Nunca
conheci ninguém de riso mais fácil que o de Dásia, a quem
chamamos: Dona Dalma, pois é “tão boa e dá manga pra nóis”,
mas o caso das mangas é para outro dia, que hoje o caso é sério.
Pode
até haver quem ria tanto quanto ela, porém, rir mais do que ela
será difícil; com tudo e por tudo ela ri. Ela ri, não sorri, não
se trata apenas daquela suave curvatura de lábios para cima que
apenas insinua um pequeno contentamento, como muitos esboçam à
guisa de discrição, mas um riso largo, solto, frouxo, altissonante,
acompanhado de levantares de queixo, abaixados de cabeça, curvatura
de tronco, para cima, para baixo, movimentos de braço, fechar e
abrir de olhos; sim, ela ri, ri com todo o corpo, ri inteira, ri com
a alma. Se a alegria tem um formato, é o formato de D. Dalma.
Todavia,
boa pulsatilla* que é, chora com a mesma facilidade com que ri.
Passa do riso às lágrimas e das lágrimas ao riso mais rápido que
os olhos possam acompanhar. Quando você começa a se condoer com o
causo triste que ela conta entre lágrimas, eis que ela dá uma
gargalhada e conta o momento alegre que viveu com a mesma pessoa pela
qual estava em pesar.
Já
entrada em anos, nos conta ela, rindo, e antes de ir ao urologista,
que agora está com um problema seríssimo: “_Quando não estou
chorando, eu tô rindo, e quando eu dou risada eu faço xixi. Hoje
mesmo já troquei de calcinha quatro vezes.” E é um sofrimento,
continua ela: “_Se eu rio faço xixi, aí eu choro porque é uma
coisa triste, mas como também é engraçado eu dou risada e aí eu
faço xixi.” E gargalha com a própria sina.
Mas
noutro tempo, distante temporalmente, mas que na memória está bem
ali, mais próximos que muitos momentos recentes, D. Dalma, mocinha
de tudo, foi estudar em Belo Horizonte. Havia de cursar pedagogia e
como faculdade só era na capital, lá fora ela morar “com meu
irmão Luciano”. Na cidade grande ela se encantava com tudo, como
sempre se encantou na cidade miúda, na roça, ou mais tarde na
Europa. Pois se há coisa que seus olhos veem melhor é a beleza das
coisas.
Pois
muito bem, antes que o texto se alongue por demais, e canse o leitor,
pois sou suspeito, enquanto o escrevo, o encantamento com a
personagem faz vagar. E o fogacho da narrativa se dispersa aqui e
ali. Então, vamos acelerar...
Já
instalada, Dalma, que ainda não era Dona, tomou como tarefa sua
comprar pão e leite para o café da manhã, enquanto tia Dedê
passava o café na capital do mesmo jeito que passava na roça, em
coador de pano e com todo amor do mundo.
E
lá ia Dalma, cantando baixinho pelo caminho até a padaria, ia
olhando a tudo, e sorrindo satisfeita com o mundo e consigo mesma.
Olhava, ria, cantava, seguindo o rumo, e invariavelmente, já que a
padaria era pertinho e ficava no final da quadra seguinte, ela
passava em frente a uma dessas casas chiques do Savassi**, onde
estavam ali diariamente, em frente ao sobrado, um motorista
uniformizado que polia o carro ou apenas observava o mundo,
encostando-se nele, e uma babá que ora empurrava um carrinho de bebê
para frente e para trás, embalando a criança, ora o tinha ao colo,
acalentando o pequeno. Nunca sorriam, nunca a cumprimentavam, “bom
dia” então, nem pensar...
Pois
muito bem, pensou nossa heroína, se eles não cumprimentam, vou
cumprimentar eu. Vou dar bom dia pro motorista e vou falar pra moça:
“Como vai?”, e vou brincar com aquele bebezinho. Oras, mas que
gente mais mal humorada, mas eu vou acabar com isso.
E
assim decidida, falou a seus botões: “_ É amanhã. Amanhã eu
cumprimento aqueles dois e aperto a bochecha daquele menininho:
gracinha!”
No
dia seguinte, firme no propósito, enquanto tia Dedê colocava água
no fogo para passar o café, que só de abrir a lata inundava a casa
com seu aroma, lá foi ela cantando, sorrindo e com a ideia fixa. Dou
bom dia aos dois e faço graça ao bebê. A pessoa não pode ser
fechada assim não, uai!
Os
avistou, foi se aproximando, chegando mais pertinho pra poder falar
de perto. Os dois de lá, acostumados com a figura a passar pela
calçada, não a estranharam; o motorista estava mais à frente e
então seria ele o primeiro a receber o cumprimento com o sorriso de
bom humor que o desconcertaria, pensou disposta!
A
dois passos do moço, podendo olhar já em seus olhos que os mesmos a
observavam pela estranheza de tanta proximidade, ela abre o seu maior
sorriso, daqueles com todo o rosto, e de olhos bem abertos exclama em
alto e alegre tom: “_Oi neném!!!”
Imediatamente,
ela se dá conta do erro, abaixa a cabeça, encobre o corpo, põe a
mão aberta sobre a boca, apressa o passo em linha reta e sem olhar
para trás, ruma para a padaria. Meio que desnorteada de tanta
vergonha, pensa consigo mesma: Dásia, Dásia, o que é que você
fez, Dásia? Você tá louca? E antes de chegar na padaria já ria
com a própria gafe, alternando a vergonha com a gargalhada.
Pois
bem, ela continuou a comprar os pães diariamente pelos 4 anos do
curso, mas desde então a padaria ficou mais longe, porque ela dava a
volta por trás da quadra para nunca mais passar em frente à casa
onde ficavam a babá, o bebê e o motorista!
Foto
– Djair – Dona Dalma na janela da casa da roça.
*Pulsatilla
– Medicamento homeopático o qual segundo a matéria médica
homeopática é indicado para a pessoa que tem como característica
rir e chorar ao mesmo tempo.
**
Savassi – Bairro de Belo horizonte.
Maravilhoso o seu texto. Li agora pela madrugada. Ela é tudo isso, meu amigo. Acertou em cheio. .Beijos
ResponderExcluirObrigado querido!
ExcluirMaravilhoso o seu texto. Li agora pela madrugada. Ela é tudo isso, meu amigo. Acertou em cheio. .Beijos
ResponderExcluirDjair, quanta sensibilidade!!!
ResponderExcluirVocê capitou muito bem essa minha tia amada...
Beijos e parabéns, não só pela sua escrita, mas, principalmente, pela sua sensibilidade...
Marina querida, obrigado! Não tem grandes méritos, afinal ela é cristalina, então fica fácil. rs. abração
ExcluirDeja que delicia! Linda homenagem. Parabens
ResponderExcluirObrigado!!! ;)
ExcluirEssa história eu não conhecia, poquei de rir, muito boa, bem típica da dona Dalma!
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