Todo
tipo de doido tem por essas terras, ou como dizia D. Antônia, lá em
Cezídia, àqueles tempos mais tranquilos e frescos, inocentes e sem
tanta maldade: “Deus deixou cada agregado nesse mundo véio
dele...”
Enfim...
Naquele
primeiro ano de faculdade, acabei por fazer amizade com o pessoal da
turma que me antecedia, e ali, no decorrer dos quatro longuíssimos
anos do curso, acabei por saber algumas histórias que naquela
estranha classe se passava. Se na minha turma haviam grupos distintos
e antagônicos como as bibas subservientes, as patricinhas, a bancada
evangélica, os da terceira idade e lá no fundão, nós, os normais,
naquela outra turma anterior haviam figuras de igual calibre, sem
contar outros ainda mais raros.
A
distância de um ano, assim como a física, não me permitiu
saber-lhes os apelidos. Enquanto que em minha sala haviam algumas
identificatórias ditas a alto som como o “bagaceira” e a
“vírgula”, também haviam aqueles ditos entredentes, como o
“homem primata” e a “Carrie”. Sim, ela era estranha...
Mas
a história bizarra naquela turma se passava com Alexandra, uma
senhora já entrada em anos que tardiamente fazia sua primeira
faculdade, uma dessas mulheres de quem se diz: “Ela não leva
desaforo pra casa.” Era uma negra alta, esguia, gostava de usar um
lenço à cabeça, de palavreado fácil, em tom que se categorizaria
por allegro ma non troppo, nunca
a rotular como moderado, no
que se refere à
altura. A antagonista dessa pequenina passagem era Rose, que vos
apresento como uma bela moça de seus vinte e poucos anos, de porte
esguio sem deixar que a magreza lhe tolhesse curvas e sinuosidades,
muito bem distribuídas em sua pele “morena arroxeada” como se
dizia de minha avó materna em sua juventude – o
que valeu-lhe, até a morte,
o apelido de “roxa”. Mas, voltando à
beldade que descrevia, tinha cabelos lisos, o que em tempos onde já
existia a tal escova progressiva seria
de difícil afirmação a naturalidade de tais madeixas.
Segundo
reza a lenda e os relatos contados por seus colegas, Rose teria
cismado
com Alexandra já nos primeiros dias de aula. E
então lhe inventava histórias contundentes, como
que estava grávida mas que
ia tirar o filho pois o pai era casado, chocando a colega mais pelo
aborto que pelo casamento do suposto genitor, ou
que, noutras horas, o
dito cujo era bandido,
traficante, pederasta, ou que lhe tinha tomado o corpo à
força. Por
aí corria a
correnteza de diversidade substanciosa e a imaginação fertilíssima
fazia escorrer o Nilo das mais bizarras características.
Alexandra, sempre chocada, manifestava-se baixinho, acreditando ser
confidente dos segredos inenarráveis de Rose. Pois bem, chegou o dia
que soube-se que ela não estava grávida, que como lhe afirmava
Rose, tinha sido rebate falso, como se diz. Só que agora ela estaria
gostando de mulher. Alexandra, como já o dissemos, era uma senhora
entrada em anos, e ouvia a colega, tentando aconselhar sem
preconceitos, até que Rose lhe declarou que ela era a mulher por
quem estaria apaixonada. Deu para Alexandra, que barra ali mesmo
quaisquer tentativas sentimentais de um contato, digamos, mais
carnal.
Passado
esse surto, aconselhada a mudar de lugar, afasta-se do lado da colega
e pula para a cadeira imediatamente à frente dela. E aí era o jogar
de cabelos que irritava a já indignada senhora que reclamava em
brados cada vez mais retumbantes, e a outra a se divertir jogando-lhe
as madeixas sobre a carteira.
Pois
bem, Alexandra decide calar-se; cala um dia, dois, no terceiro,
quando a outra provocante lhe joga a cabeleira sobre os cadernos, ela
não tem dúvida, assim como também os colegas que já não a tinham
sobre as provocações de Rose. A mão é rápida e certeira ao
manejar a tesoura e a mecha enorme, à guisa do escalpo, vira troféu
nas mãos de Alexandra.
Rose?
Bem, teve que cortar o cabelo à altura da nuca, e desde então
cessaram as brincadeiras, pois que a outra não estava pra isso.
***
Allegro
ma non troppo (italiano
para "rápido, mas não muito") é o nome de um andamento
utilizado para indicar ao músico
que a execução deve ser moderadamente rápida. Em geral o movimento
allegro é executado com pulsação
rápida e expressão leve e alegre. Fonte: Wikipédia
Foto: Djair - Minhas próprias madeixas, a serem doadas ao Outubro Rosa
Dja. muito bom meu. Voltei aquelas anos, e lembrei das belas tranças que fazias no meu cabelo. (ANALOGIA AO TÍTULO)
ResponderExcluirElisabete Candida da Silva
Nos divertimos bastante naquela época, não? Beijão Bete!
ExcluirCaramba, que memória! E que história. Lembrei da vírgula mas não do bagaceira, rs. Bjs
ResponderExcluirO bagaceira era o Zé Luis, lembra? Ele adorava o termo. beijão Rô
ExcluirDja qdo eu crescer quero ter um pontinho só da sua memoria rsrsrsrs. Adoro seus causos rrsrsrsr Frávia
ResponderExcluirUai Frávia, mas você também tem... memória e causos. Aliás, qualquer dia preciso contar sobre a capa do capeta.
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