Celina trabalhava no balcão de empréstimos de uma biblioteca. Um dia, sim, sempre há um dia, acabou de atender um usuário (Vânia é que tenha tremores com a palavra usuário!), e recebeu em seguida uma ligação do Recursos Humanos, que era para ela óbvio, e do outro lado disseram algo mais ou menos assim: “_ Acaba de ser publicada sua aposentadoria a partir de hoje no Diário Oficial.” Celina desligou o telefone, sem falar nada foi até o armário, pegou sua bolsa, pôs aos ombros, caminhou até o balcão de empréstimos, sentou-se nele, passou as pernas pro outro lado e foi embora, assim, sem dar tchau a ninguém. Viva!!!
Zizi, a cada vez que estava a chegar perto da aposentadoria, o governo mudava seus planos e lá lhe tascava mais três anos de trabalho às costas. Mas um dia, dos "grilhões que lhe forjavam da perfídia astuto ardil" houve mão mais poderosa e aposentou-se o Zizi na primeira oportunidade, ainda que a perder dinheiro. A melhor coisa que ele já fez, segundo o próprio, pois como sempre reafirma, é preciso saber a hora de sair, melhor sair enquanto ainda querem que você fique e não quando já querem lhe ver pelas costas.
Zuleide, eu a conheci na festa de sua aposentadoria, fez muito que bem. A festa foi boa, apesar que Cícero e eu tentamos tirar o capeta do corpo de uma moça que lá estava, mas não adiantou, ela continuou possuída e só piorou. Sai capeta!
O Gaúcho da Fronteira aposentou-se. Sabe Deus à custa de quantas asas de morcego obteve uma chefia pra continuar trabalhando e recebendo por fora pelos serviços que fazia em horário de trabalho. O local de trabalho era seu escritório particular; afinal, o cidadão de bem sempre confunde o público com o privado.
Outros não pensavam como uns, nem agiam como tais.
Seu Manoel arrastou a aposentadoria até quase não mais poder, anos e anos até resolver-se. Quando finalmente o fez disse que agora ia aproveitar a vida e viajar, conhecer lugares, passear bastante. Um mês depois bateu a cassuleta e foi aproveitado pelas minhocas do cemitério.
Regina, talvez por viver só, não se aposentava. Entrava ano, saía ano, e sua vida era o trabalho e casa. O cancro veio e ela saiu do trabalho pro hospital. Morreu sem aposentar-se.
Cibopre não se aposentava porque queria ser chefe. Também não trabalhava, enrolava, e ria-se disso; seria aquele tipo de chefia clássica que sempre diz que não dá conta de tudo que tem pra fazer, porque não o faz. Só a doença o fez aposentar-se, sem conseguir o intento do cargo superior.
Queirós não se aposentava, nem trabalhava, porque gostava de atormentar todos a seu redor, e talvez porque não tivesse computador para jogar paciência em casa. Mas participava de todo e qualquer conchavo e criticava a toda e qualquer proposta de trabalho, serviço ou difusão que fosse apresentado.
Chatilde não se aposentava porque não ia aguentar conviver com o marido já aposentado dentro de casa.
Um monte de gente não se aposenta por dizer-se que não está preparada... Eu, não sei se chegarei a isso, mas preparado estou desde sempre. Tantas viagens a fazer, gente a conhecer, plantas pra cuidar, livros a ler, filmes, peças de teatro, concertos... Tanto e tanto que nem daria conta. Mas pronto pra isso, sempre estive.
Gostei do texto. Aposentadoria tão sonhada e tantas coisas acontecendo!
ResponderExcluirA d o r e i! Texto solto e deliciosamente entre o sádico e o bonzinho. Bem ao teu estilo que eu gosto muito.
ResponderExcluirótimo texto, Djair. E muito divertido também. Poucos se preparam pra a aposentaria. E quando ela chega, não sabem o que fazer...
ResponderExcluirNossa seu texto me fez lembrar dos tempos em que trabalhei em bibliotecas cheias de funcionários fantasmas que, pasme, iam ao local todos os dias, mas eram vivos mortos...
ResponderExcluirMaravilhoso!!! Muito bem detalhado e divertido, leitura gostosa de se fazer
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