicho. Um super abraço meu irmão.

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  7. Esse texto trouxe-me à memória a rua da minha infância, onde fiz mtas represas com barro que descia e colocávamos barquinhos de papel. Hoje infelizmente a criançada não sabe o significa isso na perspectiva do brincar.

    Gina Guimaraes

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  8. Seu texto me fez lembrar da minha infância.
    Mudamos para uma casa que tinha um quintal bem grande, eu e minha irmã encontramos um carrinho velho, sem rodinhas.
    Demos o carrinho para o filho da vizinha, o Zé. Afinal nós éramos meninas né.
    Eis que o Zé arrumou rodinhas para o carrinho, e lá foi ele todo pimpão brincar na rua com o carrinho. Ao vê-lo brincando eu e minha irmã fizemos a asneira de dizer: - O Zé roubou nosso carrinho.
    Foi uma das piores surras que levamos da mãe. E com razão.
    Bons tempos!!

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  9. Rapaz (ouça esse vocativo com a malemolência peculiar aos da banda de cá, rsr), seu texto me trouxe uma lembrança dorida. Como minha mãe alisava nosso cabelo a ferro quente, sempre tive inveja das crianças que brincavam na chuva. Esse gosto eu só tive depois de adulta, e ninguém podia entender o meu inexplicável riso histérico, quando, pela primeira vez, experimentei aquela aventura. Liberdade tardia, mas, antes tarde... Beijos.

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  10. Lindo texto. "eu era feliz e nao sabia"... junto ao "Meu pé de laranja lima", reminiscências dos quintais. Quantos banhos de bica, quando chovia! Entao, a lama era 'antibiotica' e os projetos/sonhos protegidos por quem nos amava 'muleques'. O cio dos gatos no telhado ainda povoam nossas paixoes - raaaasga! o que da criança alimenta o adulto, ou como adulteramos os sonhos de infância. Obrigado por lembrar-me. No presente o tempo urge e às vezes esconde a origem do desejo.

    Chico Terto

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  11. Não há algo mais lindo,mais límpido do que a infância.Tudo o que você precisa,seu mundo,ali,naquele pequenino espaço.
    Ah,o olhar lúdico da alma..Ah,o não sofrer do corpo..Ah,o não penar do espírito..Ah,o não sangrar do coração..Tempo de inocência..Tudo,tudo é recordação.Mas,temos que crescer e,consequentemente,temos que nos tornar sérios,pesados..Decidi que NÃO!Não quero sufocar a criança que habita o meu coração;minha infância,se faz presente aqui.

    Lindo texto,Dja!Doces recordações de um mundo encantado.

    Beijão!Dani.

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  12. você descreveu de uma maneira que dá até um aperto no coração!!!infância é isso,pelo menos para nossas gerações...pé no chão...brincar na areia,com carrinho ou até mesmo com personagens imaginarios!!!saudade...é também tenho muita...
    abraço!!!

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  13. lembrei de quando era criança e fazia o mesmo na casa da minha avó!!!!

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  14. "Água de beber
    Bica no quintal
    Sede de viver tudo..."
    (Fazenda - Nelson Angelo)

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