E quando
moramos em Teresina, naquele longínquo 1979, quiseram o destino e a
vontade dela, que minha tia Dacilene, a quem todos chamam até hoje
Daça, vir passar uns tempos conosco. Naquele final de década eu
cursava a sexta série, em uma escola cuja farda era camisa branca e
calça de mescla. À tarde, depois de chegar do colégio, banho
tomado, sentávamos à calçada, à sombra, e por vezes colocávamos
ali a televisão, abrigando-nos assim daquele calor digno de Macondo,
que só García Márquez saberia descrever tão bem. Ali, vez por
outra, um passante parava à rua para assistir ali um pedaço do
capítulo da novela, ali comprávamos o leite por volta das 18:00hsdo
moço que trazia os galões na bicicleta, e os pães e broas, manuês
e bolos que outros traziam em bicicletas ou dos que vinham a pé
trazendo em cestos bolo de fubá, bolo frito e toda sorte de
quitandas. Já era praxe e venda garantida. Na casa ao lado, D.
Raimunda fazia o mesmo, embora sua TV não saísse da sala.
Naquele
final de década, o Flamengo do Rio tinha Zico, e o Flamengo do
Piauí, tinha... tinha... bem, tinha lá seus jogadores. Fui com tia
Daça e Socorrinha, uma de suas amigas, que a mim causava sempre uma
impressão... Forte... O olhar lânguido, os cabelos cacheados e a
pele muito clara que contrastava com o castanho escuro daqueles
cabelos, pequena estatura, voz suave... Bem, fomos a uma das
partidas; como diz minha mãe: se o espirito não me mente e a
verdade não me falha, o jogo era com o Ríver. E fomos de camisetas,
rubro negras, bandeira em punho, enorme, cuja haste era de talo de
buriti, leve e firme.
No
Albertão, eu ainda não conhecia Morumbi, nem qualquer outro
estádio, a imensidão da torcida, toda empunhada com as bandeiras.
No intervalo, refrigerante e coxinha; foi onde vi pela primeira vez
os desenhos da genitália humana, que o populacho reproduz pelas
paredes e portas, muros e onde mais lhes caiba a mão e o giz, caneta
ou pincel, por seu simples desejo ou pelo pouco uso que faz deles,
igualzinhos aos que Pedro Nava descreve em seu “Baú de ossos”,
com a diferença de que ele as vê, se não me trai a memória, no
Maracanã. E surpresa, mas nem tanto, ele ainda menino, eu também,
reconhecemos nas tais figuras a tal tesoura mal desenhada, o
triângulo com riscos que me lembrava apenas o símbolo que tinha na
porta da loja maçônica, não trazendo quaisquer outras
considerações ao menino de 12 anos. Lembro que comentei da tesoura
e minha tia, como o tio de Nava, confirmava que o objeto cortante era
mal desenhado.
Volta à
arquibancada, e que vexame!, não lembro de quanto, só que perdíamos
feio, e nem cheguei a ver que ali estava também meu pai, com uma das
muitas amantes que teve durante a vida; só soube disto por ouvir
conversas depois... Mas antes disso minha tia, a pretexto de que
estávamos mesmo perdendo, chamou-me a ir embora, mesmo sem terminar
o jogo, afinal, a saída era muito cheia de gente e seria complicado,
melhor já ir embora mesmo. E fomos...
Ao
escolher o táxi, já que o jogo ainda não tinha terminado e eles
abundavam à saída do estádio, lembro que escolheram o de um rapaz
bonito; é, tia Daça e Socorrinha eram moças e à época não
consta que tivessem namorados. Além de que, era só pra olhar mesmo.
Pegamos o carro do moço, tia Daça bufando pela derrota me mandava
enrolar e esconder a bandeira que eu teimava em trazer aberta. Pois
bem, bandeira enrolada, entramos no carro e... o tal moço bonito era
um anti-flamenguista ferrenho, ou dizia sê-lo a fim de fazer charme, e assim fomos até em casa
ouvindo o sarro que ele teimava em mais tirar, quando mais amuadas as moças ficavam.
Mas que
foi um belo passeio, isso foi!
Foto: Internet - Estádio Governador Alberto Tavares Silva - "Albertão"
http://folhadebatalha.com.br/portal/?pg=noticia&id=3043
As memórias...estão tão presentes em nós,que configuram um lindo presente cheio de vida,cheio de doçura,cheio de encanto que, nem um dia de 'Flamengo de Zico',nem tão inspirado,conseguiu tirar a ludicidade dessa linda história.
ResponderExcluirBeijão,Dja!Dani.