quarta-feira, 6 de fevereiro de 2019

Com Pimenta, com Coentro, com Cominho e com Pequi


Hoje, em um dos grupos que participo numa rede social, após a postagem da foto que ilustra o texto, um desabonador comentário foi postado.

“O pequi é igual ao alho, coentro e cominho. É só usar pra estragar o prato e ele virar tudo um gosto só. Quem usa pequi, alho, coentro e cominho não sabe cozinhar.

Bem, quem julga quem sabe cozinhar ou não apenas pelo ingrediente usado, sem levar em conta quantidades, acompanhamentos, harmonizações não merece muito crédito, mas logo uma pequena celeuma se fez, bem, e lembrei-me de ingredientes, pratos, comidas, sabores que fazem parte de nossas culturas individuais, nossas histórias, memórias gustativas...

Foto: Ana Célia Araujo
Quanto ao pequi, quando criança, eu não suportava o cheiro, quando minha mãe o fazia eu saía de casa para não senti-lo. Tenho uma conhecida que do alto de seus quase setenta anos ainda hoje faz o mesmo, detesta a época, pois diz é a época da fedentina, mas, é uma chata, também implica com o cheiro do caju. E maldiz os setembros piauienses... Mas, retomemos os caminhos do pequi em minha vida. Após anos de reclamação, já aí pelos 19 anos, um dia cheguei na casa de uma tia e estavam todos a comer baião de dois com pequi dentro, acompanhado de carne de sol. Comiam com tanto gosto que resolvi experimentar. Nunca mais deixei de aproveitar essa delicia. Nunca cru, como fazia minha mãe, a cortar a polpa e colocar por cima do prato, ou a comer in natura, porém, uma vez em Goiás Velho, pude provar o sabor do fruto no sorvete. Que coisa boa!!! Que delicia era aquilo, o amarelo suave, o sabor, a cremosidade, o perfume... Um sabor para nunca mais esquecer, só batido ali mesmo pelo sorvete de gengibre, feitos ali mesmo na praça de modo artesanal, abaixo do que outrora fora um coreto, numa praça onde velhinhos sentavam-se para prosear tomando a fresca da tarde e onde crianças brincavam sem medo.

Já o coentro era uma coisa que minha mãe tirava do meu prato, eu realmente era uma criança chata, já hoje, não sei fazer uma boa caldeirada ou moqueca de peixe sem ele. Aliás, quando faço caldos, para convidados, coloco sempre várias cumbucas com coentro, cebolinha picada, torresmo e salsa (cada qual em sua vasilha) para que as pessoas possam deles se servir a seu gosto, e quem não gostar que não coloque ou coma calado. E olhe que tem gente que sempre arruma de que reclamar, é a cebola, o pimentão, ou está apimentado, ou o vinho é forte e por aí vai... Uma vez que fiz um peixe em casa e convidei uns vizinhos, isso ainda a morar em São Paulo, as pessoas a comer e o Roberto, um dos convidados, diz-me: Eu adoro peixe assim, mas se eu fizer em casa ninguém come pois dizem que não gostam e aqui estão a repetir e elogiar, pois eu vou passar a fazer assim e vão ter que comer. Risos. Minha mãe o colocava (o coentro) no feijão, depois dele pronto, as folhinhas frescas. Hoje também o faço vez em quando, gosto do coentro mas com moderação, pra mim ele vai melhor no peixe, caranguejo, caldos e no baião de dois.

Quanto ao cominho sempre gostei, e já reclamaram de minha comida também por isso. Não a ponto de dizerem que eu não sabia cozinhar como foi o infeliz caso que nos traz a essa postagem, mas reclamaram. Adorava o arroz da minha mãe com um pouquinho de cominho. Aliás adorava a comida dela, hoje já não tanto. De tanto ficar a beira do fogão porque cada um come uma hora e ela fica ali a pajear os comensais e a preparar o que cada um gosta, perdeu a mão. Tomou a si hábitos que tiram-me o apetite, enfim, uma pena... Mas o cominho... No nordeste do Brasil é um dos principais temperos, e no norte de Portugal também. Há pouco em uma viagem maravilhosa a região do Minho tive o prazer de conhecer o sarrabulho, arroz cozido no sangue de porco, com carnes em separado. A entrada foi um chouriço assado na brasa, ah, que delicia, e o vinho verde, tinto e fresco para acompanhar. Rui, que levou-nos a esse templo gastronômico, onde sequer nome a porta havia acertou em cheio, ao entrar passa-se logo pela cozinha, onde a dona, já viúva, mantém as receitas na cabeça, onde os cabelos competem com a cor branca do lenço comanda sua equipe, no salão o filho a comandar o atendimento. Ah que prazer pode ser maior que boa comida, boa bebida e excelentes amigos? Flávia que dizia não gostar, adorou, e a partir daí já não dispensa a iguaria. Jair que sempre evitava miúdos, sangue, etc., lambeu os beiços e não foi preciso pedir uma cabaça de arroz branco a parte conforme estava previsto. Não vou falar das azeitonas e do pão também à entrada que esses já são por si famosos em todo o país. Mas por cima do arroz de sarrabulho uma farta porção de cominho moído na hora. Mais do que eu normalmente acharia necessário, mas estávamos em Ponte de Lima, que é um pedaço do céu que caiu cá em Portugal, e nada era excesso, nem a comida, nem a bebida, nem a amizade nem os sorrisos. E viva os temperos.