“Quando
se instalou em Antares a primeira usina elétrica, Xisto Vacariano,
sentado à cabeceira de sua mesa à hora do jantar, disse aos filhos:
“(...) O avô de vocês vivia muito bem se alumiando com lâmpada
de óleo de peixe e vela de sebo. A máquina mais complicada que ele
conhecia era o monjolo. Para mim, lampião de querosene ou acetilene
já é luxo demais. Ninguém me convence de mandar botar na minha
casa a tal luz elétrica. Dizem que esse negócio dá choque, pode
até matar uma pessoa.”
Érico
Veríssimo em: Incidente em Antares.
A
despeito da citação acima, de um dos livros que estou a ler por
esses dias, este post nasceu a partir do comentário em uma postagem
do amigo de “Belzonte”, Luiz Otávio. Na grande rede social da
atualidade, postava ele a foto da página de um livro de poemas
nacionais, herdado do pai... Não, o tema não é poema, e muito
menos os dedicados à pátria, tão amarrotada nesses dias, mas sobre
livros. Na contra-mão com Marco, lá na Alemanha, e na janela mais
abaixo, onde a conversa flui em tempo real, falávamos, ele sobre sua
paixão pela tecnologia, eu pela aversão a celulares e tais. Ele a
paixão pelos I-Pad e eu pelos alfarrábios, seu cheiro, seu contato
que me parece menos frio e mais romântico...

O
comentário na postagem de Luiz Otávio foi este: “Serei sempre dos
alfarrábios, são eles que me encantam com sua grafia já há muito
adulterada, seus tipos de letra fora de uso, seu amarelado,
quebradiços e de pequenos cortes, sua história pessoal além da que
as letras contam, essas suas "rugas" sempre a me
impressionar... Em que mãos estiveram, quem os folheou sem ler, e os
que o leram, o que sentiram, o que acharam, a quem essas jóias
pertenceram, em que momento foram deixados de lado...”
E
assim de fato é, a mesma paixão que Baratta, amigo de Sampa, tem
pelos discos em vinil, o gosto talvez por uma época que não existe
mais. Se o livro é meu, o grifo, faço anotações, e no caso de um
de poesias do Leminski, chegava a escrever algumas ali também, e
mesmo numa ousadia petulante, a completar e continuar versos... Se o
livro é de biblioteca ou de amigos, as vezes me dá pena que não
seja meu para poder grifar-lhe o que aqui e ali me agradou.
Até
gosto quando o livro vem de um sebo e tem uma ou outra anotação ou
grifo, mas no caso das bibliotecas abomino o procedimento. Como as
pessoas podem confundir assim o público com o privado? Se o livro
não é seu, não grife, não escreva, não dobre, não use a orelha
como marca páginas.
Um
dos que leio atualmente, a pessoa que o leu antes grifou as palavras
que não conhecia; fico a imaginar quem seria, um estudante ginasial?
Alguém que pouco leu? Afinal, palavras como “inveterado,
impingiram, hirto e correligionários (sim, estou com o livro ao
lado), entre outras, não são assim tão desconhecidas, acredito.
Um
dos arrependimentos que trago comigo é ter me desfeito de um
exemplar de 1952, em papel jornal do “Os miseráveis” de Victor
Hugo. Ter a última edição, em dois volumes, da Cosac&Naif em
nada me alivia. Aquele já não tinha capa, o papel amarelado, as
folhas grossas; e a introdução e tradução de Afonso Schmidt ainda
me vêm à lembrança a cada vez que falo nessa obra. Alguns cadernos
já se soltando, agarrando-se bravamente à linha tão amarelada
quanto suas páginas. Fui, dentro dessa argumentação, “convencido”
a jogá-lo fora. É, fui covarde...
E
as dedicatórias? Ah, já escrevi sobre elas aqui mesmo no blog, e
continuo a adorá-las; um livro, um disco, ficam a meus olhos muito
mais saborosos com elas. E isso não dá para transferir para
formatos mais frios, muito embora já tenham existido “depoimentos”
no finado e bem enterrado orkut. Nesses formatos novos, também não
dá para colocar uma flor que se ganhou entre as páginas, para anos
depois a redescobrir ali, seca e ainda com algum aroma, é, sei que
se corre o risco de estragar a página, mas de qualquer maneira esse
costume também já saiu de uso.
E
é por isso que mesmo escrevendo aqui com carinho, e sentir cada
comentário como um carinho recebido de volta, ainda assim são as
letras impressas no papel as minha preferidas, por isso que apesar da
demora na fila quando lancei o primeiro livro, fiz questão de
escrever para cada um uma dedicatória diferente. E aos que foram ao
lançamento, também um desenho, como uma forma de agradecer o
carinho e atenção que tiveram.
E
como o texto já se adianta, fico por aqui. Paradoxo: obrigado por
ler, seja no micro, no celular ou em qualquer outro suporte!
Foto:
Luiz Otávio Pereira