terça-feira, 14 de fevereiro de 2023

Teresa

Ela estava no fundo do quintal, a torcer e estender roupas no varal. Quando ouviu o Bem-te-vi a silvar o seu longo beeemteviiii, minha tia Teresa, que um dia, na infância, já tinha sido minha tia preferida, com seus causos, histórias e gargalhadas, disse a imitar o pássaro: “_triste viiida, é, isso mesmo, triste vida, meu pássaro, é essa minha.”

Desde a perda da minha prima Dienny, que morreu no parto de seu único filho, tia Teresa passou a ser uma pessoa amarga, de maus humores e vitimista. Certa vez fui visitá-la numa cidade a 170 km e lá chegando ela me recebe com a frase: “_Mas tu não veio não foi pra ficar aqui, né!?” Imediatamente eu disse que não, que tinha só passado para cumprimentá-la e que já estava indo embora. “Bença tia?” e tomei o caminho de Teresina, para onde fui para a casa de amigos, onde era bem mais querido e festejado. Tia Teresa criou os três filhos sozinha, à custa de subemprego e noites em claro. O marido que era analfabeto aprendeu a ler com ela, que anos antes tinha sido professora leiga em tempos nos quais isso era comum pelos campos Brasis. Em seguida, ele se formou pelo Instituto Universal Brasileiro, como técnico de rádio e televisão, montou uma oficina de sucesso e então a deixou. Como revelou a mim e a uma prima quando demos a ela um pilequinho no Natal, foi culpa dela mesma que nunca foi pra cama – no sentido bíblico – com ele, sem chorar. Achávamos que era por falta de vontade, comum às mulheres de nossa família materna. Hoje penso que poderia ser por dor, falta de lubrificação ou mesmo preliminares. Afinal, como disse Lara uma vez, mais ou menos é assim: “_Vocês acham que somos iguais a vocês, que basta triscar para já ficar duro? Não é assim não. Bu* precisa de lubrificação, de estar com vontade, e tudo começa de manhã, com um café na cama, por exemplo. Aiiií sim, pode ser que à noite a gente esteja com vontade.”

Tia Teresa morou com a filha mais velha na fazenda, até ser expulsa pelo cunhado dono dela mesma, que por sua vez, era irmão de seu genro, depois que num momento de raiva ela o chamou de: “careca da cabeça da rola do diabo”. Encurtando a história: o genro contou ao cunhado e assim se deu a expulsão terceirizada dada através de recados. Já bastante entrada em anos conseguiu uma aposentadoria mínima do governo e foi morar ainda mais pelo interior, onde muitos anos antes era copeira na prefeitura, mais tarde acabou voltando a morar com a mesma filha, quando ela já estava separada do marido. Em sua própria pobre e triste sina, tornou-se alcoólatra. Em consequência disso sofreu uma queda tempos depois, assim que operou da catarata e sem sua jornada de sofrimentos acabou por ficar praticamente cega.

Tia Teresa morreu, que esteja melhor que foi, quando encarnada.

12 comentários:

  1. Que vida difícil e triste!!! Quantas Teresas não existem nesse Brasil afora? Penso como você, que agora ela esteja bem ao lado da filha. Bjs Dja ...

    ResponderExcluir
  2. Que história triste. Que Tereza agora esteja em paz.

    ResponderExcluir
  3. Quantas Terezas existem por esse Brasil afora? Triste vida, triste sina. Que Tereza tenha encontrado a paz.

    ResponderExcluir
  4. Triste sina a de tia Teresa, mas que bom que voltou a escrever aqui. Beijos!

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pois é Rô, como dizia minha mãe, a gente sabe como começa, mas não sabe como acaba.

      Excluir
  5. Djair mais um conto, de histórias e poesia, prosa e verso a serem contadas no canto da cozinha, refletindo sobre uma época atrás. Vi minha avó Petrolina quando descreve o trecho que "alfabetizou" o marido, e após melhorar, a largou....Petrolina também teve um pouco de Teresa.
    Alba

    ResponderExcluir
    Respostas
    1. Pelo visto isso foi bastante comum né Alba, a triste sina de mulheres fortes que são sobrepujadas por homens fracos.

      Excluir
  6. Djair Rod Souza seu texto me deixou emocionada. Minha avó, Petrolina Salles, normalista e declamadora na Rádio ES, casou tarde pros costumes da época, e deixou de lecionar e declamar, mulher letrada como diriam e de boa família, então, quando li, vi ali ela, vivendo uma vida só, sem casar novamente, amando os netos. Viveu das terras da herança do pai dela, depois mudou pra cidade e continuou ganhando um troco aqui e ali como benzedeira, de coração bom, cobrava o que podia ou queria dar.
    Nessa sexta, eu senti a homenagem vestindo no carnaval uma fantasia de baiana benzedeira, me emocionei e quando li seu texto, parece que senti minha vó ao meu lado, dizendo é menina!!! ❤️
    Alba

    ResponderExcluir
  7. Triste trajetória de tia Teresa, não é de se estranhar a forma em que ti tratou ,qdo foi ve- lá. Ela era a própria vítima da circunstâncias .
    Uma coisa que achei intrigante, eu tenho lubrificação até hoje. Minha irmã acha que é mentira porque ela é bem mais nova e não tem.

    ResponderExcluir

Será muito bom saber que você leu, e o que achou.
Deixe aqui seu comentário