Ainda
nem são cinco horas da manhã e já acordo. De acordo com a
in-Sônia, o horário certo é mesmo este, ela nunca se atrasa muito.
Teimo em ficar na caverninha, apelido carinhoso que dou ao edredon
quando cubro-me dos pés a cabeça. O verdadeiro homem da caverna. A
barba crescida de meses, pelo frio, preguiça, modismo, e que sofre
apenas pequenos talhes aqui e ali ajuda a compor o visual da
personagem.
Nos
ouvidos os trechos de poema, voz na
cabeça é de
Maria Bethânia.
Detalhe arquitetônico ao lado da ponte D. Luís I - Porto |
"Mora
comigo na minha casa um rapaz que eu amo. Aquilo que ele não me diz
porque não sabe, vai me dizendo no seu corpo que dança para mim.
Ele me adora e eu vejo através dos seus olhos um menino que aperta o
gatilho do coração sem saber o nome do que pratica. Ele me adora e
eu o gratifico só com os olhos que o vejo. Corto todas as cebolas da
casa, arrasto os móveis, incenso. Ele tem medo de dizer que me ama.
E me aperta e mão, e me chama de amiga”
Ao
texto de Luiz Carlos Lacerda segue
a voz dela emendando a canção de Caetano “Ah,
esse cara tem me consumido, a mim e a tudo que eu quis…”
Está
em minha cabeça há dias. Devo ter ouvido pela primeira vez da
metade para o final dos 1980, e a despeito do meu pai escrever
poesias, talvez tenha sido com a voz de Betânia que comecei a
amá-las de facto. E
por isso as vezes elas entram e é dificíl saber quando saem.
Martela-me
também a cabeça - será devido minha crise existencial, cada vez
mais crise e menos existência? – a
frase inicial do poema
I´m
nobody (Não
sou ninguém)
de Emily
Dickson e-
“Não
sou Ninguém! E tu, és quem?”
Ok.
Ok. coloco o texto do
poema minimalista ao final.
Não
a poesia não vai ajudar com a insônia, na verdade como se tivesse
vários cérebros, os pensamentos ocorrem todos ao mesmo tempo,
Dickson, Bethânia, cobranças de leituras técnicas, textos que
deveria aproveitar para escrever enquanto a ideia está ali…
Levanto, ligo o micro e venho para cá, lá fora, 7, 8 graus, os
termômetros divergem, eu, concordo com eles: está frio! Ligo o
aquecedor, coloco sob a mesa de trabalho, esquento leite na panela
grande pois as outras estão ocupadas ou sujas, afinal a taça de
vinho também está ali à pia, em consonância com elas, o Feng Shui
é perfeito, filtra a energia negativa que vem do sudoeste. Lembro de
Gizelton me dizendo pra por canela. Não tenho, e o beato que tem o
dom de transformar milho em canela está do outro lado do Atlântico,
adoço com mel e anoto canela na lista de compras que não farei
hoje, os textos técnicos… Sim, os textos técnicos…
Penso
a quem pode interessar um texto desses, e dou-me
conta que o que tinha na cabeça ao ligar o micro já não existe,
foi embora e não volta. Assim como tempo correu, o leite quente foi
sorvido, e vamos então voltar a caverninha… Os textos técnicos
ficam para quando acordar definitivamente. Agora a poesia sufoca-me.
Dou-me conta uma vez mais que ontem foi o dia dela. Num fiz nenhuma,
vai ver é por isso que ela me castiga.
Bom
dia!
Não
sou Ninguém! E tu, és quem?
Ninguém
– Também?
Então
somos um par?
Não
conte! Podem espalhar!
Que
triste – ser – Alguém!
Que pública – a Fama –
Dizer seu nome – como a Rã –
Para as palmas da Lama!
Que pública – a Fama –
Dizer seu nome – como a Rã –
Para as palmas da Lama!
Emily
Dickinson: "I'm nobody", - "Não sou ninguém"
Pous eu gostei da tua insônia, descrita tão sinceramente que mais parece um documentário da alma!! Super beijo e coragem, coragem como dizia sabiamente a velhinha cega da feira do Paraíso!
ResponderExcluirObrigado querido, por isso então já valeu a insônia. beijo grande
ExcluirVenho do futuro, de 2024, e sua insônia me caiu bem, mesmo ainda sendo 21h28.
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