O amor ao filho mingua conforme ele deixa de
corresponder às expectativas dos fornecedores de gametas que o originaram.
Talvez porque vejam por aí que não terão controle algum sobre este, mas ainda
assim tentam. À maioria das vezes, as histórias de “criar filho para o mundo”; “ele
será o que quiser”, são balelas inúteis e discursos usados para atenuar sua
incapacidade de controle desse casal de gametas feito carne e posto ao mundo, alguns
arrancados literalmente a fórceps...
Grafite em muro no Faro - Portugal |
O amor, ou a maior parcela dele, seja lá o que
isso seja, já que cada um tem sua ideia própria de amor e de reagir ao excesso
ou falta dele, é destinado, em caso de mais de um, ao filho que se deixa
controlar, ser amoldado com os princípios e interesses dos criadores, e assim,
perante a vergonha fundamental dos pais, o amor é condicionado àquele que
mostra-se mais receptivo às suas referências, o de comportamento mais aceitável
dentro dos círculos sociais desses pais, afinal são criados à sua imagem e
semelhança, como já ouvi isso em algum lugar...
O pai sempre irá gostar mais do filho bêbado e
inútil, mas hétero, que de um filho gay, por mais “certo na vida” que este
tenha dado. A mãe, por seu turno, apesar de em geral reconhecer mais de si, ou
até por isso, no filho mais frágil, vai orgulhar-se do reprodutor da família,
pois alguém tem que ser bom em algo! Muitas vezes, essa mãe fragilizada pelo
próprio companheiro, nega a fragilidade do filho, porque ela própria odeia ser
frágil. E não, não estereotipamos aqui todos os gays como frágeis e carentes de
proteção, mas isso é inegável em uma grande parcela de certa faixa etária. Até
por conta de muitos nunca saírem do armário, embora todos saibam que estão com
a mão à maçaneta. E assim, aceitar-se, assumir-se, é mesmo uma forma de
fragilidade, de autoproteção, de medo.
A fragilização é um componente a mais das vezes presente
durante toda uma vida, desde o pai que acredita que sendo mais autoritário vai
servir de exemplo de macheza, sem se perguntar se o filho não quer é justamente
fugir desse exemplo, ser o mais diferente possível desse pai. Tias e tios,
primos e vizinhos que lançam olhares de contestação ou mesmo condescendentes de
afeto, mas, conscientes de que há ali algo errado, que não corresponde ao
esperado... E as crianças, então? Ah, as crianças sabem ser cruéis e
discriminatórias, sim. Crianças são bonitinhas (nem sempre), o que é diferente
de serem boazinhas. A mãe fragilizada não reconhece a fragilidade do filho, o
quanto ele é dependente de seu afeto e exige dele a fortaleza que ela não teve.
Não existe isso de “gosto de todos da mesma
forma”, isso é balela, uma impossibilidade tangível. Pode-se dar os mesmos
presentes, a mesma educação (que por mais semelhante será diferente até por uma
questão temporal), mas a atenção, o afeto e as demonstrações de orgulho e
apreço, ah, isso é que não! Estas estarão sempre reservadas, com maior ou menor
grau de discrição, ao que mais corresponde aos valores dos pais. Valores morais,
religiosos, reprodutivos, no que tange à perpetuação desses em netos, bisnetos,
com os quais incorrerão nos mesmos erros. Se é que isso é um erro, por ser natural
do ser humano ter suas preferências e simpatias. Aceitar é bem diferente de “amar”
ou “respeitar” e depender e/ou reconhecer é ainda tão diferente quanto.
Ao filho também é dolorida a constatação do “ser
diferente”, do ser menos amado, da derrubada do mito da perfeição dos pais. E a
desconstrução deles é mesmo dolorosa, demorada; é um trabalho longo, tedioso,
que passa pela negação, raiva, desprezo, culpa. Mas, uma vez desconstruídos,
nem Picasso dirá onde eles têm olhos, boca, nariz... Talvez não restem mágoas, pois
assim como não houve amor suficiente de uma parte – e que talvez já não seja
mais necessário, do outro lado também foi minimizado o sentimento.
Mágoas, dores, alegações de amor, de cuidados e
carinho, não serão mais equacionados num teorema positivo. A verdade é
dolorida, mas as feridas nos joelhos, na infância, também são; essas, primeiro
param de sangrar, com o tempo deixam de ser úmidas e criam a grossa casca
escura que se quebra, solta-se, às vezes volta a ter um pouco de sangue e pus,
mas logo se reveste de nova pele, a princípio rósea, fina, mas que logo se
integra de tal forma ao resto do tecido que ninguém repara o dano, pelo menos
externo, pois bem que um dia a dor na rótula torna a aparecer. Assim são as
feridas no ego, na alma... Na mente também irão cicatrizar, e cicatrizar também
é diferente de curar – e aí se possibilita a convivência com elas.
Não ocorre somente com os filhos gays, ocorre com os héteros também. Tenho exemplos na família...triste né? Mas no final somos todos humanos bem longe de sermos perfeitos. Por isso que quando vejo isso acontecer agradeço por ser filha única...bjs Dja!!! Esse texto é mais que um texto, é o retrato de várias realidades, de gays e héteros.
ResponderExcluirAmigo...amei o texto...muito bom para analisar e debater o tema...obrigado!
ResponderExcluirEle será o que quiser. Desde que seja o que eu quero!
ResponderExcluirComo sempre, um texto maravilhoso. Intenso!
Isso aí. Não a fragilidade.
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