Enquanto a dor dá uma trégua depois de medicamento este, medicamento aquele, aproveito para escrever. Segundo os dois médicos a dor é muscular e pede repouso, como assim? Eu já estava de repouso quando ela surgiu, mas como disse uma amiga, depois dos 40, quando você acorda sem nenhuma dor pensa logo: morri?
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Pela
janela observo que as formigas acabaram mais uma vez com as roseiras
e fizeram passeio pelas azaleias e nem o manacá escapou de sua
voracidade: ou o Brasil acaba com a saúva, ou a saúva acaba com o
Brasil. Desde a infância do país elas fazem raiva, e ainda hoje
sobrevivem; não sei de onde vêm em seu famélico assalto noturno.
Como os que atacam geladeiras à noite, elas aproveitam a escuridão
para se fartar, como o hóspede que tive que abriu os dois potes de
doce de leite que trouxe do Serro, quando da ida a Diamantina. Comeu
ambos, inclusive o que era um presente a uma amiga, tapou, colocou-os
de volta ao fundo da prateleira, vazios, deixando à frente um outro,
que estava aberto para consumo, intacto, num gesto sombrio que nem as
formigas ousam, afinal, elas não disfarçam – apenas devoram.
Preciso
comprar um pacote de “isca” para que se dê cabo delas. Elas
perseguem meus jardins, desde Floriano no Piauí ao da casa de
Ubatuba; elas tem algo pessoal contra mim, contra os jardins que
planto. Ou eu acabo com as saúvas ou elas acabam com o jardim. Não
se pensa que elas habitam a maior cidade da América do Sul, em meio
a tanto asfalto e sulphur jogado diariamente no ar da urbe pelos
escapamentos de milhões de carros, mas as pequenas bestas são como
gente... resistem.
Não
tenho pena delas como tenho das lagartas, essas com sua voracidade
dirigida às folhas; depois virarão borboletas e sempre penso: se
matar todas as lagartas as borboletas acabam, e aí lhes dou saladas
de samambaias e outras tantas plantas, e pelo menos algumas delas
terão asas coloridas a flutuar como pétalas bailando pelo ar,
beijando flores fixas de outro reino (a saber o vegetal). Os caracóis
também são poupados, mas só em dias de extrema doçura, como às
vezes me ocorrem – sim, até “Ming - o impiedoso” tem seus dias
de “Pollyanna”. Mas nada garante que no dia seguinte sejam
esmagados sem remorso, mas, naqueles raros momentos, poderão
carregar o peso de suas casas às costas, peso que apenas eles
sentem, assim como os bibliotecários que carregam o prédio às
costas (unica profissão cujo nome do local de trabalho está no nome
da profissão: biblioteca+rios).
Os
tatuzinhos, que Júlia tanto ama também são poupados, o máximo que
lhes acontecem é passear por instantes nas mãos da pequena que com
seus dois anos lhe dirá: abre!, abre! esperando-os desenrolarem para
devolvê-los a terra. Aliás, algumas das composteiras devem já ter
terminado sua alquimia, pela qual cascas de frutas, ovos e legumes,
pó de café, folhas e outros orgânicos se tornam terra nutritiva,
que encherá vasos, floreiras e canteiros e que se transformarão em
folhas e flores e frutos novamente.
Todas
essas lembranças e reflexões vindas de um instante à janela
roubado ao repouso que se supõe restaurador, enquanto a dor esquece-se de mim por um momento, e
se os analgésicos foram eficazes em fazê-la adormecer, esses
pensamentos emanados da vista do jardim, que está descuidado desde a
primeira leva de repouso há alguns dias, são mais eficazes em
acalmar o pensamento.
Hora de
voltar à cama e a mais uma leitura, enquanto o tempo passa e o corpo
cura.
Fotos: Djair - Flores do jardim de casa.
Meu caro...
ResponderExcluirSuas palavras são feito as flores que vem para alegrar nosso dia, enriquecer nossas vidas, clarear nossa mente...
Como uma formiga você trabalha em verso e prosa trazendo para nós um belo momento de relaxamento e anestesia das dores que nos afligem...
Só não coloque inseticida nas palavras que saem da sua alma pois nós adoramos o que escreves!
Grande abraço...
Rafinha
"São lembranças, bons momentos..."
ResponderExcluirAlex.'.Araújo
Cara... Comer o doce de leite e guardar o pote vazio no mesmo lugar??? Esse merece ser operado de catarata com as saúvas, sem anestesia!!!
ResponderExcluirLogo no doce de leite!No doce de leite!!! PÔ!!!
HILÁRIO!!!! Talvez Ming, o impiedoso, deteste o que vou dizer, mas a dor só afia o seu sarcasmo e torna deliciosamente irônico o seu texto. Mas desejo melhoras assim mesmo. Beijos, Myrna Gioconda
ResponderExcluirBrevemente vc voltará a cuidar bem do seu jardim! E as saúvas, elas tbm estão personificadas em nossas vidas ! É preciso ter mto cuidado , porque se não, o estrago é grande! Portanto, inseticida nelas!!! Na minha vida, estou protegendo-me dos seus ataques, praticando o perdão, potencializando minha fé, orando mto e fazendo ommmmm!!! Um abraço no seu coração e um ótimo fds!
ResponderExcluirGina Guimaraes
Lindo demais seu texto, Djair!
ResponderExcluirAssim como são lindas as flores das quais você tirou foto!!!! Também andei tirando de umas papoulas e rosas daqui de casa...
Quem ler o que escrevo agora, vai achar que sou assim-assim com plantas... Não sou!
Aprecio a natureza, amo as flores, mas não sou daquelas que as fica observando por muito tempo... Quando se trata da natureza, minha ficção é com os animais!...
Portanto, fiquei defendendo interiormente as formigas e lagartas e tive que rir com o contraste que ocorreu em nossas vidas, amigo!
Enquanto você é perseguido malevolamente pelas saúvas, tenho ricas lembranças de infância delas! Quase não as vejo mais - e olha que temos roseiras e uma pequena horta!- só que elas parecem que não se ligam muito na gente... Lembro delas cortando as asinhas e correndo de um canto ao outro da criançada que queria pegá-las! Adorava botar a mão nas asas, achava-as muito bonitas! hehe
Adorei ot exto, como sempre!
Um abração da Mary pra você!
(Não, o Brasil não pode acabar com as saúvas... rsrsrs) :)))))