Tio Louro, foto: Nilton de Souza |
Ele
era o mais velho dos três irmãos.
Em
nosso último encontro emocionou-se muito ao falar de meu pai, de
quem sentia enorme pena não estar junto em seus últimos dias.
Falou-me de como meu pai desperdiçou seus últimos dias por conta do
alcoolismo, de como isso lhe causava terríveis sensações sendo ele
mesmo alcoólatra na juventude. Tia Maria Klaus, aquela bela moça
que desposara ainda pouco mais que garoto sofreu muito com isso, mas
ele largou a bebida a tempo de refazer um lar. Falava do meu pai com
forte impressão, de como ele próprio trabalhava a fim de que os
irmãos estudassem. Sobre tudo o Olavo, meu pai, que ele achava o
mais inteligente, e Raul, o mais novo. O Lindoval, esse que depois de
um casamento rico afastou-se do resto da família, nunca sobre muito,
e sobre esse ele também não falou-me.
Era
o mais humilde, satisfeito com sua vida simples, lembro, entre as
mais antigas reminiscências as visitas a sua casa, como eu me sentia
bem ali, a geladeira antiga que eu achava linda, e destas que hoje
poucas existem nos apartamentos dos descolados, e minha paixão o
fogão a lenha, que um dia ele desmanchou, tendo presenteado tia
Maria com um fogão a gás… Isso era inicio dos anos 1970. Uma
longa estrada de terra percorríamos até lá chegar depois do ponto
final do ônibus. Nessa época meu pai tinha acabado com o fusca num
acidente onde todos se espantavam de nada ter acontecido a ele.
Mas
trago comigo a reminiscência de minha mãe que grávida de mim,
enjoava com as comidas do hotel, em Santos, em visita a família do
marido. Sua melhor refeição naquele dia foi na casa dele, onde meu
primo Nilton chegara com os peixinhos pescados no rio próximo, tia
Maria os cozinhou, fez pirão, caldo forte. Ele fala-me nesse manjar
dos céus até hoje.
Tinha
uma mexeriqueira enorme no quintal imenso, mais tarde tomado por casa
dos filhos. Um pé de rosas, isso deixou de existir mais tarde. Seus
tesouros ficavam em seu quartinho no quintal, coleção da revista
placar, flâmulas do São Paulo, time de seu coração, como também
do meu pai. Tio Raul era um desgosto, torcia para o Corinthians, Ali
ficavam seus materiais de trabalho, eu adorava a morsa, com que
prendia coisas para serrar, apertar ou que o valha… Sobre a mesa de
madeira onde esta era presa havia um grosso papelão, que com pingos
de graxas e óleos, acumulo de poerias e suores tinha tomado uma
densidade de couro. Os troféus do Ponte Preta, time da terceira
divisão que tomava emprestado seu nome a ponte do Bairro, que nos
anos 2000 viria a cair, esquecida pelo patrimônio público. Servia
inicialmente a travessia de um trem que não mais existia.
Aquela
área rural onde ele se situou por décadas era então bela
geograficamente e sentimentalmente me desperta saudades de um tempo
feliz. águas limpas a correr em riachos, morangos e amoras silvestres, no meio do bananal que já não existe. No quarto dos tios uma lâmpada azul, que pouco iluminava.
Dormíamos ali, em visita quando vinhamos de Minas.
Os
primos calorosos, os mais velhos, Nilton, Nilson, Eliete, Neide e
Nereide encontramos anos depois já casados e com suas próprias
famílias, mas sempre a gravitar em torno dos tios, pais
amantíssimos. Elizete, Dida e Marlene mais novos, regulando as
idades comigo e meu irmão, brincavam conosco, brigavam conosco,
conversavam e assim tecíamos planos e sonhos. Esperavam sempre o tio
que vinha diariamente almoçar em casa. Quantas vezes eu também ali
estava. A ouvir suas histórias do dia-a-dia. Depois voltava ao
trabalho até a noitinha, ganhou medalha de funcionário padrão, que
foi juntar a seus tesouros no quartinho, junto aos álbuns de fotos
da família, com gente que só ele sabia identificar. Ao lado de
Carlos Magno e os 12 pares de França, livro volumoso que fora de
minha avó, e, que nunca tive a oportunidade de ler.
