"Se você vier, pro que der e vier, comigo... Eu lhe prometo o sol, se hoje o sol sair. Ou a chuva, se a chuva cair..."Geraldo Azevedo
E
depois da troca de aeronave no Santos Dumont no Rio, finalmente
seguia rumo a Teresina. Já sobre o Piauí, aquela tempestade imensa,
onde os relâmpagos vistos de dentro das nuvens assustavam, a trilha
sonora dos trovões fazia com que não se ouvisse respiração
alguma, todos retesados nos encostos das poltronas, ninguém falava,
alguns, provavelmente mais fiéis, talvez rezassem...
Nunca
antes na história desse país, ops... Digo, nunca antes na vida eu
pegara uma turbulência tão grande. Fora a chuva caía, com os
flashes que refletidos nas próprias nuvens pareciam paparazis ao
encontrar celebridades; dentro, luzes reduzidas, as comissárias (já
que pela faixa etária avançada das tripulações, deixaram de usar
o termo aeromoças, mas ao menos tiveram o bom senso de não usar
termos anglicistas), sentadas em suas poltronas à porta da cabine –
ali, na segunda fila de poltronas, sem vizinhos de assento, eu podia
vê-las tão hirtas como as pessoas nas filas ao lado.
O
pensamento me veio tranquilo: é agora? Se é esse o momento que a
morte vem, estou pronto, pode chegar. Não vi a menininha que anuncia
a morte em Guantanamera
(filme
dos
cubanos
Tomás
Gutiérrez Alea e Juan Carlos Tabío),
nem
parente já morto como via tia Belinha pouco antes de partir. Mas
imaginei que a hora seria aquela.
Não
foi, como bem devem ter observado, já que este texto não está
a ser psicografado. Mas realmente eu me senti preparado para o
encontro com a moça da foice, e apenas pensei: quero
que meu último pensamento seja para Jair, esse companheiro de duas
décadas. E então lhe dediquei os pensamentos que ele jamais saberia
serem para ele, caso eu tivesse mesmo ido em direção à
luz. E assim comecei a relembrar coisas vividas, o dia-a-dia. Afinal
segundo algumas correntes hindus, sua alma é transportada para
aquele lugar onde você estava a pensar na hora do passamento.
A
área
da turbulência passou e
não foi desta vez que fui assumir meu cargo, de chefia e
comissionado, no céu. Pousamos lentamente dando voltas sobre o rio
Poti, a chuva caía
sobre as
suas
águas barrentas, os telhados ocres das casas refletiam molhados as
luzes dos postes, e eu estava vivo... Até quando não sei, mas sim:
continuo
pronto.
Foto: Djair - Céu do Brasil, possivelmente Goiás, pela janela do avião, dezembro de 2014.
Belo texto que continue vivo. E que possam ficar mais duas décadas juntos. beijos Que a moça da foice demore muito.
ResponderExcluircarminha
Obrigado Carminha, que assim seja, mas se ela vier... Estou pronto. rs Bjs
ExcluirQue a a Dama negra, lhe demore a chegar...Como sempre, excelente texto!!!
ResponderExcluirAbraços!!!
Obrigado querido, e que quando ela chegar ela venha com música! Abração
ExcluirFoi com medo de avião... Que aperto ler seu ótimo texto antes de viajar de avião. Uma certa tranquilidade aí...
ResponderExcluirObrigado anônimo, muito bom saber que o texto desperta algum sentimento.
Excluirabraço
Muito legal o texto Dja! Nada melhor que ter o conhecimento e saber que apesar do medo/receio, ou das circunstâncias, em qualquer quadrante, a vida continua e que devemos nos desapegar. Mas somos suspeitos por assim pensar não é?.. rsrsrs
ResponderExcluirPois é Laurinha, até me espantei com minha reação, tranquilo, absolutamente calmo. E curioso em saber (finalmente, só que ainda não) o que tinha do lado de lá. rs
ResponderExcluirQuem sabe o medo do "desconhecido", não seja um artifício criado em nós, para que não passemos antes da hora para o outro lado, sem cumprirmos o que viemos fazer... Viajando!!!.. rsrs
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