Atualmente,
pelo menos dois amigos esperam por transplantes.
Foi
neles que acordei pensando nessa madrugada. Rins, fígado...
Pedaços
de outros corpos que podem proporcionar uma qualidade de vida melhor,
que podem salvar-lhes as suas.
Todos
os dias, esses mesmos pedaços, são enterrados e queimados aos
montes, por aí... Acompanham corpos que apodreceram sem servir a
ninguém, os que serão queimados sequer servirão de comida aos
vermes.
Esses
amigos sofrem, física e nem sei dimensionar (e quem poderia?) o
quanto, mentalmente, por não recebê-los, por sabê-los deteriorando
naturalmente, por sabê-los virarem cinzas, por saber que em
processos de embalsamamento, muitos vão simplesmente para latas de
lixo, e sequer serão utilizados para pesquisas médicas que
salvariam vidas. Vidas como aquelas que se acabaram de ir, deixando
inanimados os corpos dos quais faziam parte; vidas dos que agora se
julgam donos desses corpos já sem vida, que podendo doá-los e
salvarem a outros (e a si), optam por perdê-los, optam pela
podridão, condenando assim ao sofrimento e à morte os que poderiam
sobreviver com os nacos de carne perdidos.
A
culpa é da dor que sentem? A dor que sentem é maior do que a dos
que esperam? O dilema da escolha é psicologicamente mais brutal do
que a quem sabe que para viver precisa de um pedaço do outro, e que
para recebê -lo a forma mais comum é que “esse outro”, esse
“doador”, precise morrer?
E
se você, ao morrer, preferirá que esse seu pedaço apodreça junto com
o resto, que seja queimado, tornando-se apenas cheiro de carne
queimada e pó, ou que salve a vida de alguém?
Foto: internet - Uso de acesso livre. Disponível em: