Lembro
que Juninho escreveu-nos uma carta, quando ainda morávamos em Coronel
Fabriciano, MG. Vinha em um papel amarelo, tipo papel pardo, também mais grosso
que uma folha de caderno; a caligrafia era bonita, falava de saudades do
macarrão com frango de minha mãe; na
época achei-o guloso – e rio disso agora. Até porque eu cá por mim também
adorava a comida da tia Lourdes, o brócolis, com alho, no azeite que ela faz
deixa-me a salivar como um cão do Pavlov até hoje. Na carta ele também
perguntava de todos nós e ao final mandava lembranças dos tios, da irmã Gislaine,
de Bob e Babi, os cães basset, e do Pixoxó, o pássaro que tinham na época.
Provavelmente já não existiam nem os jabutis nem o aquário redondo repleto de
conchinhas onde habitavam os kinguios, ou os teria mencionado.
Essa
carta é uma das poucas lembranças do meu herói da infância. Meu primo, naquela
época o preferido, e por ter ficado tanto na memória, acredito ainda que o seja,
até porque o contato com os demais também não se faz presente, e de alguns, se
encontrar na rua, sequer os reconhecerei, e acredito, nem eles a mim. E tem até
um a quem se eu encontrar, troco de calçada. Mas de Juninho tenho saudades, de
quem foi, do que vivemos, de quem acredito que é. Da vontade que tenho de
conversar sobre nossos pais e suas histórias.
Lembro da vez que ele, morando na casa da avó
materna onde íamos tomar banho no riacho que se arrastava de uma cascata lá
próxima, fez-me uma pipa; era feita de papéis rosa e azul, que seu avô trazia
da antiga Fábrica Santista de papel, conhecida como fabril. Àquela época, todos
os funcionários ao fim do mês, ou início, já não sei, vai ver que era no meio,
ao final da primeira quinzena, recebia um rolo de papel colorido, mas isso
pouco importa, importava-me a pipa, feita por ele, que tentou ensinar-me a empiná-la. Fracasso total, e não foi culpa do professor,
mas do aluno, até hoje sou ruim para essas coisas, fato, reconheço, que dirijo
mal, nado porcamente e não tenho ritmo sequer para bater palmas. Então
ficávamos na brincadeira, ele subia a pipa, e passava-me para que eu a empinasse.
Uma vez ou outra dava certo enquanto ele segurava minhas mãos pelo menos,
depois invariavelmente ela caía. Sem reclamar, lá ia ele de novo alçá-la ao
azul, verdadeiramente celeste, que fazia aquele saudoso dia. Corríamos soltos,
Gislaine, Juninho, de camisa branca. Lembro de nossas mães sorrindo, alegres
com nossa brincadeira de correr pelos extensos terrenos que margeavam o rio,
que hoje virou um riacho, assoreado e cheio de pontos de esgoto clandestino.
Mas
antes mesmo disso, quando ia em férias à casa deles, quando eu era ainda menor,
contavam-me as histórias dos livros Disney, que eles tinham, e foi com ele e
Gislaine que fui a primeira vez ao cinema, isso já contado em outro texto.
Inclusive de como íamos à praia em frente e catávamos conchinhas...
Já
a lembrança mais antiga que tenho é aí pelos 5 anos, casei com Gislaine, Juninho
era o padre, ela com uma lata de cera, vazia, na cabeça, por sobre uma
toalhinha de crochê de minha mãe, que fazia às vezes de grinalda. Tudo isso
aconteceu na varanda da casa da rua Piauí, que já não existe. Lembro que por
essa época meu pai tinha um fusca azul, em cujo câmbio de marcha havia um pequenino
caranguejo como enfeite. Íamos sair para passear, mas, nós, crianças brincando
no carro, conseguimos travar a direção, o que deu muito trabalho para os
adultos descobrirem o defeito e o passeio mixou. As lembranças são
embaralhadas, mas não são assim todas elas? Não apagamos alguns traços e
colorimos alguns trechos sempre que as rememoramos?
Ao
nos reencontrarmos década depois, ele já era um esguio e belo rapaz que deixou para
trás a obesidade da adolescência, e agora o adolescente obeso era eu, sem nunca
mais deixar de sê-lo (aliás, deixei por alguns anos enquanto frequentei os Hare
Krishna e fui vegetariano, mas essa é outra história, de mais de década depois).
Sempre esperei que Juninho fosse ser aquele amigo que sempre me faltou, mas só devo
tê-lo visto de adulto duas vezes. Na primeira, tendo voltado a morar em Cubatão,
visitamos seus pais e ele apareceu por lá muito brevemente. Da outra vez, ele esteve
em casa, viera com um carro emprestado de um amigo e, se a memória não me mente,
bateu o carro na volta, ou mais tarde. Estava com um grupo de amigos e namorava
uma moça aparentada ou descendente dos condes de Santos, seriam os Teixeira, da
loja de antiguidades? Não sei, até porque no Brasil as comendas não eram
hereditárias. A visita também durou pouco, acho que apenas passava vindo da
casa da avó, que morava mais acima, no mesmo lugar onde antes brincávamos.
De
outra feita, tive a impressão, também, de vê-lo num ponto de ônibus. Passei em
frente, com certeza se era ele, não reconheceu-me, e eu, sem ter certeza e
transbordando timidez, não abordei. Fiquei com ele em minha memória como meu
herói e amigo da infância, que escreveu-nos uma carta em um papel amarelo, com
caneta azul e um trecho em vermelho. E que permanece um primo querido, o
Juninho.
Foto: Ricardo S. R. Costa.
Disponível em
Esse texto me deixou com saudades de um monte de coisas...vc já procurou o Juninho no Facebook? Seria um início...o que é kinguio? Vc escreveu esse texto com o coração!! Bjss Dja!!!
ResponderExcluirOi Sil, Kinguio é o Famoso Peixinho dourado. Muito comum em aquários.
ResponderExcluirAquele pequenininho né? Não sabia que tinha esse nome rsrs
ResponderExcluirViajei contigo.Muito bom um mergulho em algum momento que nos fez bem.
ResponderExcluirValeu. 🙂
ExcluirEste comentário foi removido pelo autor.
ExcluirNossa!!! Que sensibilidade! Imaginei todas as cenas descritas, que sensibilidade, que genialidade! Parabéns 👏👏👏.
ResponderExcluirObrigado.
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