O jardim da Biblioteca Central é a metáfora perfeita de meu estado de espírito em
relação à Ufes, a Universidade Federal do Espírito Santo.
Há alguns anos, quando aqui cheguei, era bem cuidado, denso, florido. Cheguei a
organizar saraus sobre o seu gramado… O jardim e suas flores e cores representavam
alegria, diversidade, respeito, esperança, cuidados! Luz e cor espalhados dos dois
lados da calçada. Quando se proibiu que fosse regado, devido à crise hídrica que se
enfrentava no Estado, não tiraram um só posto para lavagem de carros dentro da
Universidade. Uma colega ainda tentou persuadir o prefeito universitário da época,
que lhe concedeu uma audiência, mas foi em vão; segundo ela, não se tinha tempo
para atender funcionários.
A estrutura revela-se vertical, e diferente de Sócrates que dizia ser tolos os homens
que pensam que ter expertise numa coisa o torna sabedor de tudo, a academia respeita
apenas seus pares e como Napoleão se autoconsagra e coroa, numa retroalimentação
presenteada com cargos, comissões e considerações.
Esses funcionários, aos quais o tal prefeito não tinha tempo para atender, tentaram
salvar o jardim, com baldes e galões d’água. Tentou-se. E o que se acreditava
passageiro virou permanente, embora a crise hídrica tenha passado. Talvez quem não
gosta do belo e da natureza, deixa-os morrer, e aproveita qualquer desculpa para
cortar árvores e arbustos, mas enfim… Os afazeres do trabalho cotidiano e o cansaço
e a desesperança impediram o pequeno grupo de prosseguir na luta, afinal, eram
poucos os que se importavam e para a gente chique aquilo era um trabalho menor, a
provocar risadas.
Aposentaram-se uns, mudaram outros de setor, esmoreceram os demais. O jardim foi
murchando e secando morreu. Por falta de água e de respeito. Sequer houve projeto
para aproveitar a água dos aparelhos de ar-condicionado, como na editora
universitária, apesar do prédio da biblioteca ter sofrido grande intervenção. Alunos e
transeuntes fizeram as muretas dos canteiros de banco, cinzeiro, depósito de lixo.
Pouco resistiu, o pouco que restou das ixoras, além dos galhos secos e mortos, foram
teimosas folhas cobertas por pó, o pó preto, tão capixaba, o pó da terra, que o vento
traz, o pó do descaso. Quando posso, passo e esvazio a garrafinha de água mineral na
esperança de manter alguma vida, sofrida vida, sofrida resistência. Aqui e ali, ainda
desabrocha uma flor, como a dizer que a esperança é a última a morrer, embora aqui
ela seja a primeira a entrar em coma. E assim Dante diria: “deixai toda a esperança
vós que entrais.” Sem cuidados, sem cores, sem ilusões.
Era um jardim.
Que bom que o conheci e se me permitem ainda tirar da cartola uma última
referência: “Quem jamais o esquece não pode reconhecer” (Chico Buarque). De flor
em flor, se perdeu a cor, o frescor, o brilho...
Puxa, o texto é mesmo pura melancolia que imagino seja o seu estado e o do jardim que fenece ao descaso. Uma pena. Um beijo
ResponderExcluirPois é Le, e eu que sou flor de sobra feneço rápido.
ExcluirDjair, seu texto me lembra nossa sociedade - a desmobilização do que é coletivo, a falta de quem deveria e poderia cuidar e respeitar mais...
ResponderExcluirSim, a fina flor da sociedade tem mais ervas daninhas que rosas.
ExcluirOs jardins que temos que cultivar...
ResponderExcluirG
Belo texto ,meu amigo ,muito triste, mas revelador das prioridades actuais. Infelizmente não só nesse local ,mas penso que posso dizer, a nível mundial !Estamos a viver num mundo de loucos!
ResponderExcluirUm grande e saudoso abraço
Isabel
Origado querida, de fato o mundo está mais para monturo que jardim. Mas vamos continuar a lançar sementes. Saudades também. abração
ExcluirO texto faz refletir. Estou lendo "O menino do dedo verde" com a Bi, e nem mesmo Tistu para dar jeito no verde, onde alguns homens colocam o dedo cinza...
ResponderExcluirUma pena mesmo, imagino para você que adora suas companheiras naturais.
Mas está de parabéns sempre por fazer sua parte! Um beijo e não esmoreça!
Olá Djair, quanto tempo, como está?
ResponderExcluirEm meados de 1993, quando eu ia estudar na Biblioteca da UFES, tudo parecia muito bem cuidado. Uma pena que o jardim tenha se deteriorado com o passar do tempo...São mais de 30 anos sem voltar à Biblioteca, e tudo deve ter mudado bastante. Cuidados são tão importantes para que fique sempre lindo e viçoso....Mas ter que até mendigar por água? Puxa, lamento muito amigo...Infelizmente o balcão de privilegiados no Serviço público continua a mesmíssima coisa do meu longo tempo que frequentei a UFES. Mas não deixe morrer a última plantinha, mantenha a esperança acesa..por favor...Abraços!