Um
dia deu-me uma jaqueta de couro, preta, que usei até onde não sei
mais. Outra feita uma camisa de compridas mangas, bege, que foi minha preferida até acabar.
Seu
sorriso era tão gostoso que dói-me hoje lembrar. Emociono-me e
sinto saudades. Uma vez fomos a um jogo do São Paulo, no Morumbi.
Ele, meu pai, meu irmão e dida, nosso primo, no jogo contra o
atlético eu era a ovelha negra, torcia para o Palmeiras, time de meu
avô, já contei aqui isso, e de como meu tio perdeu no estádio seu
radinho, onde acompanhava o jogo do corinthians.
Houve
um tempo onde tia Maria, Nereide e Eliete frequentavam uma igreja
episcopal, a casa da Benção, em Santos. Ele as acompanhava e nos
levava. Íamos pela fara do passeio. Logo voltou a religião de
origem, afinal vó Felina tinha sido filha de Maria, congregada
Mariana, e ele cedo voltou às missas dominicais
Gostava
das excursões, Poços de Caldas, Aparecida, Caverna do Diabo…
Engraçado
como na sua imagem para mim está sempre a sorrir. Magro como sempre
foi, e atrás dos óculos. Poderia estender-me horas em lembranças…
Os jogos de canastra, sua empolgação com as pequenas viagens, com o
time de várzea, já citado, do qual foi presidente por muitos anos,
e após o jogo chegava com os uniformes para minha tia lavar. De seu
jeito calmo, do rádio grande que comprou de presente para Elisete,
um motorola, que ficava em cima do bufê, e onde ela ouvia Ely Corrêa
enquanto com capricho arrumava a sala, de como aconselhava meu pai,
acolhia tio Raul, empolgava os sobrinhos e netos com historietas. Seu
caminhar vindo ao longe em passo apreçado para almoçar com a
família a tempo de voltar ao emprego…
Noventa
anos… 90 anos é muito tempo… Por mais que se goste da vida, e
ele gostava, imagino o cansaço, o desconforto do corpo que já não
responde como gostaríamos...
Ontem
ele se foi… Em mim ele fica. É parte de minhas boas lembranças.
Jamais terei como equacionar seus ensinamentos. Sinto inveja de seus
sentimentos. Era um homem bom. Cumpriu sua missão.
Sinto saudades dos meus avós e dos meus tios que já se foram. Belo texto Djair.
ResponderExcluirObrigado querido
ExcluirAmigo invejo suas memória a riqueza de detalhes descrito em cada texto. Meus sentimentos mas tenho certeza que seu tio Louro deve estar em bom lugar e muito contente com suas palavras. Para mim como sempre um lindo texto���� Frávia
ResponderExcluirObrigado querida, assim seja!
ExcluirMeus sentimentos.Você tem uma memória invejável!
ResponderExcluirObrigado querida, às vezes, algumas poucas é bem verdade, a memória também é uma benção.
ExcluirQue lembranças lindas! Meus pêsames tio!
ResponderExcluirObrigado querida, logo serei eu o tio que parte, espero deixar algumas lembranças boas também.
ExcluirLindas são essas memórias que em você ficarão para sempre. Hoje dói, amanhã o conforto de saber que foi feliz ao lado dele ❤️. Saudade, palavra esta que não se pode descrever. 😉
ResponderExcluirValeu X-Zuka. que seja assim.
ExcluirUm texto nostálgico bom de ler, cada frase faz retorno tempo como se estivesse lá. Família, sabedoria dos mais velhos, simplicidade coisas raras hoje em dia em tempos tão instantâneos pra ontem. Viajar nessas lembranças faz retorno ao passado ao momento único que nunca se apaga da memória.
ResponderExcluirObrigado querido. Nada mais nostálgico que uma vida simples.
ExcluirA vantagem das pessoas queridas é que elas não morrem, viram estrelas. Super beijo
ResponderExcluirPois lê, nunca morrem, vivem em nós.
ExcluirÉ como eu te disse: tem tio e tia que parecem pai e mãe, tamanha afinidade que a gente tem com eles. Que lembranças doces, Dja...o tempo passa e leva nossos amores da infância...bjss Dja, ainda bem que ficam as lembranças ne?
ResponderExcluirSim Silvia,são elas que nos confortam. bjs
ResponderExcluirMeus sentimentos, Djair. Que ele descanse em paz.
ResponderExcluir