Quando
Balôla faliu, naqueles dias de miserê, naquele calor moroso e sem
avexação de Cezídia, onde só em Macondo, Cuiabá e Teresina se
é capaz de sentir igual, ela vendeu seu aparelho de ar condicionado,
luxo para poucos naqueles idos anos 1980, para Helena, que então
passou a viver na frescura.
A
traquitana é viciante para alguns, já comigo nunca fez sucesso –
irreconciliáveis, não nos damos bem. Se está em um ônibus
interestadual, por exemplo, sempre tem algum acalorado em dias de
andropausa a pedir para deixar mais frio; aprendi daí, a das poucas
vezes que utilizo o meio, a levar comigo uma cobertinha, uma manta,
um lençol, ou o que o valha. Pois valei-me Deus, sou calorento, mas
o frio daquilo me entra pelos ossos, irrita, incomoda...
Por
vezes, em cinemas, já passei frio por aquilo estar num mínimo do
termostato, e me enfureço então não só com os falantes do escuro
que teimam em narrar o filme – embora ele seja sonoro e ainda por
cima dublado.
Em
Maceió, Alagoas, certa vez, foi um inferno em vida as três noites
de pousada na praia de Pajussara, que no seu chiquê, acreditado
pelos donos e pelos que acham o artefato sinônimo de comodidade e
conforto, só dispunha de quartos com o tal ar-condicionado... E eu
insone acordava para desligá-lo e dali a pouco, num calor dos
diabos, acordava para ligar novamente sem conseguir regular a
artimanha do rabudo que deveria também apenas ventilar... Só que
não... Talvez por isso parti antes da data prevista e em Penedo,
nesse mesmo estado, vibrei não só pelo bolo de aipim que a auxiliar
da dona da pousada disse estar a fazer para o café da manhã do dia
seguinte, mas principalmente por ter quartos com ventilador, um
aparelho se também não sou fã, que aceito a brisa de bom grado
quando se faz necessário. Dispensei sem titubear, para o espanto do
hospedeiro, os quartos mais chiques do segundo andar, com seu luxo
friorento. Sabe-se lá se não me consideraram miserável, que isso
pouco me importa, mas acomodei-me no primeiro dos quartos do térreo
– sem o dito cujo. Que dias maravilhosos, que noites agradáveis,
que cidade fantástica!
Uma
época tive um imbecil na sala em que eu trabalhava na qual, graças
aos deuses, todos eles, não tinha ar-condicionado. Já o tal sujeito
vinha praticamente todos os dias com seu perfume doce e um casaco
grosso, pois acalorado que se sentia, tinha que ligar o ventilador,
colocando-o fixo, direcionado a ele e ligado no máximo. À hora do
almoço, tirava o tal casaco e colocava-o no encosto da cadeira e...
não, não desligava o ventilador, saía deixando-o ali, ligado...
Era eu então quem o desligava, já que não fazia sentido algum ele
ali a girar indefinidamente – afinal, o moço também sempre se
atrasava para voltar do almoço. Quando chegava... colocava o casaco
e de pronto punha aquelas três hélices em funcionamento.
Zizi,
que também não é chegado no bicho, indo ao Rio por missão de
trabalho, ficou num hotel cujos quartos todos tinham o tal danado. À
noite, sem dormir com um barulho de goteira –
impossível
de acontecer naquele meio do prédio com vários andares acima e
abaixo – depois de olhar o chuveiro e as torneiras, abre a janela e
verifica... Os tais aparelhinhos, um em cima do outro,
simetricamente, a formar uma fila indiana, desciam por toda a
extensão lateral do edifício... Só então entendeu o recado na
porta: “É proibido colocar toalha em cima do ar-condicionado.”
Bem, para resolver o caso, pegou um copo no frigobar e o pôs sobre o
seu artefato congelante, aparando as gotas que a caixinha de metal
barulhenta de cima teimava em mijar em cima da sua, logo abaixo.
Já no
Riazor, um hotelzinho modesto no Catete, também no Rio, eu achei bem
simpático que o ar fosse ligado da portaria no momento em que se
pegava as chaves, já no quarto bem fresquinho, desligava-o para me
deliciar com a água farta e quente da ducha abençoada pelo
aquecimento central.
Indo há
pouco fazer um eletrocardiograma e exame de esteira
encontrei
a sala geladíssima. Ao
comentar com duas auxiliares de enfermagem que conduziriam o exame
que elas deviam sair dali doentes com tanto frio, elas de imediato
começaram também a amaldiçoar a invenção. Lá,
por ser sistema central, nem
tinham jeito de reduzir
a friagem. Como eu
também não gostasse,
fizeram uma sabotagem: abriram
duas
vidraças
que pareciam lacradas
e fizeram
entrar um pouco do abençoado calor que vinha de fora. Agradeci
a cumplicidade e lamentaram
que tão logo eu saísse teriam que fechar novamente.
É
como diz o Jair: se as igrejas vendessem o inferno como um lugar
gelado, com certeza convenceriam os fiéis muito mais que com as
chamas e os caldeirõezinhos a ferver!
Foto: Internet - Uso livre - disponível em: http://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/c/ce/Air_Condition_Unit_Interior_View_USA.jpg
Delícia de texto. ainda mais porque rolou uma identificação. Eu fico muito incomodada em ambientes artificialmente gelados. Sempre acho que o abuso do ar-condicionado tem a ver com o status que esse aparelho representa.
ResponderExcluirO frio do ar condicionado ou o calor excessivo? Como contemplar alunos que morrem de frio e os que, à mesma medida, morrem de calor? E ao mesmo tempo? Você quer me matar de frio? Estou derretendo de calor.
ResponderExcluirO que fazer? O aluno interrompe a aula para pedir para salvá-lo do horror do ar gelado...
Estando esses dias na Bélgica, fim de verão, imagino: será que ocorre algo assim aqui também, guardando a lógica de ar condicionado quente?
Djair, um abraço. Obrigado pelo texto.