Dentre
as coisas belas que há no mundo, e das quais ainda quero ver, o Baobá
é uma delas, aquela árvore que em si é quase um habitat,
imponente, uma árvore já adulta, claro. Pequeno já tive a
oportunidade de observar, em um sítio de um professor da Unesp, em
Assis, interior do estado de São Paulo. Infelizmente era ainda um
pequenino arbusto, sem imponência, que como se diz no “O pequeno
príncipe” qualquer um pode dar cabo.
Fazia
um trabalho de recortes de fotografias para uma matéria do mestrado,
acaso minha favorita, “arte contemporânea”. Na foto, uma vila do
interior da Zamézia, a segunda maior província moçambicana,
próxima ao delta do rio Zambeze. O baobá ali estava presente, se
sobrepunha ao casario construído a base galhos, às pessoas, ao
resto da vegetação ressequida. No céu o branco de nuvens e um azul
pálido, No chão, o solo marrom, e entre eles, fazendo a ligação,
o baobá imponente. Maior que tudo isso, vila, céu, chão... Maior
que a vida das pessoas a beira do casario…
Já
pronto para recortar a foto, viro a página, e na continuação da
matéria sobre as andanças à beira do índico o jornal trazia uma
outra foto. Um homem, de costas para o observador, com um pincel em
uma das mãos, e sobre um barco, emborcado, uma lata, do tipo galão
de tinta. Possivelmente era algum tipo de verniz ou um selador
qualquer.
A
imagem sugere que ele passava o produto sobre uma madeira nova, pela
cor crua, que teria colocado recentemente no barco, num conserto, em
substituição a outro fragmento já retirado. As demais tábuas
traziam múltiplos tons de madeiras descascadas: vermelho, azul,
cinza, branco, um outro tom de azul, mais claro, amarelo…
Descrevo-os por ordem de ocorrência no velho barco, uma espécia de
canoa bastante grande, que por estar virada só permite conjecturas a
respeito de sua tipologia. Impossível definir se o homem é jovem,
adulto, ou idoso. A camisa quadriculada é grande para o corpo
esguio, e o shorts comprido, mas isso é das modas por todo o canto.
A vegetação atrás do barco sugere mangue, e a cor escura da terra
é justamente do tom da terra desse bioma que não tenho ideia se
ocorre no Indíco.
Não
canso de olhar a foto, a atenção, o punctum, se divide entre o
barco e o homem. Custo a perceber que está, em verdade, no pincel à
mão daquele e na lata do selador (que é o que determinei que seria
o produto). Já escolhi essa foto ao invés do baobá que remete ao
desejo antigo, embora beleza, a plasticidade da primeira muito maior
a tenha tornado a foto para chamada da matéria.
Por
que? O que me faz escolher a segunda? E como numa sessão de
psicanálise pego-me a pensar que é por minha relação com o
trabalho, com o que representa para mim o trabalhar, o fazer. Ouço
na memória Renato Russo e seus versos: “sem trabalho não sou
nada, não sinto meu valor, não tenho identidade. Mas o que eu tenho
é só um emprego, um salário miserável, eu tenho meu ofício que
me cansa de verdade(…) Tem gente que não quer saber de
trabalhar...”
É,
ali está o punctum. A explicação para escolha, e assim nasce esse
texto, resolvo escrever sobre isto. Com a mente cheia de lembranças
de pessoas que tem os mais variados tipos de trabalho e o infinitas
variações sobre suas relações com eles. Gente que conheci na
Europa e que cursando um mestrado não tem inibição de trabalhar
nos caixas de supermercado para não depender completamente dos pais.
Gente como tio Onofre, vaqueiro de tia Margarida que ama seu
trabalho, com as vacas, com o plantio do milho, o colher das
abóboras, o tirar do leite. Isso enche-me de orgulho alheio. Também
vem a memória, em oposição a esse orgulho alheio, gente que não
trabalha e nada produz a não ser fezes, urina, e quando muito fumaça
de cigarro. Gente que apenas ocupa um lugar onde deveria haver “ar”.
Foto: Djair - Coleção de recortes para o Atlas de imagens
Adorei o texto! Reflexivo! Compartilho com você a mesma opinião sobre as relações com o trabalho. Bj
ResponderExcluirObrigado Lê,
ExcluirCom suas dores, cruzes e amarguras ainda é o melhor: trabalhar.
Amo trabalhar e amo aprender... Aprendo trabalhando e trabalho aprendendo... Sou feliz!!! :) bjss
ResponderExcluirSim,com ele nos sentimos produtivos, dignos... :)
ExcluirQuestão de tempo e espaço...se trabalha quando e como puder! Ou será outra forma... mas todas ensinam e levam a crescer!
ResponderExcluirSim, mas o mais importante é gostarmos de fazê-lo, honrá-lo. :)
Excluirexcelente e muito interessante texto...
ResponderExcluirparabéns, Djair...
Obrigado Carlos, feliz que gostou!
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