Ainda está
vivo e continua sendo um escritor de renome. Sim, laureado, respeitado,
cultuado, famoso; e a quem eu muito admirava.
Coube a mim,
àquela época, ainda não formado, auxiliar de biblioteca, ainda jovem, mas que
respondia por toda parte de referência, a incumbência de atendê-lo em sua
pesquisa, para dar-lhe fundamentação teórica para a série de textos que ele
iria escrever sob encomenda, para uma renomada revista. O projeto levaria
alguns meses e eu animado por tê-lo ali, quem sabe solicitar dedicatória em
alguns de seus livros, trocar algumas palavras, ou até mesmo ideias com o como
se diz: “monstro sagrado”.
Chegou,
pormenorizou com poucas palavras o que necessitava, demonstrando ali todo seu
poder de síntese. Carrancudo... Decerto sentia alguma dor, afinal, a idade a
traz com frequência e essa é causa frequente para os maus bofes que por vezes
acompanham e justificam a falta de educação e cordialidade.
Depois,
apresentou a moça, de beleza comum, simpática na total medida do esforço para
sê-lo. E afirmou que seria ela que viria, ele não tem tempo para isso, “of course”! E assim foi embora. Sem aperto de mão, sem
sorriso, sem agradecimento; ele era um deus, não precisava fazer esforços de
simpatias ou concessões, ser agradável era desnecessário.
A moça ficou. Como eu, um tanto sem graça, e assim continuou nas visitas semanais
por meses que não sei precisar quantos. Trouxe-me uma vez um pão de mel, à
guisa de agrado. O sorriso não curvava linhas no rosto, não alteava suas maçãs
nem lhe diminuía o tamanho dos olhos ou alterava as sobrancelhas.
O escritor?
Nunca mais voltou. Afinal, tinha ido ali apenas para assegurar-se que sua
empregada teria a atenção necessária, sob as bênçãos de sua luz, no tipo de
preconceito que ocorre a uns “grandes”, que acham que apenas eles teriam o
merecimento da atenção e bom atendimento, como se o “ofício” da biblioteca não
fosse um servir prazeroso e interessado ao usuário e à sua pesquisa, onde o
orgulho não estivesse no apresentar, a quem busca, toda a informação disponível
e necessária a seus anseios.
Tomei ranço e
passei anos sem lê-lo. Mesmo hoje, quando leio seu texto semanal no diário de
grande circulação, penso onde estaria aquela cordialidade, alegria e simpatia
dos textos? Tudo bem... Ficção... Ainda assim por vezes me parece um tanto
embaçado. Para alguns tipos de catarata não existe cirurgia ou tratamento.
Foto: Djair - Biblioteca municipal em Alegre - ES.
(Que nada tem a ver com o local onde se passa o "causo")