Assim
como os répteis
trocam de pele
e os pássaros de plumagem,
trocamos de círculos.
Desde as primeiras amizades rompidas na infância, cujo ritual,
simples, exige dedos mínimos entrelaçados para em seguida os puxar
simbolizando um elo rompido, ou indicadores unidos que são cortados
pela mão - em palma - do outro, vemos a simbologia de um corte.
A
exterioridade das experiências trocadas, que compreende jogos
sociais ditos civilizatórios, vai ganhando matizes tênues ou
berrantes cores almodóvarianas, de acordo com nosso próprio
desenvolvimento e paixão.
Os
acordos tácitos aceitados de bom grado – ou à custa de interesses
(sexuais, sociais, profissionais) ou meras simpatias, num momento de
diferente grau de ebulição já não é mais aceitável, muitas das
vezes sequer negociável.
Pequenas
grosserias, como atrasos que se repetem, canos, bolos ou tocos, de
acordo com a gíria vigente, dados em um evento ao qual se programou
e muito frequentemente se deixou de aceitar um novo compromisso, mas
ao qual o outro – esse demônio cuja existência se deve apenas à
necessidade de infernizar nossas vidas - não deu a mesma
importância e desistiu sem dar-se ao trabalho de avisar, pode
anunciar o rompimento do bem estar.
Convicções
políticas radicais, a grosseria nossa de cada dia, seja a da atenção
maior a qualquer um que resolva ligar no celular do interlocutor e a
quem se dedica mais que alguns poucos minutos protocolares - e ainda
assim tenho dúvidas sobre a tolerância a isso – abandonando-se
ali o outro às intempéries do tempo e do espaço, é o suficiente
para quebrar o diálogo, sobretudo se o, até então, agente da voz
ativa, ouve a conversa do outro e verifica que não há mais assunto
ali a ser tratado, e que justifique os maus modos do que lhe está a
frente (interlocutor???) e tenta esticar a conversa à exaustão pelo
simples vício de falar ao telefone. O prazer proporcionado pelo som
, muitas vezes, entrecortado e cheio de ruídos é maior que o da
conversa ao vivo, se notando sorrisos e esgares, enrugamentos de
testa, e todo e qualquer sinal de atenção, ansiedade e interesse
pela conversa.
Watszaap
então, envia direto ao primeiro vale do sétimo círculo do inferno,
o mesmo onde estão as almas dos que foram violentos contra o
próximo.* Se as pessoas ao telefone já se tornam extremamente mal
educadas, que dizer daqueles que à sua frente, mesmo à mesa, seja
de jantar ou de bar, se dedica a trocar, infinitamente, mensagens,
piadinhas e a ver vídeos, que em geral só ele e quem mandou vêem
graça, o interlocutor a essa altura olha para a cara daquele com
quem deveria trocar ideias, ou... palavras, que fossem, já estaria
no lucro; e toma mais um gole de vinho, cerveja, água, ou engole a
saliva que lhe vem à boca a fim de fazer descer o sapo que engole
para não dar um “piti” e romper ali mesmo de forma explosiva o
consórcio de convivência em união pacifica a que se chamou
“amizade”!
Sapo
engolido, ainda se sorri – quem consegue – quando o outro mostra
o vídeo que ele achou engraçado... Ah, as diferenças culturais e
circunstâncias... Ai de nós, tirando a força do útero ou dos
testículos, ainda conseguimos esboçar um trejeito nos lábios e nos
despedimos mais ou menos polidamente sabendo que ali jaz alguma
coisa, e que o descompasso leva ao rompimento mais aqui, mais acolá,
com a recusa a uma nova sessão de masoquismo que seria um novo
encontro.
*Divina
Comédia – Dante Alighieri
Foto: Djair - flor do "Bastão do imperador" - jardim da casa de Ubatuba
Muito bom o texto é bem assim as pessoas vão no lugar. Mas'; elas mesmo estão no celular e outros é melhor não ir. Parabéns Carminha
ResponderExcluirPois é Carminha a má educação anda generalizada...
ExcluirTudo aquilo que nos é exterior,nos desafia em nossa(?) subjetividade.Nos atormenta e nos obriga a reinventar novas formas até de existência,tamanha a força que essa exterioridade nos chega.Há de ter muita transpiração e sapiência pra não querermos jogar tudo e todos no sétimo círculo do inferno,rsrsrsrs.Tô em dúvidas se estamos vivendo no purgatório ou no inferno total e irrestrito,porque tá difícil,viu!!
ResponderExcluirBeijão,Dja!
Amei o texto!!!
Dani.
Pois é Dani, acho que o inferno tem mais círculos do que supôs Dante. rs
ExcluirExatamente assim! gde beijo
ResponderExcluir